Brasil arcaico

Tempo médio para registrar uma patente no INPI é de 5,8 anos

Apesar de ter caído nos últimos anos, o tempo médio para registrar uma patente no INPI é de 5,8 anos, bem acima do verificado em outras nações. Faltam políticas de estímulo à inovação segura de desenvolvimento tecnológico

Simone Kafruni
postado em 31/08/2020 06:00 / atualizado em 31/08/2020 15:14
 (crédito: Caio Gomez/CB/D.A Press)
(crédito: Caio Gomez/CB/D.A Press)

Não é fácil ser um inventor reconhecido no Brasil. Para conseguir o registro de uma patente, já foram necessários, nos casos mais extremos, 14 anos. Hoje, apesar de o tempo médio estar em 5,8 anos, ainda é o país do atraso. Não tanto nos trâmites burocráticos, que têm evoluído bem desde o ano passado, mas, principalmente, em políticas públicas de educação, incentivo e valorização à inovação industrial, premissas básicas para criação de propriedade intelectual. Não à toa, 85% dos depósitos no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), autarquia que decide sobre patentes, são de não residentes, ou seja, de novidades criadas em outros países, que apenas solicitam o direito de exclusividade também no Brasil. O setor privado nacional participa muito pouco do processo de patentear invenções no país.

A diretora de Patentes do INPI, Liane Lage, reconhece que a inovação no Brasil está muito aquém do que deveria. “É preciso um trabalho para incentivar que os nacionais depositem mais pedidos, trabalhem com tecnologia, para que se faça a proteção adequada”, diz. A patente é um direito de exclusão, de impedir um terceiro de usar e explorar e vender a invenção. Esse direito, no mundo inteiro, por meio de acordo, é concedido por 20 anos a partir do depósito. No Brasil, como já se chegou a demorar 14 anos, o que reduziria o direito a apenas seis, foi criada uma exceção para garantir a extensão desse prazo. “O parágrafo único do artigo 40 da lei diz que a patente, após concedida, deve ter, no mínimo, 10 anos de existência. Se o INPI atrasar 11 anos, vai ter 21 e assim por diante”, explica.

Esse parágrafo chegou a ser usado em 100% dos pedidos no INPI, tal o acúmulo de estoque, o chamado backlog. Hoje, é utilizado em cerca de 30%, segundo Liane. Isso significa que quase um terço ainda demora mais de 10 anos para ser examinado. “Até o fim do ano, nosso objetivo é zerá-lo”, ressalta. No ano passado, foi criado o Plano de Combate ao Backlog, para agilizar a análise dos pedidos feitos até 2016. Em 24 de agosto deste ano, dos 149,9 mil depósitos que se encaixavam neste critério, restavam 96,4 mil. Porém, além do estoque, uma média de 28,9 mil depósitos são feitos por ano no INPI. Por isso, atualmente, 142 mil estão na fila.

A justificativa para o acúmulo, muito acima da média de outros países, de acordo com a diretora do INPI, é o histórico da autarquia. “Foi falta de estrutura, de investimento e de recursos humanos, de modo que havia um desbalanço entre o número de pedidos e a nossa capacidade de examiná-los.” O instituto tem 988 servidores, dos quais 310 examinadores.

Uma forma de agilizar, segundo Liane, foi seguir os processos feitos em escritórios do exterior. “Quando se faz um depósito em um país, geralmente, é feito em vários outros. Com nosso atraso, os outros já tinham examinado a patenteabilidade dos nacionais. Então, estamos dando celeridade a esses para acabar com o backlog”, promete Liane.

O INPI, também em 2019, iniciou um projeto de aperfeiçoamento das modalidades de trâmite prioritário, cujos exames demoram em torno de 13 meses. “Isso vai despressurizar o INPI. Muita gente tem pedidos feitos há muito tempo e nem sabe da existência da priorização”, alerta a diretora. Uma das prioridades é específica para a covid-19, mas pessoas físicas com mais idade ou deficiências físicas, microempresas e alguns setores, como startups e tecnologias verdes, também têm tramitação mais célere.

Especialistas confirmam que as recentes mudanças no INPI têm acelerado os processos. No entanto, o advogado Luciano Andrade Pinheiro, sócio do Corrêa da Veiga Advogados, ressalta que a análise de patente é naturalmente demorada. “O INPI tem que fazer uma busca, verificar se existe alguma coisa já patenteada ou com pedido de registro pendente parecido com aquilo. Patente tem que ser novidade. Essa busca tem que ser criteriosa porque é feita no mundo inteiro”, explica.

Pinheiro destaca que os formulários são muito técnicos e, de fato, às vezes, um erro de digitação faz todo o processo voltar ao solicitante para ajustes. “Se não houver precisão absoluta na descrição, pode cair na semelhança de outros e perder a patente. Mas, hoje, existe uma rede de universidades aptas a auxiliar nos pedidos. A UnB (Universidade de Brasília) presta esse serviço”, aponta.

