Brasileiro está cada vez mais arrojado ao investir na bolsa de valores

Pesquisa da CVM feita com cinco mil entrevistados mostra que, diante da queda dos juros e do acesso à informação, o brasileiro está cada vez mais arrojado, migrando de aplicações conservadoras, contratando mais risco em troca de rendimentos maiores

Para fazer o dinheiro render nesse cenário de juros baixos, brasileiros estão aceitando, cada vez mais, correr riscos no mundo dos investimentos. A queda dos juros diminuiu a rentabilidade das aplicações mais comuns no país e muita gente percebeu que deixar o dinheiro parado na poupança, por exemplo, não é interessante. Por isso, um número crescente de investidores estão deixando de ser conservadores e passado a realizar investimentos que antes pareciam distantes e arriscados. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) está de olho nesse movimento para adequar as normas regulatórias ao perfil do novo investidor brasileiro.

A popularização do mercado de capitais fica clara em pesquisa realizada recentemente pela CVM. O estudo ouviu mais de cinco mil pessoas em todo o país para tentar entender o perfil do atual investidor brasileiro e constatou que 40% dessas pessoas começaram a aplicar nos últimos cinco anos, isto é, em meio ao ciclo de queda da taxa básica de juros (Selic), que estava em 14,25% ao ano, em 2015, e, hoje, está na mínima histórica de 2% anuais. A pesquisa ainda revelou que 25% desse pessoal entraram no mundo dos investimentos só nos últimos dois anos, quando ficou claro para o mercado que a Selic, dificilmente, voltaria para a casa dos dois dígitos.

“A queda dos juros é o principal propulsor desse movimento. As pessoas estão sentindo que o dinheiro não está rendendo na poupança e na renda fixa. Por isso, estão saindo daí e começando a experimentar ações, fundos imobiliários”, explica Bianca Juliano, gerente da Xpeed School Pro, o braço de educação da XP Investimentos.

O rendimento da poupança e de grande parte dos investimentos em renda fixa está atrelado à Selic e vem perdendo para a inflação ultimamente. Quando a taxa básica de juros está abaixo de 8,5% ao ano, a caderneta de poupança rende 70% da Selic mais a Taxa Referencial (TR). Com a Selic em 2% ao ano e a TR zerada, portanto, a caderneta, hoje, remunera 1,4% ao ano. Esse rendimento não compensa nem o avanço do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que deve marcar alta de 3,02% no acumulado do ano, segundo a mediana das projeções do mercado registrada no último Boletim Focus, do Banco Central.

Além da poupança, muitos investimentos de renda fixa e de fundos de investimento acompanharam a queda dos juros, pois são indexados à taxa DI ou CDI (Certificado de Depósito Interfinanceiro), que segue a Selic e, hoje, está em 1,91% ao ano, também perdendo para o IPCA. Os CDBs (Certificados de Depósito Bancário), por exemplo, remuneram um percentual do CDI.

Por conta do baixo retorno, os investidores migram para aplicações conservadoras para o mercado de renda variável. No mês passado, por exemplo, R$ 50,9 bilhões saíram dos fundos de renda fixa, segundo dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) coletados pelo banco digital Modalmais. No mesmo período, foi registrado um ingresso de R$ 20,7 bilhões em fundos de ações. O número de investidores pessoa física da Bolsa de Valores de São Paulo (B3), por sinal, cresceu mais de 600% só nos últimos cinco anos.

Editoria de arte/CB/D.A Press - Infográfico sobre investimentos brasileiros

De acordo com dados na B3, mais de 3,1 milhões de investidores estão cadastrados na Bolsa e quase a metade disso começou a comprar e a vender ações neste ano. “O brasileiro estava mal-acostumado com uma taxa de juros de 14,25% (ao ano). Qualquer aplicação que pagasse 100% do CDI rendia mais de 1% ao mês. Mas, com a queda da Selic, a rentabilidade desses investimentos caiu. Aí, o investidor ficou incomodado e sentiu a necessidade de buscar outros tipos de investimentos”, conta o analista da Rico Investimentos, Lucas Collazo.

