Apesar de ter colocado milhares de empresas em apuros, a pandemia do novo coronavírus representou uma oportunidade de crescimento para muitos negócios. Os sortudos são, sobretudo, do setor da tecnologia e inovação. Afinal, a criatividade e as habilidades digitais têm ajudado famílias e empresas a se adaptarem ao novo normal. E não é preciso ir muito longe para perceber que a crise da covid-19 abriu caminho para oportunidades.
Segundo a Associação Brasileira de Startups (Abstartups), 705 delas já foram criadas no Brasil neste ano. No Distrito Federal, algumas conseguiram triplicar o faturamento em meio à pandemia. Empresa criada em 2016 com o intuito de ajudar municípios e órgãos públicos a realizarem pregões eletrônicos, o Portal de Compras Públicas conseguiu bater a meta projetada para 2023 logo no primeiro mês de quarentena. A empresa permite que os entes subnacionais façam licitações digitais gratuitamente no Portal de Compras Públicas, sem ter que desenvolver o próprio sistema de compras públicas digitais. Tinha negócios com 356 municípios e 55 mil fornecedores no início do ano, mas quase triplicou o volume na quarentena, passando a atender a cerca de 1,1 mil prefeituras e 130 mil fornecedores.
“Na pandemia, os tribunais de contas recomendaram que as prefeituras não fizessem pregões presenciais de natureza alguma, para não expor as pessoas ao risco de contágio pelo novo coronavírus. Isso terminou de empurrar o negócio, que já vinha crescendo desde o ano passado, quando os pregões eletrônicos tornaram-se obrigatórios para as compras realizadas com transferências da União”, contou o fundador e CEO da empresa, Leonardo Ladeira. Com isso, tudo passou a ser licitado eletronicamente pelas prefeituras, desde equipamentos de saúde e educação até materiais de limpeza e escritório e serviços de manutenção. As compras mediadas pela startup do DF cresceram ainda mais porque os prefeitos perceberam que, dessa forma, poderiam reduzir em até 25% o custo dos pregões, segundo Ladeira. Assim, a empresa passou a intermediar negócios que somam R$ 3 bilhões por mês.
“O Portal de Compras Públicas cresceu muito, mas também ajudou as prefeituras a comprarem o que precisavam e os fornecedores a manter suas atividades funcionando na pandemia”, comemora o empreendedor brasiliense, que triplicou o volume de funcionários e está revendo as metas de longo prazo. “Já estamos com 80 funcionários e batemos as metas de 2023. Por isso, estamos redesenhando o planejamento estratégico. Queremos chegar a 1,5 mil municípios e oferecer novos serviços para os mais de 100 mil fornecedores que estão na nossa plataforma ainda neste ano”, adianta Ladeira.
Casa em 3D
A expectativa também é de muitos negócios na Inova House 3D, da empreendedora Juliana Martinelli. A empresa construiu a primeira impressora 3D de concreto da América Latina em 2017 e, agora, em meio à pandemia, ergueu a primeira casa em 3D do Brasil com a ajuda de uma equipe de engenharia de Natal (RN). Juliana conta que o projeto já existia e saiu do papel porque, na quarentena, os parceiros potiguares, ainda universitários, conseguiram se dedicar integralmente à missão. E a dedicação rendeu frutos inesperados para a startup, que ganhou projeção mundial, foi procurada para oferecer consultoria por diversas empresas tradicionais da construção civil e negocia com investidores a construção das próximas casas em 3D do Brasil.
“A impressão em 3D tem, pelo menos, três vantagens: o tempo mais curto, a otimização da mão de obra e a redução de custo. Nós fizemos uma casa de 66 metros quadrados em 48 horas, em Natal, e é possível operar a máquina com apenas duas pessoas. Além disso, a máquina reduz os custos de logística e não desperdiça nada de material. Em uma obra comum, o desperdício é de 30%. Por isso, a redução de custo é de 20% em uma casa, e pode chegar a 50% do valor do metro quadrado em um condomínio. Porém, antes da pandemia, nós tínhamos que ir atrás das empresas. Agora, elas que estão nos procurando”, comemora Juliana, de 28 anos, que está fazendo as malas para representar o Brasil em um encontro de jovens empreendedores do Brics, na Rússia, no fim do mês.
Ela conta que o sucesso repentino da Inova House 3D é fruto da construção da casa em 3D, mas também das mudanças impostas pela pandemia. “Muitas construtoras precisaram construir hospitais de forma rápida. Por isso, precisaram adotar e pesquisar novas tecnologias, mais rápidas que as convencionais. Também foi preciso se reinventar por conta do distanciamento social. E a construção em 3D apareceu como uma oportunidade. O hospital da China que foi construído em tempo recorde, por exemplo, tinha casas impressas em 3D. Além disso, a pandemia deixou as pessoas mais preocupadas com a qualidade de vida, com a saúde do trabalho”, avalia Juliana. Ela acredita, então, que o crescimento do negócio será progressivo daqui para a frente, prepara-se para oferecer novas consultorias e negocia a construção da segunda casa em 3D do Brasil.
Reinvenção
Não são só as startups que estão se dando bem na pandemia. A Wiz Soluções, gestora de canais de distribuição de produtos financeiros e seguros, nascida em Brasília há 47 anos, mas chamada de “jovem senhora” pelo próprio CEO, Heverton Peixoto, é um exemplo disso. Peixoto explica que, nos últimos anos, a empresa passou por um processo de transformação digital e reorganização operacional, que deu mais autonomia aos seus times. Por isso, conseguiu se adaptar e evoluir na pandemia de forma bem mais produtiva do que o esperado.
“A empresa vem se reinventando desde 2017, quando percebeu que as pessoas e o mundo estavam mudando. Hoje, existem umas 15 empresas dentro da empresa. É como um grupo de startups. Essa cabeça jovem, essa cultura digital e a forma como conduzimos nosso trabalho nos ajudaram a encarar a pandemia. Em cinco dias, colocamos mais de dois mil funcionários em home office. Tivemos negócios que aceleraram muito e outros que também nos surpreenderam bastante”, afirma.
Peixoto conta que, entre os negócios que cresceram, está o ramo da Wiz que faz a venda digital de produtos financeiros e ajudou seus parceiros a entrar no mundo digital na quarentena. Já um dos motivos de orgulho e surpresa foi o trabalho de processamento, gestão de documentos e terceirização de serviços, cujo time de call center conseguiu se adaptar ao home office rapidamente. As quedas de faturamento restringiram-se, portanto, aos negócios que dependem mais do contato humano, como a operação de vendas, e não devem abalar o resultado geral da empresa. “Mantivemos nossa rentabilidade. Mesmo em um momento de pandemia, o lucro operacional se manteve acima de 50%. E estamos confiantes em registrar um crescimento neste ano”, conta o CEO da Wiz Soluções.
"A pandemia exigiu que nós pensássemos fora da caixa. E inovação é isso, é pensar diferente, transformar-se. Por isso, o setor da inovação teve boas oportunidades e novas soluções”
Cristiane Pereira, diretora de transformação digital da Associação das Empresas de Tecnologia da Informação do DF
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