Conjuntura

Inflação surpreende, mas ainda não ameaça juros, diz diretor do BC

Fábio Kanczuk, diretor de Política Econômica do Banco Central, avalia que o choque de preços é temporário. Expectativas de inflação de 2021 formam o horizonte relevante para a política monetária, na ótica do governo

Marina Barbosa
postado em 06/11/2020 16:27
 (crédito: Geraldo Magela/Agencia Senado)
(crédito: Geraldo Magela/Agencia Senado)

A inflação veio acima do esperado, mas ainda não deve afetar a condução da política monetária e a taxa básica de juros (Selic). Isso porque o Banco Central (BC) acredita que esse choque inflacionário é temporário. Para a autoridade monetária, o aspecto fiscal é o maior fator de risco para a inflação e os juros. O recado é do diretor de Política Econômica do BC, Fábio Kanczuk.

Kanczuk falou acerca da percepção da autoridade monetária sobre a inflação, que subiu 0,86% em outubro e já bate 3,92% no acumulado dos últimos 12 meses, nesta sexta-feira (06/11) durante o evento Itaú Macrovision 2020. "O choque é grande, mas tudo indica que é temporário. Estamos de olho. É nosso trabalho ver em que sentido isso se manifesta no resto dos preços. Mas, por enquanto, tudo tranquilo", disse.

O diretor do BC admitiu que a alta dos alimentos era esperada pelo Banco Central porque a alta do dólar tem pressionado o preço das commodities. Mas o aumento inflacionário veio acima do esperado. Kanczuk afirmou que a dispersão cada vez maior da inflação, percebida pela alta de outros produtos, como os eletrodomésticos, também acende um alerta. Porém, avaliou que essa capilaridade também parece estar relacionada aos efeitos da pandemia de covid-19.

Ele alegou que, além de pressionar o dólar, a pandemia reduziu a oferta e aumentou a demanda por esses produtos, sobretudo entre a classe mais baixa, que está recebendo o auxílio emergencial. Por isso, avaliou que essa pressão de preços deve ceder nos próximos meses, quando o auxílio chegar ao fim. "Vemos como algo temporário, algo ligado ao estímulo emergencial. Com a retração dos auxílios, a coisa volta à situação normal. É o que esperamos que vai acontecer no horizonte relevante", afirmou Kanczuk.

O diretor admitiu que o brasileiro ainda deve conviver com a inflação alta nos próximos meses. Mas ponderou que a inflação segue abaixo da meta no horizonte relevante para o BC. No atual cenário, a autoridade monetária já não considera mais a inflação de 2020, mas a de 2021, já que medidas corretivas levam um tempo para surtir efeito na economia real. "Nesse horizonte, não se constitui um problema", cravou.

Por entender que a recuperação econômica será lenta, o mercado projeta uma inflação de 3,11% para 2021, segundo o último Boletim Focus. Kanczuk admitiu, por sua vez, que essa projeção ainda vai subir um pouco, devido à recente alta de preços. E reconheceu que, se esse choque inflacionário durar mais do que o esperado e essa expectativa subir demais, o BC pode ter que rever a política monetária, já que a meta de inflação é de 3,75% para 2021. "Se isso fizesse que a inflação do Focus grudasse na meta, aí a cláusula do forward guidance cai. Aí ele cai e entra em jogo de normalidade a política monetária", analisou.

Na pandemia de covid-19, o Comitê de Poítica Monetária (Copom) do BC adotou o forward guidance, garantia que representa uma prescrição futura de juros, para assegurar ao mercado que os juros não serão elevados se as perspectivas de inflação seguirem ancoradas e o regime fiscal continuar firme. Na ata da última reunião, contudo, o Copom voltou a avaliar a manutenção do forward guidance. O Comitê anunciou, então, que as expectativas de inflação continuam ancoradas, mas elevou o tom em relação ao fiscal. Segundo o Comitê, um desajuste fiscal pode provocar a retirada do forward guidance mesmo se não representar uma queda do teto de gastos.

Nesta sexta-feira, Kanczuk explicou que um desajuste fiscal poderia levar o país a uma situação parecida com uma estagflação. Ele argumentou que, no entendimento do BC, uma expansão fiscal descontrolada, que coloque em risco a sustentabilidade da já elevada dívida pública, elevaria ainda mais a curva de juros e o dólar porque aumentaria as incertezas do mercado sobre as contas públicas brasileiras. Logo, também reduziria a atividade econômica e elevaria a inflação. "Pode ser uma palavra forte, estagflação, mas é nessa direção de mais inflação e menos atividade econômica", alertou.

Por conta disso, o BC vem dizendo que o risco fiscal pode elevar a inflação e os juros. E Kanczuk reforçou o recado da ata do Copom que esse desajuste fiscal pode ocorrer mesmo em uma situação em que o teto de gastos é mantido. Ele lembrou que, no dia em que veio à tona a possibilidade de os precatórios financiarem o Renda Brasil, a curva de juros já reagiu ao risco fiscal, inclusive na parte curta, dos juros de até dois anos. E avisou: "Isso sim tem haver com o efeito de eliminar o efeito do forward guidance. O mercado entendeu que, se romper a estrutura fiscal, acabou o forward guidance. Não é mecânico, não é que vai levar à elevação dos juros. Mas aí a possibilidade se abre".

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