Para não correr o risco de faltar papel moeda em meio à pandemia de covid-19 e aos pagamentos do auxílio emergencial, o Banco Central (BC) lançou, ontem, a cédula de R$ 200. Impressa na cor cinza, com detalhes em sépia, tendo a estampa do lobo-guará, deve ter 450 milhões de unidades em circulação até o fim do ano, no valor de R$ 90 bilhões.
O primeiro lote de 20 milhões de cédulas foi enviado para 10 capitais: Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre, Salvador, Recife, Fortaleza e Belém. A partir daí, a nota será distribuída pelo Banco do Brasil, que é o custodiante do BC, e deve chegar ao restante do país.
A nota de R$ 200 foi lançada após 18 anos sem alterações na família do real. A escolha do lobo-guará ocorreu após uma consulta realizada ainda em 2001, na qual os brasileiros podiam indicar animais ameaçados de extinção para estampar cédulas da nova unidade monetária. Nos dois primeiros lugares, ficaram a tartaruga-marinha (colocada na nota de R$ 2, criada em 2001) e o mico-leão dourado (entrou na nota de R$ 20, lançada em 2002).
A decisão de produzir notas de R$ 200 veio como resposta às mudanças de comportamento trazidas pela pandemia, segundo a diretora de Administração do BC, Carolina de Assis Barros. Ela explicou que a covid-19 trouxe uma demanda excepcional da população por papel-moeda. “O dinheiro em espécie ainda é a base das transações no Brasil e, em épocas de incerteza, dinheiro significa segurança”, disse. “Famílias e empresas fizeram saques em volumes inesperados para acumular reservas de emergência.”
O fenômeno, chamado de entesouramento, cresceu com o pagamento do auxílio emergencial, que chegou a mais de 67 milhões de brasileiros. Por isso, o volume do meio circulante alcançou R$ 350 bilhões, bem acima dos R$ 301 bilhões previstos para este ano. E o BC calcula que ainda haja uma necessidade de mais R$ 105,9 bilhões de papel-moeda no Brasil.
Carolina disse que a eventual falta de dinheiro em espécie nos bancos poderia trazer complicações sociais, sobretudo entre as classes de menor renda, que têm menos acesso a meios digitais de pagamento. “Falta de cédulas e moedas poderia significar o não acesso de grande parcela da população a itens de consumo básico”, afirmou.
Como o estoque de segurança do BC não era suficiente para atender a essa demanda, a importação era inviável e a Casa da Moeda não tinha condições físicas de produzir R$ 105,9 bilhões até o fim do ano em cédulas de menor valor, a saída foi emitir notas de R$ 200, explicou o presidente do BC, Roberto Campos Neto. A nova cédula tem o mesmo tamanho da de R$ 20.
O BC calcula que a produção de 450 milhões de cédulas de R$ 200 vai custar cerca de R$ 142 milhões. Além disso, pretende investir R$ 20 milhões em uma campanha de conscientização sobre as ferramentas de segurança da nova nota para evitar falsificações.
Segurança
É um aspecto, por sinal, que gera receio. É que, mesmo com o alto valor, a nova cédula não tem nenhum elemento novo de segurança. O BC usou aqueles já existentes nas demais notas do real, como a marca d'água, o alto-relevo, o número que muda de cor e números escondidos que só podem ser vistos na contraluz, alegando que eles estão alinhados às melhores práticas internacionais e já são conhecidos pela população. Alguns especialistas queixaram-se da ausência da faixa holográfica que está nas cédulas de R$ 50 e R$ 100 e dificulta a falsificação.
O BC descarta a possibilidade de que a nova nota facilite a desvalorização do real (por conta do alto valor), a corrupção ou a lavagem de dinheiro, como alegaram partidos de oposição, em ação aberta no Supremo Tribunal Federal (STF) visando suspender o lançamento de cédula. Como a ministra Cármen Lúcia, relatora da ação, ainda não emitiu decisão sobre o assunto, o BC manteve o cronograma. A autarquia informou que prestou todos os esclarecimentos requisitados pelos STF.
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Primeira foi para colecionador
O colecionador Athos Camargo, de 50 anos, foi o primeiro brasileiro a obter a cédula de R$ 200. Ele ficou mais de três horas na frente do Banco Central (BC), em Brasília, para conseguir o feito. E saiu de lá com 15 cédulas de R$ 200 para enviar a amigos colecionadores do resto do Brasil.
“Eu tinha uma expectativa muito grande, porque, até a hora do lançamento, o Banco Central manteve todas características da cédula sob sigilo”, explicou Athos, que é bombeiro militar da reserva, mora no Jardim Botânico e é colecionador há 35 anos.
Ele lembrou que a expectativa também era grande porque esta é a primeira vez em 18 anos que a família do real ganha um novo membro. “Cheguei cedo para garantir a minha nota”, disse o colecionador, que, às 11 horas, já estava no BC, mesmo com o lançamento da cédula previsto só para as 13h30.
