Caso não consiga tirar do papel o plano de fortalecer a rede de assistência social, o presidente Bolsonaro ainda pode sofrer com uma economia bem mais morna do que o esperado no próximo ano. Especialistas explicam que, hoje, o que tem sustentado a recuperação de boa parte da economia brasileira é o auxílio emergencial. Afinal, o benefício já injetou mais de R$ 200 bilhões na economia brasileira e, até o final do ano, vai entregar, ao todo, R$ 321 bilhões aos brasileiros de baixa renda, que têm aplicado esses recursos no consumo de bens essenciais e, com isso, ajudado a movimentar o comércio e a indústria brasileira. Há um receio, então, de como vai se comportar a economia após esses pagamentos. E muitos analistas dizem que a retomada econômica vai ficar ainda mais lenta se nada for feito após o auxílio.
O economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, calcula que a queda do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil será de 4,8% neste ano, mas poderia chegar a -7,1% se não fosse o auxílio emergencial. Por isso, diz que o fim do auxílio também terá um impacto significativo no PIB de 2021. Vale calcula que o impacto será de -1,9%, mesmo se o governo criar um benefício mais robusto do que o Bolsa Família, que pague R$ 250 por mês a 25 milhões de pessoas. Afinal, neste cenário, a injeção anual de renda cairia dos mais de R$ 300 bilhões do auxílio emergencial para cerca de R$ 75 bilhões.
Ele avisa, ainda, que esse impacto pode ser de -2,4% no PIB caso não haja nenhum reforço na rede de assistência social em 2021. “O impacto no ano que vem não é trivial e é um empecilho para uma recuperação mais vigorosa”, alertou o economista, ressaltando que “isso reforça o cenário de crescimento baixo em 2021”. Para a MB Associados, o PIB do Brasil vai cair 4,8% neste ano e crescer 2,2% em 2021 — projeção mais baixa do que a do governo, que projeta uma queda de 4,7%, em 2020, e uma recuperação de 3,2%, em 2021.
Aprovação
Todo esse impasse ainda pode repercutir negativamente na popularidade do presidente Bolsonaro, que viu seu índice de aprovação subir de 33% para 37%, a melhor taxa desde o início do mandato, em meio à pandemia. Analistas explicam que esse aumento de aprovação veio, sobretudo, do Norte e do Nordeste, onde os pagamentos do auxílio emergencial garantiram a sobrevivência de milhões de pessoas de baixa renda na quarentena.
“Da mesma forma que muita gente pode voltar à pobreza, a popularidade de Bolsonaro pode voltar para os níveis pré-pandemia”, avisou o diretor da FGV Social, Marcelo Neri. “Se não tiver uma rede de proteção social mais ampla do que a do Bolsa Família depois do auxílio emergencial, o governo vai perder o apoio político que ganhou entre as famílias do Nordeste. Esta também é uma conta de popularidade. E, como parece que Bolsonaro já pensa de forma cristalina na reeleição de 2022, ele vai querer essa expansão”, avaliou o professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Joilson Cabral.
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Um auxílio bem mais robusto
O governo de Jair Bolsonaro não precisa, contudo, criar um programa social para resolver todos os impasses. Segundo especialistas, tudo isso pode ser feito por meio da atualização e da ampliação do Bolsa Família. E alguns parlamentares dizem que já há projetos tramitando no Congresso Nacional com esse intuito, o que poderia acelerar a discussão e garantir que o Brasil terá uma rede de proteção social mais robusta já no início do próximo ano.
“A base do programa de renda básica permanente é o Bolsa Família, que já tem um modelo de gestão reconhecido. Então, podemos usar o conhecimento já instalado e fazer ajustes para ampliar o programa”, analisou o integrante do colegiado de gestão do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), José Antônio Moroni. Ele lembrou, inclusive, que a ideia do governo era pegar o Bolsa Família, aumentar o valor e o alcance e batizar de Renda Brasil por conta de uma questão política, para assumir a paternidade do maior programa social do Brasil.
Estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV) calcula que cada real gasto adicionalmente no Bolsa Família chega a ser 673% mais efetivo na missão de reduzir a pobreza no país do que a injeção desse real em programas como o Benefício de Prestação Continuada (BPC). Isso porque a maior parte dos beneficiários do Bolsa Família está na mais baixa faixa de renda do Brasil e porque o benefício é pago, inclusive, a crianças de 0 a 4 anos, que sofrem com uma taxa de pobreza de 20% no Brasil.
