CRISE ECONÔMICA

Apesar da pandemia, inadimplência segue sob certo controle

Com a pandemia, esperava-se uma explosão do calote no país, o que não ocorreu. Ao contrário, caiu. Bancos são contundentes ao afirmar que programas de repactuação e auxílio emergencial seguraram o endividamento, mas alertam para piora em 2021

Marina Barbosa
postado em 06/09/2020 07:00 / atualizado em 06/09/2020 12:40
 (crédito: Valdo Virgo/CB/D.A Press)
(crédito: Valdo Virgo/CB/D.A Press)

Diferentemente do ocorrido em outras crises, a taxa de inadimplência do consumidor brasileiro não explodiu em meio à pandemia do novo coronavírus. Ao contrário, até caiu, chegando à mínima histórica de 2,7% no mês passado. Especialistas explicam que os calotes foram evitados por medidas como o auxílio emergencial e a prorrogação de parcelas, mas temem que os consumidores comecem a atrasar as contas quando os programas chegarem ao fim. Há quem diga até que a inadimplência pode voltar, em 2021, aos níveis da crise de 2016, devido ao cenário de retomada lenta e desemprego alto que se desenha para o pós-pandemia.

Segundo o Banco Central (BC), a taxa de inadimplência do sistema financeiro nacional estava em 3%, no começo do ano, passou para 3,2%, em março, e chegou a 3,3%, em abril, no início da quarentena. A expectativa dos analistas era de que a taxa continuasse subindo ao longo de 2020, já que a pandemia tirou o emprego e reduziu a renda de milhões de brasileiros. Tanto é que todos os bancos elevaram o nível de provisões de forma significativa desde o início da crise da covid-19. O Bradesco e o Santander, por exemplo, mais do que dobraram suas provisões para devedores duvidosos do início do ano para cá com medo dos calotes.

No entanto, depois disso, o que se viu foi um recuo das contas em atraso. De acordo com as estatísticas de crédito do BC, a taxa de inadimplência foi para 3,2%, em maio, 2,9%, em junho, e 2,7%, em julho, no menor patamar da série histórica. Ainda segundo o BC, o nível de endividamento do consumidor brasileiro variou de 26,9% a 27,3% na pandemia. Por isso, o percentual da renda que é comprometida pelo pagamento dos boletos subiu de 17,9% para 18,5%. E isso sem considerar o financiamento da casa própria, pois, neste caso, o endividamento chega a 46,7% e o comprometimento de renda, a 21%.

“Era esperado um aumento de inadimplência na pandemia, em função do contexto de menor renda e maior endividamento. Muitas pessoas perderam o emprego ou tiveram o salário reduzido pelos acordos de redução de jornada ou suspensão do contrato de trabalho. Por isso, precisaram recorrer ao crédito para manter algum nível de consumo e quitar as despesas correntes”, observou a economista da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Izis Ferreira.

Mais consciência

Ela admitiu, então, que a curva da inadimplência não seguiu o comportamento esperado em uma crise. E credita esta diferença a dois fatores: a maior consciência financeira dos consumidores e as medidas que foram tomadas pelo governo e pelos bancos para tentar mitigar o impacto da pandemia no bolso dos brasileiros, o auxílio emergencial e a possibilidade de deixar para depois o pagamento das parcelas que venceriam na quarentena. “Os benefícios emergenciais ajudam a recompor parte da renda, ajudando as famílias mais pobres a manter as contas em dia”, explicou.

Questionado sobre a razão desse fenômeno incomum em situações de crise, o chefe do Departamento de Estatísticas do BC, Fernando Rocha, disse, nesta semana, tratar-se de uma hipótese da autoridade monetária. Ele explicou que o auxílio fez com que muitos brasileiros de baixa renda, que corriam o risco de entrar na inadimplência na crise, tivessem dinheiro para pagar as contas. E lembrou que o BC permitiu, logo no início da pandemia, que os bancos repactuassem o vencimento das parcelas sem fazer nenhuma provisão adicional e sem aumentar os juros cobrados aos consumidores.

As instituições financeiras, portanto, permitiram que seus consumidores empurrassem para o fim do ano o pagamento das parcelas de diversas operações de crédito, desde o financiamento da casa própria até o crédito pessoal. Os brasileiros aderiram em cheio à medida.

Pós-pausa

Por isso, os bancos já temem que a inadimplência só tenha sido represada em razão do programa e volte a crescer assim que as prorrogações acabarem. E o fim dos acordos deve ser sentido já nos próximos meses, pois a maior parte das renegociações teve, no máximo, seis meses e a possibilidade de fazer uma nova repactuação expira no fim deste mês, segundo as regras aprovadas no início da pandemia pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).