 

 

 

Resultados 

O plano para reduzir os estoques do INPI começa a dar resultados, garante Fabrício Polido, sócio de Inovação e Tecnologia do L.O. Baptista Advogados, especialista em propriedade intelectual. “Além de tirar da fila os pedidos feitos até 2016, para colocá-los aptos a uma decisão final, há tratamentos diferenciados. Porém, o grande equívoco que se comete é simplesmente colocar o depósito lá. Se a patente não reúne os requisitos mínimos, não será concedida”, alerta.

O problema, de acordo com o especialista, deixou de ser o atraso no tempo de exame, mas na produção de inovação. “A maior parte dos pedidos é de multinacionais que usam o INPI para receber pelas patentes aqui. A origem da invenção não está no Brasil”, lamenta. Dos 15% de depósitos nacionais, que já são poucos, a maioria é de empresas públicas, como a Embrapa, laboratórios farmacêuticos e universidades. “Há baixa incidência de patentes nacionais de empresas privadas”, revela.

O quadro de atraso é reflexo da falta de investimento em pesquisa e desenvolvimento que transformem a base de formação científica, tecnológica e inovação. “A grande falha é a ausência de política industrial e de investimentos públicos. Há pouca percepção da importância de buscar patentes. O Brasil demora para analisar e não tem nenhum estímulo para criar”, resume.

Com a adesão do Brasil, no fim de 2019, ao protocolo de Madri, que permite aceitar aqui marcas registradas em outros lugares, alguns processos devem avançar mais rapidamente daqui para frente, estima Marcelo Godke, sócio do escritório Godke Advogados. “No entanto, isso não será suficiente. Resolveremos o problema da morosidade, mas não estamos desenvolvendo tecnologia no Brasil. É preciso investir em educação básica para melhorar o acesso a carreiras como física, química e engenharia”, sustenta. “Hoje, há uma fuga de cérebros do país. Os gênios vão desenvolver tecnologias em outros países, porque, aqui, não há ambiente.” 

 

“A maior parte dos pedidos é de multinacionais que usam o INPI para receber pelas patentes aqui. A origem da invenção não está no Brasil”
Fabrício Polido, sócio de Inovação e Tecnologia do L.O. Baptista Advogados 

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Indicação geográfica é pouco usada

Além de registrar poucas invenções, o Brasil não explora todo o seu potencial nas indicações geográficas (IG), usadas para identificar e proteger a origem de produtos e serviços nos casos em que o local tenha se tornado conhecido por alguma qualidade específica. O exemplo mais conhecido talvez seja o champagne, espumante que só pode levar esse nome se tiver sido produzido naquela região francesa. No país, temos muitos produtos emblemáticos, como a cachaça, o queijo da Serra da Canastra, de Minas Gerais, e os vinhos do Vale do Vinhedos, do Rio Grande do Sul.

Porém, mesmo os produtos mais reconhecidos exploram pouco a indicação geográfica, alerta João Emílio Gonçalves, gerente executivo de Política Industrial da Confederação Nacional da Indústria (CNI). “No México, a indicação geográfica da tequila é protegida em 42 países. A cachaça do Brasil, em apenas quatro. No entanto, se considerar o tamanho, a diversidade de clima, relevo e cultura, o país tem um potencial enorme”, assinala. Atualmente, o país contabiliza 69 indicações geográficas.

A proteção da IG, também conferida pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), garante agregação de valor e competitividade ao produto. De janeiro até agosto de 2020, o órgão recebeu 10 pedidos de registro de novas IGs, quase o total de 2019, que teve 11 solicitações. “É um avanço. Mas, depois do reconhecimento, vem a parte mais complexa, que é a melhoria da produção e do marketing para gerar uma percepção de qualidade”, destaca.

Para impulsionar as indicações geográficas, a CNI desenvolve uma série de ações, entre elas, a divulgação do potencial de algumas regiões. O material mais recente ressalta três das mais antigas indicações do país: a cachaça, bebida que nasceu quase junto ao Brasil; o cacau do sul da Bahia e sua revolução feita de chocolate; e a erva-mate de São Matheus do Sul, que, de tão importante, bancou até a independência do Paraná do estado de São Paulo.

Consulta pública
Em 12 de setembro, termina a consulta pública para a elaboração da Estratégia Nacional de Propriedade Intelectual. Especialista em inovação, Fabrício Polido teme que falte diálogo para articular política industrial, digital, científica e tecnológica. “O modelo de patentes, com monopólio de 20 anos, na era digital, em que as tecnologias ficam obsoletas rapidamente, é ultrapassado”, alerta. Ele também achou o texto do documento em análise muito vago e o período de consulta, de apenas 20 dias, exíguo. “É preciso que haja uma construção coletiva do sistema nacional de propriedade intelectual.”

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