Surpresa

Atualmente, segundo os analistas, a maior parte das pessoas que decide deixar a renda fixa ainda tende a aplicar em ações ou em fundos imobiliários. Porém, a pesquisa revelou que é cada vez maior o interesse por ativos de maior risco e mais retorno. Dos cinco mil investidores ouvidos pela CVM, 44% já se classificam como um investidor de perfil mais arrojado. Por isso, o índice de exposição a produtos de maior risco, como as criptomoedas, os derivativos e os investimentos no exterior, veio acima do esperado.

A surpresa quanto ao apetite ao risco do investidor brasileiro pode até levar a CVM a rever regras de acesso aos produtos financeiros no próximo ano. Segundo o chefe da Assessoria de Análise Econômica e Gestão de Riscos da CVM, Bruno Luna, essa pesquisa ainda está sendo concluída e deve gerar um estudo de Análise de Impacto Regulatório. E esse material, informa Luna em nota publicada pela CVM, deve nortear “uma discussão mais ampla sobre futuros movimentos regulatórios relacionados às atuais regras e restrições de acesso aos diversos tipos de valores mobiliários”.

A ideia é que o estudo seja analisado pelo colegiado da CVM e possa contribuir com a agenda regulatória do próximo ano. Um dos pontos que devem ser avaliados nesse sentido, segundo Luna, é a legislação que restringe o acesso de alguns tipos de aplicação aos investidores qualificados, aqueles investidores que têm pelo menos R$ 1 milhão aplicados em produtos financeiros.

Recentemente, contudo, flexibilizou essa regra, democratizando o acesso aos BDRs (Brazilian Depositary Receipts). Os BDRs representam ações de empresas estrangeiras na B3 e eram restritas aos investidores qualificados até o último dia 22. Porém, analistas de mercado avaliam que a democratização de alguns dos investimentos que ainda são restritos a quem tem mais de R$ 1 milhão em aplicações pode ser positiva, porque indica amadurecimento e democratização do mercado.


Potencial a explorar

A pesquisa da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), contudo, também mostrou que o mercado de capitais ainda tem muito para avançar no Brasil. Apesar de estar crescendo em ritmo acelerado, a parcela da população brasileira que investe em produtos financeiros ainda é muito pequena. E, entre esses investidores, o perfil dominante é de homens e de moradores de São Paulo.

O recorde de 3 milhões de CPFs registrados na Bolsa de Valores de São Paulo (B3) foi comemorado recentemente pelo mercado. Porém, os analistas lembram que isso representa menos de 2% da população brasileira. É uma participação muito pequena se comparada à de países em que a cultura do investimento é mais madura e difundida. Nos Estados Unidos, por exemplo, mais de 50% da população compra e vende ações na Bolsa.

“Os EUA também tinham uma parcela grande de investimentos em renda fixa até a década de 1980, quando os juros americanos caíram e o dinheiro migrou para a renda variável. Então, acreditamos que esse movimento ainda está só começando no Brasil. Ainda há um trajeto longo a ser percorrido”, conta Lucas Collazo, da Rico Investimentos.

Bianca Juliano, da Xpeed School Pro, acrescenta que o potencial de crescimento do mercado de capitais é grande, porque o volume de dinheiro guardado nas aplicações tradicionais ainda é muito elevada. O saldo da poupança, por exemplo, bateu a marca de R$ 1 trilhão, em setembro, e continua crescendo, com uma captação líquida de R$ 7 bilhões, em outubro, segundo dados do Banco Central. Os analistas calculam ainda que há de R$ 3 trilhões a R$ 6 trilhões na renda fixa que poderiam migrar para o mundo de ações.

Porém, além de expandir, também é preciso diversificar esse mercado. Apenas 25% dos investidores da B3 são mulheres e 48% deles estão concentrados no estado de São Paulo. “Muita gente sempre achou que o mercado de capitais é uma coisa distante, para gente rica. O que a gente tem é falta de conhecimento, pois a população não aprende educação financeira nas escolas”, diz Bruno Luna, técnico da CVM.