“Grande parte desse desempenho é decorrente do plano de prorrogação oferecido aos nossos clientes”, comentou o Santander. “A redução da inadimplência e dos atrasos veio por causa de pausas das parcelas. O desafio é a saída pós-pausa. Os números não falam com a realidade pós-pausa, tanto que tivemos um aumento no primeiro trimestre, antes da pausa. O importante será ver o resultado do terceiro e, em especial, do quarto trimestre”, disse o presidente da Caixa, Pedro Guimarães.

O Banco do Brasil (BB) também teme uma alta da inadimplência e calcula que a taxa pode bater os níveis de 2016, quando a inadimplência chegou a 4% no Brasil, no início de 2021. “Nossa projeção é de que a inadimplência deve atingir o ponto máximo entre o quarto trimestre deste ano e o primeiro trimestre do ano que vem. Com a prorrogação de parcelas, muito da inadimplência foi represado. Por isso, só deve se apresentar no último trimestre”, afirmou o vice-presidente de Controles Internos e Gestão de Riscos do BB, Carlos Bonetti, ao apresentar os resultados do banco no segundo trimestre.

Presidente do Itaú, Candido Bracher acrescentou que a alta não será tão explosiva quanto o esperado no início da pandemia, nem deve causar tantos problemas ao sistema financeiro. Afinal, os bancos anteciparam-se aos calotes e já ampliaram suas provisões contra devedores duvidosos. “Acho que a inadimplência tenderá a vir com mais força no ano que vem, talvez no segundo ou terceiro trimestre. Mas, mesmo assim, imagino que não venha de uma forma explosiva porque, de uma maneira geral, é um fenômeno muito antecipado”, ponderou, na apresentação de resultados do banco.

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Elevação é consenso

Metade das instituições financeiras consultadas pela Pesquisa Febraban de Economia Bancária e Expectativas espera que a inadimplência da carteira total de crédito suba para um nível próximo do auge observado na crise de 2016, após o fim dos programas de repactuação de dívida. E mais 31,3% acham que a taxa vai superar os 4% de 2016. “Elevação da inadimplência parece consenso por vários fatores: elevação do desemprego, queda da renda, menor receita das empresas”, comentou a Federação Brasileira de Bancos (Febraban).

Em geral, a expectativa dos bancos é de que a inadimplência chegue a 4,7% no fim deste ano e se mantenha neste patamar elevado até o fim de 2021. “Os indicadores de inadimplência não melhoram da noite para o dia, porque a pessoa pode até demorar a entrar no indicador de atraso acima de 90 dias, mas, quando entra, é porque se desorganizou financeiramente e tende a demorar a sair. Além disso, não há uma perspectiva de recuperação rápida do mercado de trabalho”, explicou a economista Izis Ferreira, da Confederação Nacional do Comércio (CNC). A maioria dos bancos, por sinal, espera um arrefecimento do ritmo de recuperação econômica nos próximos meses, em função do término de alguns estímulos econômicos. O setor acredita que a economia brasileira cairá entre 5% e 6% neste ano.

Tombo menor

Analistas lembram, porém, que essa alta dependerá do ritmo da recuperação econômica nos próximos meses e dizem que o calote pode ser menor se o Brasil surpreender o mundo e levar um tombo menor do que 5%, como vem dizendo o ministro da Economia, Paulo Guedes. “Muitas parcelas foram deixadas para o futuro. Se, no futuro, as condições de renda não estiverem favoráveis, isso vai se traduzir em aumento na inadimplência. Mas, se houver alguma recuperação, pode não aumentar ou não ser tão alta. Tudo vai depender da recuperação do mercado de trabalho”, confirmou a economista da CNC.

“Se a trajetória da negociação for bem-feita e o retorno do pagamento for com a economia já normalizada, esse efeito pode ser minimizado”, ponderou o chefe do Departamento de Estatísticas do Banco Central, Fernando Rocha. Em nota, o BC acrescentou que adotou, junto ao CMN, iniciativas com o objetivo de reduzir as consequências econômicas e sociais da pandemia, o que inclui evitar o aumento da inadimplência. Questionado se o prazo das repactuações pode ser estendido caso a covid afete o orçamento dos brasileiros por mais tempo do que o previsto, o BC informou que “acompanha a evolução das operações de crédito concedidas pelas instituições financeiras, a fim de tomar as medidas necessárias à manutenção da estabilidade do Sistema Financeiro Nacional.” (MB)

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