Athos garantiu que a espera valeu a pena. “Garanti a minha e vou ajudar meus colegas que moram em cidades menores, nas quais a nota só chegaria só depois de utilizada”, explicou. Já sobre o desenho da nota, ele ainda está amadurecendo a avaliação. Primeiro, afirmou que achou a cédula muito bonita. Depois, disse que poderia ter um pouco mais de cores ou elementos. Na internet, muitos estão reclamando que a cédula é meio “apagada”, pela cor cinzenta, com detalhes em sépia.
“Esperava-se um pouco mais. Mas foi uma resposta emergencial à demanda maior da pandemia. Então, não dava para fazer muita coisa diferente”, ponderou Athos. O colecionador não acredita que a cédula favoreça o aumento da corrupção e a desvalorização do real. “Quando foi lançada, a cédula de R$ 100 valia mais de US$ 100. Mas a cédula de R$ 200 vale US$ 40”, explicou.
Athos, contudo, fez algumas objeções aos elementos de segurança da nova nota. “Não tem a faixa holográfica das cédulas de R$ 100 e R$ 50, que é um dificultador para os falsários. É mais parecida com a cédula de R$ 20”, avaliou. (MB)
Afastado por covid não tem estabilidade
Um dia após ser publicada no Diário Oficial da União, a portaria que garantia estabilidade trabalhista de 12 meses e auxílio-doença do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) a afastamentos em decorrência da covid-19 foi revogada pelo Ministério da Saúde.
Com a portaria, a covid-19 passava a incorporar o rol de doenças ocupacionais, mas o Ministério da Saúde afirmou que recebeu “contribuições técnicas” para ajustes, por isso optou por revogar o documento.
Caso o funcionário ficasse afastado por mais de 15 dias devido à infecção, teria o contrato suspenso e os direitos trabalhistas garantidos por meio de licença do INSS. O auxílio-doença era de 100% do valor salarial, sendo garantido todos os outros benefícios, como Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) proporcional pelo período de afastamento. Além disso seria garantida a estabilidade por um ano no emprego após o retorno.
Para o especialista em direito trabalhista Rafael Ferraresi Holanda Cavalcante, CEO do escritório Ferraresi Cavalcante, o recuo era necessário, uma vez que a medida atribui o ônus da contaminação de forma abrangente para a empresa. “Essa norma deixaria as empresas muito vulneráveis a pedidos de indenizações e estabilidades de um ano no emprego, quando automaticamente se considera a covid-19 como doença ocupacional, descartando a apuração do nexo de causalidade, que é relação que se deve estabelecer entre a atividade exercida com a doença adquirida”, afirmou.
Preocupação com o troco
A possível dificuldade de troco com a nova cédula de R$ 200 foi uma das preocupações manifestadas pelos moradores do Distrito Federal e do Entorno, sobretudo por quem trabalha no comércio. A vendedora Marli dos Santos, 44 anos, de Águas Lindas de Goiás, já enfrenta problemas para dar troco para os clientes e acredita que, com a nova nota, será ainda mais complicado. “Muitos querem trocar notas de R$ 50 ou R$ 100, e eu não tenho como fazer. Imagina com R$ 200!”, disse.
A analista de recursos humanos Maria Arruda, 44 anos, e a doméstica Elisabete Torres, 57, ambas moradoras da Asa Norte, disseram não ver necessidade para o lançamento da nova cédula. “Não acho que seja necessário, porque deve mexer na economia”, afirmou Maria. Elisabete, por sua vez disse que uma cédula de valor tão alto pode favorecer transações ilícitas. “Hoje, a gente não vê dinheiro, mas para a corrupção será mais fácil”, observou.
Redes sociais
Nas redes sociais, a cédula de R$ 200 foi um dos assuntos mais comentados, mas, neste caso, predominou o tom jocoso. Alguns internautas lamentaram que o animal escolhido para figurar na nova nota da família do real não tenha sido o cachorro vira-lata Caramelo, que há algumas semanas foi motivo de memes nas redes. Outros disseram que o jacaré deveria ter sido o personagem. Alguns não gostaram da aparência da nova cédula.
Diversas sugestões de como poderia ser a nota foram apresentadas pelos usuários das redes. Houve quem sugerisse que o cantor Zeca Pagodinho deveria ser homenageado pelo Banco Central na nova cédula. Alguns levaram a questão para o campo da política e fizeram uma relação das notas com a pergunta feita ao presidente Jair Bolsonaro sobre o suposto recebimento de R$ 89 mil de Fabrício Queiroz pela primeira dama, Michelle Bolsonaro.
*Estagiário sob supervisão de Odail Figueiredo
"Muitos querem trocar notas de R$ 50 ou R$ 100, e eu não tenho como fazer. Imagina
com R$ 200!"
Marli dos Santos, vendedora