O andamento do processo que deve levar à desestatização de uma das subsidiárias da Companhia Energética de Brasília (CEB) teve mais uma etapa concluída. Ontem, a empresa enviou dois comunicados à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e à Bolsa de Valores (B3), convocando acionistas para uma Assembleia Geral Extraordinária, em 13 de outubro. Durante a reunião, o grupo deve decidir sobre a alienação de 100% do capital da empresa, ao preço mínimo de R$ 1,424 bilhão. Se a proposta receber sinal verde, o edital de privatização sairá até o início de novembro.
O Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), responsável pela estruturação do projeto, analisou a situação da CEB Distribuição (CEB-D) por meio de dois modelos. O valor da empresa ficou entre R$ 2,249 bilhões e R$ 2,394 bilhões. No entanto, com o desconto das dívidas de R$ 865 milhões e do preço do terreno da companhia, no Setor de Indústria e Abastecimento (SIA), as estimativas caíram para R$ 1,346 bilhão e R$ 1,501 bilhão. A média final ficou em R$ 1,4 bilhão.
Ao menos seis empresas devem disputar o controle da CEB-D, que atende 1,1 milhão de consumidores no Distrito Federal. Entre elas, estão CPFL Neoenergia, Equatorial, Energisa, Enel e EDP. A primeira chegou a contratar um time de 200 pessoas para avaliar a companhia, e o interesse levou o Governo do Distrito Federal (GDF) a prever um ágio considerável sobre o preço mínimo de venda. O dinheiro será transferido para a CEB Holding — controladora da distribuidora —, da qual o Executivo local detém 80% das ações. Os outros 20% estão nas mãos de investidores.
Em 2018, a companhia apresentou um deficit bilionário e tem acumulado perdas ao longo dos anos. Os principais problemas decorrem da falta de manutenção e atualização da estrutura da rede; das ligações clandestinas; e da inadimplência dos consumidores. Em meio à pandemia de covid-19, cerca de 230 mil pessoas deixaram de pagar as contas de luz em dia. O prejuízo chega a R$ 120 milhões por mês, pois a empresa está proibida de cortar o fornecimento da população durante o momento de crise.
Mudanças
A CEB-D paga, aproximadamente, R$ 260 milhões mensais pela compra da energia que distribui. Mas sem recursos suficientes para bancar essa conta por causa dos calotes, reduziu em R$ 58 milhões os investimentos previstos para 2020. Com a privatização, a Holding deve quitar um empréstimo de R$ 173 milhões feito para ajudar a subsidiária. No entanto, ainda há uma dívida de quase R$ 150 milhões em aberto com o GDF, referente ao Imposto sobre Circulação de Serviços e Mercadorias (ICMS). A empresa já pagou R$ 200 milhões dessa fatura.
No processo de privatização da CEB-D, haverá a criação de uma empresa que cuidará da iluminação pública do DF. A estrutura ficará sob responsabilidade da CEB Holding e vai incorporar 100 empregados da distribuidora para as áreas administrativa e de prestação de serviços. Antes da privatização, a companhia — que conta com quase 900 funcionários — abriu um programa de demissão voluntária (PDV) destinado a 120 interessados.
Administração
A exploração do serviço de distribuição de energia no Distrito Federal valerá por 25 anos — até 2045, se o projeto sair do papel em 2020. A decisão pela venda de 100% do capital tem base na expectativa de que o ágio seja maior sobre o preço mínimo. Os potenciais compradores não têm demonstrado interesse em ter estatais como sócias, por acreditar que isso comprometa a agilidade e a eficiência da administração do serviço.
Ed Alves/CB/D.A Press - 20/10/16
Com edital previsto para o início de novembro, sistema de distribuição de energia elétrica deve passar à iniciativa privada ainda neste ano
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Risco, interesse e impedimento
Professor da Universidade de Brasília (UnB) e especialista em finanças públicas Roberto Piscitelli considera todo o processo de privatização da CEB “muito rápido”, principalmente por se tratar de uma área “muito sensível e estratégica para o governo e para a população do DF”. “É muito arriscado abrir mão de qualquer participação societária e não ter ingerência na empresa. Se o negócio tem compradores dispostos a pagar ágio elevado, deve valer a pena. Mesmo assim, vão dar tudo o que o comprador quer? É preciso estabelecer certas exigências e impor condições”, afirma.
Piscitelli também questiona a imagem positiva em torno da venda e acredita que há interesses por trás da privatização. Ele vê com preocupação a velocidade das negociações e tem dúvidas sobre o interesse dos funcionários em aderir ao PDV lançado pela distribuidora. “Quem se oferecer a isso pode correr o risco de não conseguir muita coisa. É um momento de acanhamento de negócios. Eu faria uma enquete com os funcionários para ver quantos estariam dispostos a fazer essa opção. O mercado de trabalho está muito desfavorável”, alerta.
Na terça-feira, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) decidiu que o representante dos funcionários da CEB no conselho de administração da companhia não poderia participar de nenhuma reunião sobre a privatização da empresa nem ter acesso a documentos sobre o tema. A comissão, que tem a função de regular e fiscalizar o mercado de capitais do país, acatou recurso da estatal. Em comunicado, o comitê considerou que a presença do empregado “não encontra respaldo legal” e que poderia criar embaraços para a continuidade do processo.
O impedimento para a participação do representante dos empregados chegou à Justiça. A área jurídica havia detectado conflitos de interesses, mas o representante dos funcionários levou o caso ao tribunal. Em resposta, a CEB entrou em contato com a CVM. O juiz do caso deve seguir a regra determinada pela comissão. Entre especialistas, o entendimento é de que a posição do órgão regulador passe a valer para todas as estatais que vierem a ser privatizadas.
“Irresponsabilidade”
Diretor jurídico do Sindicato dos Urbanitários no Distrito Federal (Stiu-DF), João Carlos Dias considera o valor de R$ 1,4 bilhão pelo controle total da CEB uma “vergonha”. Ele afirma que a quantia corresponde a um terço do faturamento anual da companhia e que o processo resultará em uma “irresponsabilidade”.
Além disso, Dias cobra que o assunto passe por avaliação da Câmara Legislativa e do Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF). “Não é uma alienação pensando na sociedade, na população. É entrega do patrimônio público. O eventual comprador também terá uma carteira de recebíveis de inadimplência, imóveis e contas que somam R$ 1,8 bilhão e superam aquilo que vão pagar como preço mínimo. Vamos até as últimas consequências para impedir que isso ocorra.”
Em relação à acusação de conflito de interesses do representante dos funcionários no conselho em assuntos ligados à privatização, ele pontua que questionará judicialmente a decisão da CVM. “Há uma ação no âmbito da Justiça comum. Vamos entrar com um novo pedido no mesmo processo que tramita e incluir o parecer jurídico da procuradoria federal que se manifestou contrariamente a essa decisão. Foi uma determinação ilegítima, com tolhimento do representante (dos funcionários da CEB)”, completa. (VN e JE)
R$ 865 milhões
total das dívidas da empresa
1,1 milhão
número de consumidores atendidos no DF
230 mil
consumidores com contas em atraso desde março
R$ 120 milhões
prejuízo mensal com a inadimplência