Adaptação e confiança: dois ativos essenciais

Correio Braziliense
postado em 21/11/2020 01:11
 (crédito:                Carlos Vieira/CB/D.A Press                     )
(crédito: Carlos Vieira/CB/D.A Press )

Para empreender no ambiente digital em tempos de inovação tecnológica, a adaptação às novidades e a confiança são dois conceitos muito importantes, segundo Marcelo Minutti, professor de empreendedorismo e negócios digitais, que participou do Sebrae Inova Digital e, ontem, comentou os resultados do evento no Correio Talks. Para ele, as empresas que têm laços de confiança têm condições de manter clientes mesmo em situação de dificuldade.

Uma das formas de os pequenos empreendedores competirem com os grandes é justamente criando relações de confiança, conforme o professor. “O grande quer escala. Por mais que use inteligência artificial, nunca vai conseguir personalizar como o pequeno. Por isso, é preciso escolher alguns atributos para o seu cliente e fazer aquilo de forma genuína, melhor do que o grande conglomerado, e, assim, construir pontes”, ensinou.

Segundo o especialista, o Inova Digital foi um evento cheio de reflexões e tópicos como inovação, empreendedorismo, mídias sociais e vendas foram bastante abordados. “Empreendedorismo e inovação estão intimamente ligados. Algumas décadas atrás, para empreender, a pessoa já tinha o passo a passo de quem tinha feito o negócio antes. Era mais disciplina, resiliência, trabalho e esforço”, contou. “Hoje, a adaptação é o conceito mais importante. Porque, quando alguém constrói um conjunto de regras para um negócio, logo na sequência, isso se torna obsoleto. Adaptar-se é muito importante neste mundo volátil, cheio de ciclos de rupturas”, destacou.

Minutti afirmou que os negócios nascem, crescem, amadurecem e morrem, como tudo na vida. “Só que isso acontece cada vez mais rápido agora”, ressaltou. O motivo dessa velocidade é que a competição aumentou drasticamente por causa do ambiente digital. “Hoje, a gente, aqui em Brasília, compete com um varejista da China. Inovar tornou-se mandatório, porque é preciso se diferenciar, mudar a forma de trabalho, para conseguir atingir um negócio sustentável a médio e longo prazos”, explicou.

Mídias sociais
O especialista comentou que mídias sociais e vendas estão conectadas. Mas, é preciso muito cuidado com essa relação. “As mídias sociais permitem alcançar mais pessoas e se conectar com ideias, conceitos, conteúdos e pessoas diferentes. Você só cria quando colide ideias e sai do espaço confortável e do modelo mental que já tem”, destacou.

No entanto, as mídias sociais, conforme a própria busca da pessoa, pode deixá-la numa bolha. “Se a pessoa tem uma postura passiva, só vai encontrar os mesmos conteúdos e as mesmas pessoas, porque o algoritmo vai calibrar com as coisas que a interessam. Isso vai criar um funil de estagnação, com quantidade menor de colisão com conceitos novos”, alertou. “Quem quer inovar precisa ter uma atitude ativa. A forma como usamos as plataformas determina como empreender”, indicou.

Ao conectar mídias sociais a vendas, 95% das buscas vão indicar como alavancar os negócios e vender mais por meio das plataformas digitais. “No entanto, é preciso ficar atento. Não é bom colocar todos os ovos numa única cesta. Isso é um risco muito grande”, comentou, citando parte da palestra da influenciadora Camila Coutinho, durante o Sebrae Inova Digital. “Fazer isso é apostar que a rede não vai mudar. E muda. O Facebook mudou as regras e a relevância das páginas que eu tenho na rede cai muito. Então a dica é: diversifiquem seus canais, não apostem tudo na mesma rede”, reiterou.

Ao parafrasear outro participante do evento, Clóvis de Barros (doutor e livre-docente pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo), Minutti disse que “cérebro vale mais do que dinheiro”. “Por isso, cuidado. Mesmo ganhando dinheiro, é preciso investir no seu repertório”, orientou. Segundo Clóvis de Barros, “a técnica deve estar a serviço da pessoa e não o contrário”. Minutti revelou já ter ficado deslumbrado por ferramentas. “Eu as dominava e achava que podia resolver tudo com elas. Mas, hoje, existem outras. Então, não sejam escravos das ferramentas. A gente quer tanto repetir o modelo que esquece do resultado”, finalizou.


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Espaço para o tradicional

 (crédito: Carlos Vieira/CB/D.A Press        )
crédito: Carlos Vieira/CB/D.A Press

Atividades tradicionais podem continuar representando uma parte importante da economia, porque mesmo as tecnologias são transitórias. Produtos artesanais, por exemplo, são os mais caros.

Setores tradicionais da economia, que sofrem com a concorrência de modelos disruptivos baseados em inovações tecnológicas, podem voltar a ter bons desempenhos em meio a um refluxo de tendência. A afirmação foi feita pelo jornalista Guilherme Portanova, que participou do Sebrae Inova Digital e, ontem, debateu o tema inovação durante o Correio Talks. Para ele, talvez seja o momento de encarar a tecnologia como uma coisa transitória, que possa se esvair na próxima descoberta. “Alguns setores serão os primeiros a experimentar o refluxo. Não vão acabar com Google, Netflix ou Amazon, mas as formas tradicionais vão segurar uma parte importante da economia”, explicou.


