O Brasil tem mais de 13 mil startups. Mas o governo federal acredita que esse número pode crescer de cinco a 10 vezes nos próximos 10 anos caso a legislação brasileira ofereça menos burocracia e mais incentivos para essas empresas. E percebeu que esses negócios serão fundamentais para a retomada da economia brasileira, já que o mundo requer cada vez mais inovação. Por isso, o Executivo acaba de apresentar um projeto de lei propondo a criação do Marco Legal das Startups. A iniciativa foi bem recebida pelo setor, mas deve crescer no Congresso Nacional para incluir temas tributários e trabalhistas.
Hoje, o Brasil desponta na 20ª posição do ranking mundial da Startup Blink, que considera a quantidade, a qualidade e o ambiente de negócios das startups mundo afora. Isso porque já conta com mais de 13 mil dessas empresas, de diversas cidades e áreas de atuação, que movimentaram mais de R$ 12 bilhões em investimentos no ano passado, segundo a Associação Brasileira de Startups (ABStartups). Porém, a percepção do setor é que esses números poderiam ser ainda maiores. É que, hoje, a legislação brasileira ainda não considera o modelo inovador de negócios das startups. Por isso, essas empresas precisam seguir as regras dos setores econômicos tradicionais e seus investidores nem sempre estão protegidos juridicamente. Tanto que o setor já vem tentando emplacar um projeto de regulamentação há quase quatro anos.
A iniciativa ganhou o apoio do governo no início do ano passado. Desde então, vem sendo trabalhada pelo Ministério da Economia, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e o Legislativo, e ainda recebeu mais de 7 mil contribuições de uma consulta pública. A versão final do projeto que tenta criar o Marco Legal das Startups foi assinada pelo presidente Jair Bolsonaro, no último dia 19, Dia Nacional da Inovação. “O Brasil é o quarto maior mercado digital do mundo. Temos evoluído muito nos últimos meses, mas queremos avançar mais ainda, facilitando o ambiente de negócios”, explicou Bolsonaro, ao lado do ministro da Economia, Paulo Guedes, para quem o Brasil deve “surfar na onda da revolução digital”.
A perspectiva do governo é de que, ao contar com menos burocracia e mais incentivos, o ecossistema de startups cresça de cinco a 10 vezes ao longo de 10 anos, passando da casa das 100 mil startups. E os investimentos em inovação podem crescer ainda mais. Segundo a consultoria americana Startup Genome, um ecossistema de inovação três vezes maior cria cerca de cinco vezes mais valor econômico. Um movimento que, segundo especialistas, pode ser fundamental para a retomada e o desenvolvimento econômico brasileiro. Afinal, a pandemia de covid-19 acelerou a demanda por produtos e serviços inovadores e tecnológicos, como os que são criados pelas startups.
Além disso, o novo coronavírus acentuou a necessidade de investimentos e empregos do Brasil. Estudos indicam que, além de investimentos bilionários, as startups podem gerar milhares de empregos qualificados. A Startup Genome, por exemplo, já demonstrou que a tecnologia gerou mais empregos líquidos de que os setores econômicos tradicionais no mundo, na última década, e afirmou que esses postos de trabalho têm impacto positivo em toda a economia. “As melhores estimativas sugerem que, para cada emprego de alta tecnologia, cinco outros são criados na economia. Não só porque esses empregos pagam altos salários, mas também porque criam novos produtos, inovações e são grandes exportadores para a economia”, afirmou a consultoria, em relatório divulgado neste ano.
Subsecretário de Inovação da Secretaria Especial de Produtividade, Emprego e Competitividade do Ministério da Economia, Igor Nazareth diz que “a principal forma de gerar desenvolvimento econômico hoje em dia é apostando na inovação e no aumento da produtividade, para que o país tenha mais competitividade”. “As startups muitas vezes apresentam soluções digitais que podem aumentar a produtividade de pequenas e médias empresas de setores tradicionais e ajudar a resolver problemas do governo. Por isso, estamos apostando no desenvolvimento das startups e da inovação como um vetor de crescimento”, reforça.
“As startups são empresas com grande potencial de crescimento, geração de emprego e renda. E produzem soluções inovadoras que podem ajudar a resolver diversos problemas de forma mais barata e rápida, desde questões de gestão pública até complicações socioambientais. Por isso, trazem um benefício para toda a sociedade que vai além da questão econômica”, acrescenta o especialista Eduardo Matias, que realizou um estudo sobre as boas práticas de inovação a pedido do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e da União Europeia, e confirmou: criar políticas de simplificação e incentivo às startups é fundamental para garantir esse crescimento inovador. “Medidas como essa têm um grande efeito no crescimento no ecossistema. Na Itália, por exemplo, o número de startups aumentou 13 vezes em três anos após a aprovação de um marco legal”, revela.
Por conta disso, o Marco Legal já foi abraçado pelo Congresso Nacional. Designado relator do projeto na Câmara, o deputado Vinicius Poit (Novo-SP) contou que a proposta do governo (o PLP nº 249/2020) foi apensada a um projeto já apresentado pelo deputado João Henrique Caldas (PSB-AL), no ano passado, com o intuito de facilitar a vida das startups. É o PLP nº 146/2019, que já vem sendo debatido em uma comissão especial, inclusive com audiências públicas e visita in loco. Por isso, deve tramitar de forma acelerada.
