entrevista

David Friedman: ''Não vejo a conexão entre gastos do governo e recuperação econômica''

Expoente da teoria liberal em economia, o norte-americano David D. Friedman critica a tese de que mais gasto público ajudará a retomada da atividade produtiva

Rosana Hessel
postado em 19/11/2020 10:37
"Conseguir comida para pessoas famintas pode ser apropriado, mas não vejo conexão entre gastos do governo e recuperação econômica" - (crédito: Christian Parente/Divulgação)

O economista e escritor norte-americano David D. Friedman acredita que os governos deveriam se empenhar menos em controlar as pessoas e tornar mais fácil a vida para elas próprias resolverem os problemas em relação à covid-19. E que as empresas poderiam oferecer salários maiores para as pessoas que já contraíram a doença e, teoricamente, estariam livres de um novo contágio.

Ele minimiza o uso do termo recessão para a atual conjuntura e critica os que defendem maior ação do Estado na pandemia. “Não vejo a conexão entre gastos do governo e recuperação econômica, embora as pessoas que querem gastar sempre afirmam que existe uma (relação)”, afirma.

Filho do economista Milton Friedman, um dos pais do liberalismo econômico, David Friedman foi um dos convidados da Semana de Inovação, série de seminários virtuais que está sendo realizada pela Escola Nacional de Administração Pública (Enap) desde segunda-feira e que termina nesta sexta (20).

David Friedman afirma torcer para que as ideias do livre-mercado defendidas pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, funcionem. Ele é conhecido por seus escritos sobre microeconomia e a teoria libertária do anarcocapitalismo, tema de seu livro mais popular, The Machinery of Freedom (Engrenagens da Liberdade, em tradução livre), de 1973. Veja os principais pontos da entrevista concedida ao Correio.

 

O senhor é muito reconhecido pela comunidade anarcocapitalista em todo o mundo. Quais mecanismos seriam mais importantes para o atual momento da economia global?

Os governos deveriam fazer menos tentativas de controlar as pessoas, e mais tentativas de tornar mais fácil para as pessoas resolverem os seus próprios problemas. Um exemplo que dou em minhas palestras é facilitar para as pessoas que tiveram covid, e são presumivelmente imunes, provar o fato. E, para os empregadores, que possam oferecer salários mais altos para essas pessoas, a fim de usá-las em funções em que são particularmente importantes, como trabalhadores em lares para idosos.

Com a recessão sem precedentes provocada pela covid-19, como destacaria os conceitos do senhor para uma recuperação mais forte e duradoura da economia global?

É estranho se referir a isso como uma recessão. Se você prender um quarto da população, a produção econômica cairia drasticamente, mas não por qualquer um dos motivos associados às recessões e aos ciclos de negócios. Durante a Segunda Guerra Mundial, a economia civil foi muito menor do que o normal, porque foi desviada para fins militares. Da mesma forma aqui. Agora, existem duas vacinas eficazes. A previsão para os Estados Unidos é de que, até o fim de janeiro, haverá doses suficientes para todos os profissionais de saúde e todos com mais de 65 anos, ponto em que o problema de covid se torna muito menos sério. Nos próximos meses, se nada der errado, a maior parte da população dos EUA pode ser vacinada. Quando isso acontecer, o número de casos deve diminuir rapidamente. Eu espero que algo semelhante aconteça no Brasil. Nesse ponto, os recursos produtivos que foram amarrados devido aos bloqueios e a outras restrições podem ser liberados e a economia deve voltar ao normal.

No que o senhor mais se difere de seu pai Milton Friedman? Que conceito do liberalismo, nessa recessão atual, é recomendável para a recuperação da economia?

Minhas opiniões sobre economia são praticamente as mesmas de meu pai, embora eu esteja mais interessado do que ele em até que ponto a abordagem de mercado pode ser levada. Acredito que o liberalismo no antigo sentido, não da forma como o termo é, agora, usado nos Estados Unidos, é o melhor arranjo para uma economia.

O senhor acredita que existe uma boa saída para a economia brasileira? O estado ineficiente e inchado é o principal problema a ser enfrentado neste momento?

Muito provavelmente, a julgar pelas coisas que os brasileiros me contaram em minhas visitas, mas não estudei a economia brasileira, não posso comentar muito sobre o assunto.

Qual é a sua opinião sobre o governo Jair Bolsonaro? Ele e o ministro Paulo Guedes estão fazendo um bom trabalho?

Eu não sei. Percebi que há uma tensão considerável no governo entre os liberais, ou seja, os pró-livre-mercado, e os conservadores. No caso chileno, os militares conservadores acabaram decidindo deixar o pessoal pró-mercado tomar as decisões econômicas e o Chile se tornou um dos países mais ricos da América Latina. Mas não sei se isso vai acontecer no Brasil ou não. Eu espero que sim. O país é muito grande, com muita gente entusiasmada e talentosa, então, não vejo nenhuma boa razão para que, se o mercado puder funcionar, não funcione muito bem por si mesmo.

O senhor disse que os governos não devem interferir na vida das pessoas e no mercado. Mas, no Brasil, se o governo não tivesse gasto com o auxílio emergencial, muitos desempregados não teriam o que comer, a economia não daria sinais de recuperação. Que tipo de intervenção o Estado não deve fazer?

Conseguir comida para pessoas famintas pode ser apropriado, mas não vejo a conexão entre gastos do governo e recuperação econômica, embora as pessoas que querem gastar sempre afirmam que existe uma (relação).

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