Brasil e Estados Unidos firmaram ontem uma série de acordos e protocolos de intenções para fortalecer as relações econômicas entre os dois países. Na prática, a aproximação pode funcionar como estratégia para que os EUA ganhem espaço em relação à China, atualmente o principal parceiro do Brasil no fluxo de importação e exportação de bens. O embate pela implementação da tecnologia 5G no Brasil se destaca nesta disputa, com a sinalização do governo americano de investir nas empresas de telecomunicações brasileiras, a fim de barrar negociações com a chinesa Huawei.
O diretor para o Hemisfério Ocidental no Conselho de Segurança Nacional dos EUA, Joshua Hodges, reiterou a ideia de que a escolha da Huawei para implementar o 5G poderia fazer com que os dados brasileiros fossem “decifrados” pela China. “É importante ter transparência, o que a China e a Huawei não apoiam. Os Estados Unidos se preocupam que eles utilizem dados e tecnologia para o benefício do Estado e não das pessoas”, afirmou Hodges, ressaltando que o Brasil tem liberdade de negociações com fornecedores chineses.
Na mesma linha, o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, alegou, no evento “2020 US-Brazil Connect Summit, que a parceria econômica e comercial com a China constitui uma ameaça ao Brasil.
Guerra Fria
Os pronunciamentos foram duramente criticados pelo porta-voz da Embaixada da China no Brasil, ministro-conselheiro Qu Yuhui. “Espalharam com má fé mentiras contra a China, fabricaram a “ameaça chinesa” e atacaram a tecnologia de 5G da China. Esses políticos americanos se vangloriam de mentir, enganar e roubar, e se tornaram criadores de problemas que ferem a ordem e ameaçam as regras internacionais”, afirmou.
Segundo Qu Yuhui, os comentários revelam uma mentalidade da época da Guerra Fria. “A China busca construir um novo modelo de relações internacionais, centrado na cooperação, e jamais interferiu nos assuntos internos e políticas externas de outros países”, disse.
Maior empresa de equipamentos de telecomunicações do mundo, a Huawei mantém negociações com boa parte das teles brasileiras. Para Evandro Carvalho, coordenador do Núcleo de Estudos Brasil-China da FGV Direito Rio, do ponto de vista da competitividade, no leilão que o governo do Brasil planeja fazer para implementar o 5G, em 2021, a Huawei largaria na frente pelo fato de seus equipamentos e tecnologias já serem usados no Brasil. “Os custos de atualização seriam reduzidos.”
Nos EUA, a gigante chinesa foi proibida de operar, assim como em alguns países europeus. No Brasil, o presidente Jair Bolsonaro estuda banir o fornecimento dos serviços e tecnologia 5G da empresa. “O debate está completamente ofuscado por uma afinidade político-ideológica, sob alegações de segurança nacional, quando, até o momento, isso não passa de suposição. Do ponto de vista fático, o que temos é uma espionagem do governo americano, à época da gestão Obama, diretamente nas comunicações da ex-presidente Dilma Roussef”, lembrou Carvalho.
“Temos de manter a soberania das comunicações, com um leilão baseado em critérios técnicos. O debate precisa ser focado na questão dos custos, da qualidade e na capacidade de atração de investimentos”, opinou o especialista.
Pacote
Para afastar a concorrência chinesa, e entrar na disputa, ao lado de parceiras europeias, a delegação norte-americana veio ao Brasil com um pacote financeiro robusto. A verba para empresas de telecomunicações no Brasil pode vir tanto do Banco de Importação e Exportação dos EUA (Eximbank), que tem um fundo de US$ 135 bilhões para financiar projeto que usem equipamentos e tecnologias de telecomunicação, quanto da Corporação Financeira para o Desenvolvimento Internacional (DFC), que dispõe de US$ 60 bilhões para o mesmo fim.
Ainda ontem, a presidente do Eximbank, Kimberly Reed, e o ministro da Economia, Paulo Guedes, assinaram memorando de entendimento que prevê US$ 1 bilhão (R$ 5,6 bilhões) para financiar importações brasileiras. O memorando tem foco nas áreas de telecomunicações (incluindo 5G), energia (nuclear, petróleo e gás, e renováveis), infraestrutura, logística, mineração e manufatura (incluindo aeronaves).
“Esse acordo chega no momento em que a nossa infraestrutura logística, mineração, petróleo, gás natural, todo esse horizonte de investimentos começa a ser desbloqueado. O Congresso está aprovando, passo a passo, cada uma das regras de modernização do nosso marco regulatório de investimentos”, destacou Guedes.
O ministro situou a aproximação com os EUA não apenas no âmbito econômico, mas também no da segurança: “As novas tecnologias digitais são decisivas. Foram decisivas para eleição do nosso presidente, para a manutenção dos sinais vitais da nossa economia, e serão decisivas, também, no futuro. Tudo isso está sendo discutido aqui entre os nossos governos”, disse.
Antes da assinatura, o conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, Robert O’Brien, se reuniu com Bolsonaro e membros do alto escalão do governo brasileiro. “Desde o primeiro contato que tive com o presidente Donald Trump nasceu, em nós, um sentimento de cooperação. Cada vez mais o Brasil e EUA retomam a amizade que nasceu em 1822”, destacou o presidente, em discurso de agradecimento à comitiva americana.
Outras duas cartas de intenção, para uso dos recursos da DFC, também foram assinadas. São investimentos de US$ 559 milhões, para modernizar infraestrutura pública e instalar pontos gratuitos de wi-fi, além de auxiliar pequenas e médias empresas na retomada pós-pandemia. Somado a projetos já em andamento, os investimentos da DFC no país podem chegar a US$ 2 bilhões.
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