Ele disse que as inovações tecnológicas passaram a primeira impressão de uma grande democratização. “Eu tenho carro, então, posso fazer transporte e aumentar minha renda. Eu quero ser vendedor, não preciso ter uma loja. Quero ser escritor, não preciso de editora, posso publicar direto na Amazon”, exemplificou. No entanto, o grande mercado é concentrado. “Esse princípio de democratização é questionado neste momento, porque as gigantes de tecnologia estão concentrando o mercado.


Poucos brigam por uma fatia gigantesca e milhões disputam migalhas”, avaliou. Se, em um primeiro momento, a inovação e a tecnologia são atrativas, com o tempo começa a surgir espaço para um redimensionamento, na opinião de Portanova. “Os aplicativos que são vanguarda neste mês não servem para mais nada no mês seguinte. Então, a gente tem uma incerteza completa, inclusive, sobre o que está chegando”, disse. Por isso, ele acredita que a tecnologia também possa ser uma coisa transitória.


Para explicar, Portanova fez uma analogia de aceleração mais lenta. “Quando o homem mudou o encilhamento do cavalo da cabeça para o tórax, houve aumento na produtividade de alimentos. Com a revolução tecnológica do petróleo e a previsão do tempo, aumentou ainda mais”, comparou. Atualmente, contudo, os produtos mais caros são justamente os artesanais. “Como os orgânicos produzidos pelos nossos avós, mesmo que hoje se produza 30 vezes mais na mesma área”, assinalou. “Eu gosto de tecnologia, sou um entusiasta, mas temos que usá-la com sabedoria, senão pode virar um genocídio. Pode ser que não sobrem migalhas.”


Verdades

De acordo com o jornalista, é preciso lembrar que, desde a Grécia antiga, o mundo discute o conceito de verdade. “Só o que conseguimos descobrir foi que a verdade depende de versões, de quem viu e de quem contou. Mas, tem um conceito de que não se tem dúvidas: a pós-verdade”, afirmou, referindo-se àquelas informações distorcidas e multiplicadas nos meios digitais, um dentre os vários temas relevantes debatidos durante o Inova Digital. “Uma frase que foi dita no evento me chamou muito a atenção: ‘Só a consciência crítica não dá conta de abarcar a pós-verdade, de entendê-la como conceito e como prática’”, disse.


Neste campo, Portanova disse estar convencido de que a mente analógica pode combater o digital e a inteligência artificial. “Nessa vida de avatar (do ambiente digital), a gente consegue espalhar a verdade, que como elemento absoluto não existe, e pode frear a pós-verdade e as campanhas de mentiras e falsas informações”, destacou. Segundo ele, como as informações falsas confirmam o desejo de multidões, acabam se tornando verdades absolutas, mesmo que as lideranças que as divulgam tenham “alto grau de estupidez”. “Por isso ,temos que aplicar o analógico e espalhar aquilo que nos faz bem e que vai fazer o bem para o outro”, afirmou. (SK)


O que eles disseram


Jaron Lanier

Um dos precursores do movimento de realidade virtual, o norte-americano não tem mais redes sociais. Lanier explicou no Sebrae Inova Digital que decidiu abandonar as redes porque acredita que essas ferramentas têm um poder manipulador, deixando as pessoas escravas emocionais de um emaranhado de algoritmos. Ele defende que os usuários reflitam se seriam mais felizes caso fossem menos dependentes do mundo virtual. Aos pequenos empreendedores, ele recomendou o uso da internet como uma forma de estabelecer conexões diretas com o público, como transmissões em tempo real, que sofrem menos intervenção de algoritmos.

Brittany Kaiser

Convidada do Sebrae Inova Digital, Kaiser ficou mundialmente conhecida com o episódio da Cambridge Analytica, empresa que teve acesso a dados de milhões de eleitores norte-americanos nas eleições presidenciais de 2016. Ela explicou que os dados que circulam nas redes sociais são preciosos para as empresas conhecerem as preferências e oferecerem produtos aos internautas. “Dados são arquivos importantes, são produzidos todos os dias e valem milhões e até trilhões de dólares. São o bem mais valioso do mundo”, frisou. Brittany defende que as pessoas tenham mais controle dos seus dados e que a legislação garanta a proteção dos dados.

Camila Coutinho

Influenciadora digital e fundadora do blog Garotas Estúpidas, Camila contou experiências de crescimento profissional durante os desafios da pandemia. Ela recomendou a empreendedores e produtores de conteúdo que fiquem próximos de seus públicos, respeitando as diversas opiniões tão presentes nas redes sociais. “Muitas vezes as redes sociais inflamam para que a gente comente sobre tudo. É preciso se precaver. Quando for falar, fale do que realmente entende e não sobre algo que não domina, por simples pressão dos seguidores. A gente é muito mais responsável falando de assuntos que entende”, acrescentou.

André Siqueira

Co-fundador da empresa Resultados Digitais reforçou o papel estratégico das redes sociais. “As redes não podem mais ser consideradas apenas entretenimento, mas devem ser vistas como uma robusta ferramenta de comunicação em massa que permite informar, vender, comprar, divulgar movimentos, mobilizar ao redor de causas e reunir grupos de interesse, tudo isso, em poucos minutos e cliques”, afirmou. Segundo ele, é preciso entender o processo de aquisição de clientes: atrair, transformar em uma pessoa próxima, construir e manter um canal de relacionamento, elevar a confiança desse potencial cliente e, por fim, concretizar a venda. “Temos que pensar igual a um time de futebol. Nenhum time funciona sozinho”, afirmou.

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