Levantamento realizado no ano passado, nos 15 anos do Bolsa Família, pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) confirmou que “o Bolsa Família é a transferência pública que mais alcança a população pobre no Brasil, uma vez que cerca de 70% dos recursos do programa alcançaram os 20% mais pobres, reduzindo a pobreza em 15% e a extrema pobreza em 25%”. O Ipea concluiu, então, que o programa foi responsável por 10% da redução da desigualdade ocorrida no Brasil entre 2001 e 2015.
Enquanto o governo tenta se acertar sobre o futuro dos programas sociais, portanto, parlamentares de oposição, que vinham defendendo a criação da renda básica universal nos últimos meses, articulam-se para tirar da gaveta um projeto apresentado no ano passado com o intuito de modernizar o Bolsa Família. É o projeto de lei nº 6.072, que já teve até uma comissão especial instalada antes da pandemia de covid-19, e que foi apresentado no lançamento da Agenda Social da Câmara dos Deputados — agenda que foi articulada por deputados como Tabata Amaral (PDT-SP), mas teve o apoio do presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e de diversos líderes partidários.
Custo financeiro
Criar um programa social ou turbinar o Bolsa Família, contudo, também terá um custo fiscal significativo. Por isso, é possível cair no mesmo impasse que levou à suspensão das discussões sobre o Renda Brasil no governo. Afinal, o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) do próximo ano reserva R$ 34,8 bilhões para o atendimento de 15,2 milhões de famílias no Bolsa Família. Porém, a ampliação da rede de assistência social pode precisar de, pelo menos, mais R$ 20 bilhões, segundo cálculos do governo, que, no entanto, não tem margem para remanejar esses recursos do Orçamento de 2021.
“O PLOA 2021 foi apresentado com as despesas já no limite, roçando o teto”, lembrou o secretário-geral e fundador da Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco. Ele ressaltou, ainda, que a maior parte das despesas é obrigatória, lembrando que mesmo as despesas discricionárias já estão em um nível preocupante.
“Quando as despesas discricionárias ficaram abaixo dos R$ 100 bilhões, houve problemas como falta de dinheiro para a emissão de passaportes e as auditorias da CGU (Controladoria-Geral da União). E, agora, estamos até abaixo
Foi por conta disso que a equipe econômica passou as últimas semanas tentando encontrar uma forma de remanejar recursos para o Renda Brasil no Orçamento. E, para isso, chegou a avaliar o congelamento das aposentadorias e a revisão do abono salarial — propostas rechaçadas por Bolsonaro por conta do risco político de tirar dos pobres para dar aos paupérrimos. E é por conta disso que, apesar do desgaste criado por essas propostas, o senador Marcio Bittar e lideranças do governo no Congresso continuam avaliando uma forma de bancar um novo programa social com ajuda dos auxiliares de Guedes.
“Estamos em um desfiladeiro com dois abismos. De um lado, tem o risco de cair em um abismo de pobreza. Do outro, o risco de cair num precipício de gastança que vai agravar a situação fiscal do país. Então, é preciso encontrar um caminho que concilie a situação de restrição fiscal com as necessidades sociais da população”, afirmou o diretor da FGV Social, Marcelo Neri, dizendo que qualquer solução precisa ser sustentável no longo prazo.
Especialistas e integrantes da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Renda Básica, contudo, dizem que é possível bancar a ampliação da rede de proteção social por meio de medidas como a revisão dos fundos públicos, que hoje estão empoçados, ou por meio da taxação dos mais riscos.
“As amarras orçamentárias existem por conta das limitações fiscais, como o teto de gastos. Mas, há medidas que podem ser implementadas para financiar um programa de renda básica sem tirar dos mais pobres. Você pode, por exemplo, fazer uma reforma tributária progressiva para que quem ganha mais pague mais imposto. Medidas como a taxação de dividendos, a taxação de heranças e a taxação de grandes fortunas seriam uma alternativa e são medidas que existem em outros países capitalistas, como os Estados Unidos, a Alemanha e a França”, destacou Moroni, que, no entanto, não vê muita disposição do governo em avançar com estes assuntos. (MB)