GOVERNO

Autonomia do Banco Central deve ser votada nesta terça-feira no Senado

Projeto que dá autonomia formal ao Banco Central está na pauta de votações desta terça-feira no Senado. Pela proposta, além de manter a inflação na meta, autoridade monetária teria que buscar o pleno emprego e o crescimento econômico. Tema divide opiniões

Marina Barbosa
postado em 03/11/2020 06:00 / atualizado em 03/11/2020 06:21
 (crédito: Divulgação/Banco Central)
(crédito: Divulgação/Banco Central)

Discutida há mais de 30 anos no Congresso Nacional, a autonomia do Banco Central (BC) deve ser votada nesta terça-feira pelo Senado. O projeto entrou na pauta por articulação da base do governo, que defende a medida como uma forma de blindar a autoridade monetária de ingerências políticas e, assim, oferecer mais credibilidade ao mercado. O texto, contudo, é diferente do que foi encaminhado pelo Executivo ao Congresso, em abril do ano passado. A ideia dos senadores é que, além de buscar o controle da inflação, como defende o governo, o BC tente perseguir o crescimento econômico e o pleno emprego, o que configuraria uma espécie de “triplo mandato” ao órgão.

Para que a diretoria da autoridade monetária não possa ser nomeada ou demitida ao bel-prazer do presidente da República, o texto determina que, depois de empossados, os diretores só poderão ser desligados em caso de condenação criminal transitada em julgado, pedido de dispensa, doença ou quando for comprovado desempenho insuficiente. Pelo projeto, o chefe do BC terá mandato de quatro anos, mas só assumiria o cargo no terceiro ano de mandato do presidente da República, para que os períodos não coincidissem, de modo a garantir a continuidade da política monetária entre diferentes governos.

“O PLP busca conferir autonomia formal ao BC para que execute suas atividades essenciais ao país sem sofrer pressões político-partidárias”, destaca o parecer do senador Telmário Mota (Pros-RR), relator da proposta, apresentada inicialmente pelo senador Plínio Valério (PSDB-AM). Defensor da autonomia, o atual presidente do BC, Roberto Campos Neto, diz que a medida amplia a credibilidade da autoridade monetária e pode contribuir com os juros baixos e o crescimento econômico.

Também há um fundo afetivo na defesa da autonomia pelo atual presidente do BC. É que o avô de Roberto Campos Neto, o economista Roberto Campos, foi ministro do Planejamento do governo do general Castello Branco e propôs a autonomia ao sucessor do general, o marechal Costa e Silva. O marechal, contudo, implantou uma política expansionista e disse ao ministro que ele mesmo era “o guardião da moeda”. Campos Neto gosta de contar essa história e admite que se sentiria honrado em realizar o desejo do avô e ser o primeiro presidente formalmente autônomo do BC.

O projeto do governo, que está na Câmara dos Deputados, confere ao BC o objetivo fundamental de assegurar a estabilidade de preços. Ou seja, perseguir as metas de inflação definidas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) por meio dos instrumentos de política monetária, como a taxa básica de juros (Selic). O entendimento é o de que, com a inflação sob controle, está preenchida a condição fundamental para que haja investimento, crescimento e emprego.

Já o texto que deve ser votado pelo Senado, atribui também ao BC a tarefa de suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego. A mudança surgiu de emendas apresentadas ao projeto. Inicialmente, o relator havia descartado a ideia, por entender, como o governo, que um mandato duplo seria ineficaz e abriria espaço para o BC ser contaminado pelo ciclo político e ficar pressionado a estimular a atividade econômica no curto prazo, visando benefícios eleitorais. No entanto, acabou aceitando a proposta.

Não há consenso, no Senado, sobre o tipo de mandato que o BC deve receber, nem sobre a autonomia em si. A oposição teme que haja um descasamento entre a política fiscal e a política monetária, e que isso prejudique o crescimento econômico. Mas, sobretudo, receia a possibilidade de um BC autônomo que se submeta aos interesses do mercado financeiro ao manobrar a política de juros.

