CONJUNTURA

Juros favorecem a retomada

Ex-presidente do BC afirma que a taxa Selic em 2% ao ano é um dos motores para o Brasil superar a crise. Mas salienta que é necessário consolidar a âncora fiscal e realizar as reformas administrativa e tributária

O ex-presidente do Banco Central e presidente do Conselho de Administração do Credit Suisse, Ilan Goldfajn, afirmou que o Brasil está com juro real negativo e juro nominal abaixo do ponto de equilíbrio. Por isso, a Selic, em 2% ao ano, ajuda a alavancar a retomada da economia no pós-pandemia.

“Empurra a demanda e o investimento”, disse ele, ao participar do debate Política Econômica da Pandemia e o Setor de Telecomunicações, durante o Painel Telebrasil 2020.

Ele ressaltou que a taxa de juros bem abaixo do ponto de equilíbrio, que seria algo em torno de 6%, com desconto da inflação de 3% a 4%, teria, aí sim, juro real de 2% a 4%. Segundo ele, a Selic baixa promoveu novos produtos financeiros, como fundos de infraestrutura e imobiliários, com o mercado de capitais crescendo muito. “A queda de juros faz a diferença, mas, obviamente, é apenas uma das forças”, afirmou.

Segundo o ex-presidente do BC, o Brasil venceu a inflação e, agora, está vencendo os juros altos. “Mas nos falta um passo relevante no mundo macroeconômico: a consolidação fiscal. Precisamos que a nossa dívida seja percebida como estável. Entramos na pandemia com relação dívida/PIB em 75% — e vamos sair com 95% a 100%. Por isso, as reformas administrativa e tributária são necessárias, para consolidar o fiscal e a uma taxa de juros de um dígito”, assinalou.

Para Ilan, como a recessão está voltando, o fiscal precisa ser trabalhado. “O pior da crise foi em abril, estamos melhorando. Porém, a volta tem alguns componentes importantes. É a saída da pandemia. O mundo está tendo uma dúvida de segunda onda, sem o mesmo grau de letalidade que tinha no começo da primeira fase. No caso do Brasil, temos uma primeira onda que está devagar, se estabilizou e vem se reduzindo um pouco nas últimas semanas”, analisou.

Um fenômeno relevante, destacou, é a nova mobilidade das pessoas. “Muita gente que não podia oferecer seus serviços, do contingente autônomo ou do setor informal, os invisíveis, podem voltar e tentar fazer o ganha pão deles. Há setores que paralisaram muito pouco, como o agrícola ou o industrial. E os serviços estão tendo uma volta, apesar daquela parcela que depende do presencial, como aviação, cinemas e shoppings”, avaliou.

Respeito ao teto
Já para o ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles, atual secretário de Fazenda e Planejamento de São Paulo, o teto de gastos — regra cada vez mais ameaçada pela tentativa do governo federal em criar um programa de renda mínima que entregue ao beneficiário R$ 300 — foi fundamental para permitir a redução da taxa básica de juros em 2% ao ano. Ele era ministro do ex-presidente Michel Temer, responsável pela criação da norma que congelou, por 20 anos, a expansão do gasto público, limitado à inflação do ano anterior.

“O teto de gastos viabilizou a discussão orçamentária. Passou a ser forçoso discutir prioridades orçamentárias, porque não se podia expandir o gasto. E o Brasil voltou a crescer. A recuperação permitiu ao Banco Central, de forma conservadora, baixar a taxa de juros, com uma consequente melhora estrutural”, defendeu, ao participar do debate Política econômica da pandemia e o setor de telecomunicações, durante o Painel Telebrasil 2020 (Leia mais na página 9).

Segundo ele, a situação fiscal será muito importante nos próximos anos, para garantir a retomada da economia de forma sustentável. “Neste momento, temos cada vez mais que implantar o teto. No pós-pandemia, é preciso voltar para uma absoluta obediência. Sei que a tentação é grande, porque, por um período, houve expansão por conta de uma crise de saúde inédita. Agora, é necessário reequilibrar o processo”, sustentou.

O ex-ministro disse, ainda, que as reformas, assim como a racionalização dos gastos públicos e as medidas para viabilizar a manutenção do teto, são necessárias para impulsionar a economia. “Também precisamos de investimento em infraestrutura. Um dos nossos problemas maiores é o deficit estrutural nessa área. Isso passa por privatização. O Estado brasileiro e os governos estaduais não têm recursos para isso”, acrescentou.

75%

era o percentual da relação dívida/PIB do Brasil quando o país começou a viver a pandemia


Copom não enxerga risco na inflação

Apesar de reconhecer que a inflação continuará subindo nos próximos meses, principalmente, devido à alta dos preços dos alimentos, o Comitê de Política Monetária, do Banco Central não vê riscos neste e no próximo ano. Essa foi uma das justificativas do colegiado para manter a taxa básica de juros (Selic) em 2% ao ano, segundo a ata da última reunião do Copom, publicada ontem, após nove cortes consecutivos.

Analistas destacaram que, no documento, sinalizou-se que deverá ser mantido os juros atuais por um período mais longo, pois as previsões de inflação não ameaçam o cumprimento da meta, de 4%, neste ano, e de 3,75%, em 2021. O Copom mostrou-se mais preocupado com a atividade econômica fraca do que com a pressão nos preços dos alimentos, considerada temporária.

