Principal alavanca da economia do lado da demanda, responsável por dois terços do Produto Interno Bruto do país (PIB), o consumo das famílias desabou 12,5% entre abril e junho ante o primeiro trimestre de 2020. Só não foi pior, graças ao auxílio emergencial, que garantiu parcelas de R$ 600 à população mais afetada com a paralisação da economia. O menor consumo foi, em grande medida, segundo especialistas, responsável pela contração dos Serviços, que recuaram 9,7% no segundo trimestre ante o primeiro e 11,2% em relação a igual período de 2019. Os dados foram divulgados nesta terça-feira (1/9) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
Na comparação com o segundo trimestre de 2019, o consumo das famílias recuou 13,5%, a maior queda registrada na série histórica do IBGE. Esse foi o segundo resultado negativo da comparação após 11 trimestres de avanço. Segundo os especialistas, o isolamento social no país, a proibição de funcionamento de algumas atividades, especialmente de serviços prestados às famílias, além da queda na massa de salarial, justificam o desempenho. “A relação de Serviços e consumo é importante”, disse Flávio Serrano, economista-chefe do Banco Haitong.
Rebeca Palis, coordenadora de Contas Nacionais do IBGE, explicou que a despesa das famílias pesam “mais um menos dois terços na economia”. O item Outros serviços, que teve quedas de 19,8% na margem e de 23,6% na comparação anual, inclui justamente os serviços prestados às famílias, como hotéis, restaurantes, bares, academia e salão de beleza. “O desempenho do mercado de trabalho, o isolamento social e a restrição de funcionamento de algumas atividades provocaram a queda no consumo das famílias. O que amenizou foi o aumento do crédito para famílias e os programas de apoio governamental”, pontuou.
A operadora de cobrança e moradora do Itapoã Eline Soares, 33 anos, teve que deixar de gastar em alimentação fora de casa. Com isso percebeu uma diferença nas finanças. “Deixei de comer em restaurantes e lanchonetes e passei a cozinhar em casa. A diferença no orçamento foi total”, relatou. Se antes ela gastava em pizzas por exemplo, hoje ela consome esses produtos de forma mais barata e prática. “Agora compro esses tipos de alimentos mais baratos em mercados atacadistas e até entregam na minha casa”, contou.
Com o cancelamentos de shows para evitar aglomerações, os artistas tiveram grandes dificuldades com a pandemia. Foi o que ocorreu com o cantor Guilherme Vieira, 20, morador da Cidade Ocidental (GO). Ele e a família optaram por reduzir gastos para enfrentar à crise, o que só foi possível com a ajuda do auxílio emergencial. “Tive que cortar gastos em casa e sair apenas quando necessário, além de economizar em contas como água e luz. A internet, por exemplo, tivemos que mudar o plano e reduzir a velocidade”, afirmou.
Combate
“A queda foi mais acentuada em abril e teve alívio a partir de maio com as medidas de combate à crise, principalmente o auxílio emergencial”, avaliou a economista-chefe do Banco Inter, Rafaela Vitória. Flavio Serrano, economista-chefe do Banco Haitong, esperava uma queda de 9,5% no consumo das famílias. “Veio mais forte. Houve restrição de mobilidade, mas as pessoas continuaram comendo, tanto que os supermercados tiveram desempenho até melhor durante a pandemia”, considerou. O Haitong vai revisar a projeção para o PIB no fechamento de 2020, estimada em -5,2%. “Como alguns dados vieram piores do que os projetados, devemos revisar para algo em torno de -5,5% e -6%.”
Para Leonardo Trevisan, economista e professor do curso de Relações Internacionais da ESPM-SP, o que mais preocupou foi, justamente, o consumo das famílias. “Isso não é um bom sinal, sobretudo, quando se tem um indutor muito forte como o auxílio de R$ 600. Talvez reflita o atraso do benefício para chegar na ponta, aos realmente necessitados. Algumas pessoas só começaram a receber em junho e julho”, disse. O especialista também alertou para a queda de 9,7% nos Serviços. “O setor tem peso de 70% no PIB. Se caiu tudo isso, está atingindo brutalmente a informalidade e o emprego de até três salários mínimos”, disse.
Na opinião de Fábio Bentes, economista da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), o PIB como um todo não teve surpresa. “Nossa projeção era de -9% e foi -9,7% e, na comparação anual, era queda de 10,6%, veio de 11,7%. O consumo das famílias está alinhado com a queda do comércio. No segundo trimestre, a massa de rendimento, que é importante, encolheu 5,6%. Sem o auxílio emergencial, a queda teria sido de 8,2%, com impacto no PIB de 18% e não de 12,5%”, assinalou.
O fato de o governo ter prolongado o benefício pode ajudar no processo de recuperação, avaliou Bentes. “Isso começou já no segundo trimestre. A reação da atividade econômica tem contribuído positivamente”, disse. A CNC revisou a previsão do PIB no fim do ano de 2020, de recuo de 6,1% para queda de 5,7%. A projeção para o consumo das famílias, que era retração de 7,5% no fechamento do ano, ficou em 7%.
* Estagiário sob supervisão de Simone Kafruni
Notícias pelo celular
Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.
Dê a sua opinião
O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.