A proposta, porém, ainda tem um longo caminho a percorrer. Se aprovada pelos senadores, ainda terá que passar pela avaliação da Câmara, onde será apensada ao texto apresentado pelo Executivo, que está sob a relatoria do deputado Celso Maldaner (MDB-SC).

A Câmara está com as votações suspensas devido à disputa pela presidência da Casa. Por conta das incertezas sobre o ritmo desse trâmite, o senador Plínio Valério apresentou, na última sexta-feira, mais uma emenda ao parecer de Telmário Mota. A ideia é que a atual diretoria do BC possa ser reconduzida aos cargos, sem passar por nova sabatina no Senado, nos 90 dias seguintes à vigência da lei. Com isso, Campos Neto poderia ficar no comando da autoridade monetária até 2024, segundo ano de mandato do presidente da República que será eleito em 2022.


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Economistas divergem


Apesar de defendida pelo governo, a autonomia do Banco Central (BC) deve ter pouco efeito prático no momento, na avaliação de economistas ouvidos pelo Correio. “Já temos um BC autônomo, não de direito, mas de fato no Brasil. A sociedade sabe que desequilíbrio econômico e inflação não levam a lugar nenhum. Não há governo que enverede por esse caminho sem ser severamente criticado. Eu mesmo fui diretor do BC em duas ocasiões e sempre fui autônomo”, afirma o economista Carlos Eduardo de Freitas.

O ex-diretor do BC acha que o projeto em discussão no Congresso não é necessário. “Temos um sistema que está funcionando. Passaram governos de direita, esquerda e centro e não tivemos mais uma explosão da inflação após a criação do regime de metas”, justifica.

Carlos Thadeu de Freitas, que também foi diretor do BC e hoje é economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), por sua vez, considera importante a formalização da autonomia. No entanto, afirma que este não é o momento adequado para se tratar do assunto. “O BC precisa ter condições para fazer o que é certo, mas o Brasil tem um problema fiscal enorme. Hoje, se o BC subir os juros para controlar a inflação, o custo da dívida vai aumentar muito e trazer mais problemas. Por isso, é mais urgente resolver a questão fiscal.”

Ex-economista-chefe da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Roberto Luis Troster concorda e diz que os investidores estão se afastando do Brasil devido às incertezas sobre as contas públicas. Por isso, reforça que é preciso fazer avançar as reformas administrativa e tributária.

Os economistas se dividem quanto à inclusão de crescimento e emprego entre as metas do BC. “Há receio de que, com isso, o BC possa justificar uma perda de valor da moeda como forma de incentivar a atividade econômica. Já tivemos momentos em que os juros foram mantidos artificialmente baixos para estimular o crescimento, e a inflação subiu”, pondera o professor do curso de ciências econômicas do Centro Universitário Iesb Luis Guilherme Alho.

“Quando as coisas estiverem organizadas, não vejo problema em ter essa atenção ao emprego. É bom dar um certo freio para o BC não ser muito radical nos juros ao perseguir a meta de inflação”, diz, por outro lado, Carlos Thadeu.

Carlos Eduardo de Freitas vê outro problema na autonomia: “Quem a defende pressupõe que o presidente do BC está sempre certo e que o presidente da República está sempre errado, o que não é verdade. Já tivemos casos em que o presidente do BC precisou ser trocado. Com a autonomia, essa possibilidade vai ficar engessada. Então, temo que as regras mais atrapalhem do que ajudem.” (MB)

“A autonomia pressupõe que o BC está sempre certo e que o presidente da República está sempre errado, o que não é verdade. Já tivemos casos em que o presidente do BC precisou ser trocado. Com a autonomia, essa possibilidade vai ficar engessada”

Carlos Eduardo de Freitas, ex-diretor do Banco Central

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