Contudo, especialistas condicionam esse cenário favorável aos juros se não houver mudança no teto de gastos. Conforme a ata, “eventuais ajustes futuros” na taxa de juros “dependerão da percepção sobre a trajetória fiscal, assim como de novas informações que alterem a atual avaliação do Copom sobre a inflação prospectiva”.

“Sumariamente, as taxas de juros devem permanecer baixas por muito tempo. Se a política fiscal ficar bem comportada, o BC ainda pode reduzir a Selic”, destacou o economista Carlos Thadeu de Freitas Gomes, ex-diretor do BC e economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC).

A sinalização do Copom ajudou recuar um pouco a curva de juros ontem, mas pressionou o dólar, que encerrou em alta de 1,27%, cotado a R$ 5,47, destacou o economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves. Para ele, a Selic fica em 2% até o fim do ano que vem.

Analistas ainda destacaram o uso da “prescrição futura” (forward guidance) que o Copom passou a citar na ata como instrumento extra de política monetária, uma espécie de substituto de redução adicional da Selic. “O Copom está explicando por que parou a taxa em 2% e sinalizando como funciona o forward guidance; explicando que o horizonte relevante para ele é 2021 e, portanto, vai trabalhar com a expectativa de inflação controlada para 2021”, avaliou o economista-chefe do Banco BV, Roberto Padovani.

Padovani lembrou que a discussão de alta de juros poderá ser antecipada, uma vez que a política monetária sempre busca adiantar o debate no caso de novas pressões inflacionárias. “O curioso dessa história é que quando o BC roda as projeções com a Selic parada em 2%, a previsão de inflação esperada para 2022 vai para 3,8%. Então, provavelmente, a discussão no final do ano vai ser alta de juros”, afirmou.

Guedes afina a pauta com líderes

O ministro da Economia, Paulo Guedes, mudou de estratégia e passou o dia de ontem em encontros com deputados, no sentido de estreitar as relações com a Câmara. O primeiro passo desse afinamento de ideias foi o almoço no apartamento do líder do governo na Câmara dos Deputados, Ricardo Barros (PP-PR). Caciques do Centrão, como Arthur Lira (PP-AL), Diego Andrade (PSD-MG) e Baleia Rossi (MDB-SP), estiveram presentes.

No cardápio, o andamento das reformas tributária e administrativa, as negociações sobre o programa social que o governo e o Congresso tentam criar para 2021, e a desoneração da folha. E, pelo tom que os líderes deram ao final do encontro, tratou-se de um almoço produtivo. Além disso, foi uma forma de contornar a dificuldade de diálogo entre Guedes e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

“Diálogos são positivos para ficar claro para o ministério a questão da política, a importância de conciliar com a questão eleitoral. E, para a gente, ficou muito clara a urgência de aprovar essas matérias”, explicou o líder do PSD na Câmara, deputado Diego Andrade.

Os parlamentares, porém, mostraram ao ministro que aprovar as reformas ainda este ano, com as eleições municipais em novembro, é um “desafio”. Mas Guedes ressaltou a importância de destravar essa pauta. Conforme enfatizou o titular da economia, as reformas ajudarão a controlar os gastos públicos e a melhorar o ambiente de negócios, o que pode atrair investimentos.

“O objetivo da reunião era a aproximação, o diálogo constante. Não teve nenhuma decisão extraordinária, mas um diálogo positivo. Temos que continuar dessa forma, poder sentar, conversar, falar das dificuldades”, acrescentou Andrade.

“É uma aproximação do ministro com os líderes, que não têm muita convivência, para que possamos discutir alguns temas e criar mais proximidade, para que distensione alguns movimentos”, observou o líder do PP na Câmara, Arthur Lira.

O anfitrião Ricardo Barros (PP-PR) havia dito que, agora, a intenção é essa: criar convergências entre o governo e o Congresso, antes de oficializar quaisquer propostas. Os líderes concordam que a estratégia é positiva, tanto para evitar desgastes, quanto para garantir que pautas importantes tramitem com mais celeridade.

Brandão assume o BB após quase dois meses

Após quase dois meses de transição, André Brandão assumiu, ontem, a presidência do Banco do Brasil. Tomou posse no gabinete do presidente Jair Bolsonaro. Porém, tem grandes desafios pela frente: manter a instituição competitiva em meio ao processo de transformação digital do sistema financeiro e reconquistar a confiança dos funcionários. Brandão deixou para fazer declarações públicas só nos próximos dias, depois de se inteirar dos detalhes do BB. Lucro do banco desabou 25% no segundo trimestre deste ano devido à crise do novo coronavírus.

Gasolina sobe pela 4ª vez em setembro
Mais uma vez o preço da gasolina vai subir. A Petrobras anunciou, ontem, o quarto reajuste seguido dos combustíveis em setembro. Após três cortes consecutivos, o litro sofrerá aumento de 4% nas refinarias, a partir de hoje. O diesel não terá alteração. As três últimas correções, promovidas pela estatal este mês, foram cortes de 3%, 5% e 5% (gasolina) e reduções de 6%, 5% e 5% (óleo). De acordo com o presidente da Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis, Sérgio Araújo, o reajuste anunciado para gasolina “não foi suficiente para eliminar a defasagem em relação ao preço internacional”. Segundo a Petrobras, o impacto no combustível por litro será de
R$ 0,06 –– passará a custar R$ 1,66 nas refinarias. Em Brasília, embora seja possível encontrar gasolina por menos de R$ 4 em aplicativos, a média praticada, antes do novo reajuste, era de R$ 4,28/litro.