“O projeto é importante para desburocratizar e dar segurança jurídica ao investidor. E agora se torna ainda mais importante, porque a economia mudou e são as startups que vão apresentar os negócios inovadores e os empregos para o Brasil sair da crise”, comenta Poit, que promete apresentar seu parecer sobre o assunto logo depois das eleições municipais. “Tenho apoio do presidente Maia e dos líderes. A previsão é aprovar na Câmara ainda neste ano”, afirma.
O ecossistema brasileiro:
» 13.311 startups
» 3º país em número de novas unicórnios — startups com avaliação de mercado acima de US$1 bi — em 2019
» 20º país no ranking global da Startup Blink 2020
» R$ 12 bilhões em investimentos foram movimentados em 2019, dos quais R$ 1,067 bilhão foi de investimento-anjo
Principais áreas de atuação:
» Educação, finanças, saúde e bem-estar, internet, comércio, comunicação, agronegócio, vendas, telecomunicações, gestão
Cidades com mais startups:
» São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Curitiba, Florianópolis
O que diz o Marco Legal das Startups?
» Startups são empresas cuja atuação caracteriza-se pela inovação aplicada a modelo de negócios ou a produtos ou serviços ofertados, com até seis anos de atuação e R$ 16 milhões de faturamento bruto anual.
Perspectiva:
» Ampliar o número de startups de cinco a 10 vezes ao longo de dez anos
» Um ecossistema três vezes maior cria cerca de cinco vezes mais valor econômico
O que propõe?
» Redução da burocracia
» Ampliação dos investimentos
» Participação das startups nas compras públicas
O que ficou de fora?
» Incentivos tributários
» Regras trabalhistas
Fonte: ABStartups, Anjos do Brasil, Startup Blink e Startup Genome
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Proposta deve ser ampliada no Legislativo
Para alavancar o ecossistema de empreendedorismo inovador, o Marco Legal das Startups tem três frentes de atuação: redução da burocracia, incentivo aos investimentos e fomento à participação das startups nas compras públicas. O projeto, contudo, ainda deve ganhar definições tributárias e trabalhistas no Congresso. Questões que até chegaram a ser debatidas entre o ecossistema de startups e o governo, mas acabaram ficando de fora do projeto assinado por Bolsonaro.
O projeto do governo considera como startups aquelas empresas cuja atuação caracteriza-se pela inovação aplicada a modelo de negócios, produtos ou serviços ofertados, com até seis anos de atuação e R$ 16 milhões de faturamento bruto anual. E, se aprovado, vai permitir que essas companhias se registrem de forma facilitada e menos custosa como sociedades anônimas, o que deve contribuir com a entrada delas no mercado de capitais.
O texto também dedica um capítulo especial aos investimentos em inovação. Com o intuito de dar mais segurança jurídica a essas aplicações, deixa claro que os investidores-anjo — aqueles que aplicam dinheiro em um negócio inovador nascente — não se configuram sócios e, por isso, não precisam arcar com os eventuais prejuízos das startups que não conseguirem deslanchar. O projeto ainda permite que as metas de investimentos em pesquisa e inovação de empresas considerem aplicações em startups. “Só a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) e a ANP (Agência Nacional do Petróleo) têm uma cláusula de investimento obrigatório de R$ 3 bilhões por ano em pesquisa e desenvolvimento. Parte disso poderá ser direcionada às startups”, diz o subsecretário Igor Nazareth.
Além disso, a proposta facilita a participação das startups no mercado de compras públicas, que movimenta R$ 72 bilhões por ano só no ComprasNet, o portal de compras do governo federal. Para isso, permite que o poder público faça licitações voltadas exclusivamente às startups, teste as soluções de inovação dessas empresas antes de efetivar a compra e antecipe o pagamento desses contratos para que os empreendedores tenham o capital necessário para o desenvolvimento das soluções contratadas.
Para o ecossistema de startups, as medidas são acertadas. “O Marco Legal partiu das dores do ecossistema e foi construído a várias mãos. Então, conseguiu definir pontos importantes de incentivo à criação, à contratação e ao investimento nesses negócios”, comentou o presidente da ABStartups, Amure Pinho. Ele ressaltou que a decisão da Câmara de apensar a proposta do governo ao projeto que já tramita na Casa é importante. É que, apesar de acertar nos três pontos que decidiu abordar, o texto do governo não trata de questões tributárias e trabalhistas, fundamentais para os investidores-anjo.
A questão tributária chegou a ser tema de um grupo de trabalho nas discussões do governo, mas não entrou na versão final do Marco Legal porque o Executivo decidiu priorizar outros eixos, segundo Nazareth. Pinho explica que o pleito do setor neste caso “vai de encontro direto a um desafio do governo, que é não perder receita”. É que as startups gostariam de ter mais flexibilidade no pagamento das obrigações tributárias e das verbas trabalhistas, sobretudo no início da operação, já que, muitas vezes, começam pequenas e sem capital. (MB)
“Só a Aneel e a ANP têm uma cláusula de investimento obrigatório de R$ 3 bilhões por ano em pesquisa e desenvolvimento. Parte disso poderá ser direcionada às startups”
Igor Nazareth, subsecretário de Inovação da Secretaria Especial de Produtividade, do Ministério da Economia