Contas públicas

Especialistas: indefinição e falta de transparência agravam crise fiscal

"Há uma indefinição muito grande e ainda mais preocupante do que romper o teto de gastos que é a falta de transparência sobre como o governo vai enfrentar esse problema fiscal", alertou o economista Felipe Salto, diretor executivo da IFI

Rosana Hessel
postado em 16/11/2020 19:22 / atualizado em 17/11/2020 14:21
Felipe Salto, da Instituição Fiscal Independente (IFI) -  (crédito: Carlos Vieira/CB/D.A Press)
Felipe Salto, da Instituição Fiscal Independente (IFI) - (crédito: Carlos Vieira/CB/D.A Press)

Enquanto não consegue avançar nas discussões das pautas fiscais no Congresso e apresentar um debate plausível sobre o futuro do auxílio emergencial, o governo passa a receber críticas pela falta de transparência sobre como pretende resolver o problema da bomba fiscal que está prestes a explodir em 2021, mesmo com a melhora recente dos cenários das previsões do mercado para a queda do Produto Interno Bruto (PIB) nessa recessão.

“Há uma indefinição muito grande e ainda mais preocupante do que romper o teto de gastos que é a falta de transparência sobre como o governo vai enfrentar esse problema fiscal”, alertou o economista Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), nesta segunda-feira (16/11), durante apresentação a jornalistas do Relatório de Acompanhamento Fiscal (RAF). Segundo ele, é preciso que o governo aponte melhor qual será a evolução fiscal de curto e médio prazos.

A principal regra fiscal mantida durante a crise, o teto de gastos — emenda constitucional que limita o crescimento da despesa à inflação do ano anterior —, não tem espaço para novas despesas, como o auxílio emergencial, e, faltando menos de dois meses para o fim do ano, o ministro da Economia, Paulo Guedes, não apresentou qual será a saída para o processo de aterrissagem dos 65 milhões de beneficiários desse programa que acaba em 31 de dezembro.

Para Salto, não há expectativa de avanços nas reformas do pacto federativo de emergencial neste ano. Logo, o governo já deveria ter começado a discutir uma alternativa para novas regras fiscais no caso de descumprimento do teto ou apresentar uma solução crível.  

A IFI alterou de 6,5% para 5,5% a previsão de queda do Produto Interno Bruto (PIB) deste ano, e de 2,46% para 2,8% a estimativa de crescimento do PIB no ano que vem, com taxa de crescimento médio baixo nos anos seguintes, em torno de 2,3%. Com isso, o cenário traçado pela entidade ligada ao Senado não é tão animador como o ministro da Economia, Paulo Guedes, vem traçando, com uma retomada em que o PIB poderia crescer 4% no ano que vem sem uma segunda onda de pandemia de covid-19.

O cenário mais pessimista da IFI leva em conta que uma das travas do crescimento será justamente justamente no nó fiscal diante do forte aumento do endividamento público que vem fazendo o mercado cobrar juros cada vez mais altos para o governo conseguir rolar a dívida.

Rombo até 2030

Apesar da melhora do cenário, as estimativas da IFI continuam apontando resultado primário negativo para as contas públicas até 2030, sendo que, na melhor das hipóteses prováveis, a dívida pública bruta chegaria a 100% do PIB em 2024. E, no cenário pessimista, em 2022, a dívida bruta alcançaria a 100% do PIB, chegando a 156% em 2030.

Para reverter esses cenários, será preciso um ajuste fiscal forte para transformar o deficit de 2,7% do PIB, previsto para 2021, em supervit primário (economia para o pagamento dos juros da dívida pública) de 1,2% do PIB, em 2024, a fim de interromper a trajetória de crescimento da dívida pública, o que implicaria em um ajuste fiscal de 3,9 ponto percentual do PIB. “Considerando as variáveis macroeconômicas, não há horizonte de equilíbrio para relação da dívida/PIB”, resumiu Salto. 

De acordo com ele, o fato de o Congresso nem sequer ter discutido Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO), enviado em abril ao Legislativo, é preocupante. Além do PLDO, o Orçamento de 2021 e o novo programa que o governo vem prometendo para substituir o Bolsa Família, incluindo uma parcela de beneficiários do auxílio emergencial, ainda não está desenhado. “É no PLDO que o governo tem a previsão de executar as fatias do duodécimo previstas, será um problema para a o Orçamento se essa regra não for aprovada”, alertou.

Salto lembrou ainda que PLDO ainda tem o problema da meta flexível que está sendo questionada pelo Tribunal de Contas da União (TCU). “Meta flutuante não é meta. O correto e mais conservador seria ter uma meta com deficit mais elevado”, orientou.

O especialista em contas públicas ainda lembrou que os gastos com pessoal dificilmente diminuirão nos próximos anos, pois continuarão tendo um crescimento vegetativo que vai fazer com que essa despesa caia muito mais lentamente, devendo passar de 4,4% para 3,4% do PIB até 2030 em vez de chegar em 2,5% como o previsto pelo governo.

Pelos cálculos dos técnicos da IFI não há espaço fiscal para a inclusão do auxílio emergencial, mesmo com a melhora das previsões para a dívida pública e para o resultado primário. Essa mudança deveu-se, principalmente, pelo aumento das estimativas de receita total em R$ 74,9 bilhões, dos quais R$ 65,3 bilhões foram provenientes do pagamento de tributos diferidos entre abril e junho.

Pelas novas projeções, a previsão de rombo fiscal neste ano passou de R$ 877,8 bilhões para R$ 779,8 bilhões evido à melhora nas estimativas da arrecadação. A queda na previsão dos gastos com o auxílio emergencial, que, segundo Salto, vem diminuindo o número de pagamentos nos últimos meses, também ajudou nesse sentido, pois a estimativa da IFI para esse gasto neste ano passou de R$ 308,8 bilhões para R$ 267,9 bilhões, entre junho e novembro.

 

Prorrogação do auxílio

Salto não descarta a prorrogação do auxílio emergencial por mais três em 2021, diante da necessidade de não o governo amparar milhões de brasileiros que dependem do auxílio, mas o gasto precisará ser feito de forma mais criteriosa. Pelas estimativas da IFI, se o valor médio do novo benefício ficar em R$ 300 e ele for estendido para 25 milhões de pessoas, o custo mensal de R$ 15,3 bilhões, o que geraria uma despesa anual extra de R$ 45,9 bilhões. Em outra simulação, considerando uma base maior, de 30 milhões de pessoas, o custo mensal passaria para R$ 21,3 bilhões.

Mas, mesmo com essa premissa modesta, seriam necessários cortes de despesas obrigatórias, de acordo com o economista, porque a patamar previsto para as despesas discricionárias, de R$ 112 bilhões, não comportam esse aumento de gastos sem comprometer os gastos para o funcionamento da máquina. “O que é preciso é um plano fiscal para o ano que vem e de médio prazo. O cenário turvo como o atual é o pior dos mundos. Isso gera precificação dos prêmios de risco para a dívida pública e o governo perde o bônus de encurtar os papéis, apesar de a Selic estar baixa, porque acaba tendo que pagar preços acima desse patamar”, destacou Salto.

Para sair da crise provocada pela pandemia, de acordo com os técnicos da IFI, o governo deverá realizar mais gastos com saúde e assistência social. Logo, essa discussão sobre as limitações orçamentárias precisará ser mais ampla, daqui para frente, para que o problema seja enfrentado de forma mais clara. "O governo não tem músculos para queimar e, por isso, é preciso uma discussão de uma solução com o Congresso para que ela seja aprovada pela maioria dos parlamentares", alertou o diretor da entidade Daniel Couri. 

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