ENTREVISTA

'A quem puder pagar, nós vamos emprestar', diz presidente da Caixa

Microcrédito a partir de 2021 é uma das apostas da Caixa para o pós-pandemia. Relação com clientes será pautada pela tecnologia

O presidente da Caixa Econômica Federal, Pedro Guimarães, está empenhado em preparar o banco para exercer um papel importante em 2021, com o encerramento do auxílio emergencial. Enquanto o governo discute alternativas para socorrer os milhões de brasileiros afetados pela pandemia, a Caixa avalia as condições para oferecer a modalidade de microcrédito, produto que poderá estar disponível ainda no primeiro trimestre do próximo ano. “Essa é uma questão que a gente está discutindo nesse momento. Eu acho que alguma coisa para o final de fevereiro, começo de março”, disse Pedro Guimarães, no 21º andar do edifício-sede da Caixa Econômica. Nesta entrevista ao Correio, ele detalhou como o banco atuou durante a pandemia, com fortes políticas de governança e uso maciço da tecnologia. Esses dois pilares são fundamentais, segundo Guimarães, para a trajetória de longo prazo da instituição financeira que consolidou seu papel social em 2020 (Colaborou Maria Eduarda Cardim).

A Caixa esperava uma operação tão grande com o auxílio emergencial?

O presidente Jair Bolsonaro promulgou o auxílio no dia 2 de abril. A gente estava focado na abertura de capital da Caixa Seguridade, que foi interrompida porque foi bem no meio de março. E a gente foi um dos primeiros bancos a entrar de home office. Mas, como a gente faz os pagamentos sociais, foi natural que o governo escolhesse a Caixa. A questão maior é que uma coisa é fazer o pagamento social para quem você já conhece... O primeiro desafio foi descobrir aqueles que o ministro Paulo chamava de “invisíveis”. A gente lançou o aplicativo do auxílio emergencial, que é o primeiro aplicativo de cadastro. E esse aplicativo logo no primeiro dia de cadastro teve 42 milhões de pessoas.

O que vocês identificaram com esse mar de gente?

Três grandes grupos de pessoas que receberam o auxílio: 19 milhões do Bolsa Família, 14 milhões de famílias e 19 milhões de pessoas, para quem a gente fez o pagamento sem mexer no calendário e na dinâmica deles. Além disso, tínhamos mais 30 milhões de pessoas do CadÚnico. Desses, 10 milhões foram identificados como pessoas que poderiam receber o auxílio pelo Dataprev e pelo Ministério da Cidadania. Esses 10 milhões a gente também sabia quem eram porque já tinham recebido algum tipo de benefício e estavam no cadastro, embora alguns cadastros estivessem desatualizados. O grande desafio foram os outros 38 milhões, que eram os invisíveis. Não havia base em nenhum lugar sobre essas pessoas. Por isso, foi fundamental todos se cadastrarem, com exceção os beneficiários do Bolsa Família, que já iam receber. E foi muito rápido. No caso dos 38 milhões que encontramos, um ponto muito importante foi que, desse grupo todo, 34 milhões não tinham conta no banco. A gente fez o maior programa de bancarização do Brasil de todos os tempos.

O pagamento também precisou ser rápido.

Dois dias depois, a gente já estava pagando. Só que, normalmente, você espera dois meses para isso, porque você recebe os dados de todo mundo e organiza por mês de pagamento, como a gente fez no saque do FGTS no ano passado, porque aí você organiza a fila. Em abril, foi muito complexo, porque as pessoas primeiro não acreditavam que iam receber e, como a gente não tinha base, a gente ia recebendo e ia pagando, aí todo mundo ia para a agência. Quem teve o auxílio aprovado ia para a agência, aquele que o aplicativo estava dizendo reprovado ia para entender o porquê e aquele que estava dizendo em análise ia também. Ia todo mundo, 50 milhões de pessoas todos os dias. Esse foi o primeiro problema. Neste caso, como a gente começou a pagar e as pessoas começaram a receber, deu uma boa acalmada, tanto que em abril a gente pagou 50 milhões de pessoas em 20 dias, isso nunca foi feito.

O aplicativo Caixa Tem ajudou na redução das filas?

O Caixa Tem era um aplicativo para 30 mil pessoas. Em 20 dias, ele tinha 50 milhões de clientes. A gente estava desenvolvendo o aplicativo há seis meses, então operacionalmente ele já funcionava. O Caixa Tem é um aplicativo para a baixa renda. Tem 15 vezes menos memória do que um aplicativo normal, tem de ser um aplicativo totalmente diferente, com muito menos função, uma linguagem própria. E era um aplicativo para 30 mil pessoas antes da pandemia. A gente sabia que ia ter um grande aumento. Só que, como a gente tinha 19 milhões de pessoas no Bolsa Família, a gente não imaginava que ia ser tantas pessoas.

Foi o momento mais difícil?

No começo de maio, quando a gente fez os pagamentos via depósito digital, foi mais intenso porque, naquele momento, ninguém sabia mexer direito. Aí que teve o problema. O aplicativo do auxílio emergencial de cadastro, foi tranquilo. O depósito nas contas, foi tranquilo. O que gerou aquela semana tensa foi que as pessoas tinham de usar e não sabiam usar. E aí vem uma vantagem de ter ido em 83 finais de semana, já conversei com 25 mil funcionários, mais de 30 mil clientes, umas 40 agências: você tem de saber quem é o teu cliente. E o cliente da Caixa, em especial quem estava recebendo, são pessoas muitas vezes que têm pouca instrução, normalmente já precisam de ajuda para sacar. Imagina na pandemia, que naquele momento, estava todo mundo corretamente de home office, a gente tinha 36 mil funcionários trabalhando de segunda a sábado, atendendo muitas vezes 10 mil pessoas. A cada dia a gente ia aprendendo uma coisa nova. As filas que tivemos foram muito concentradas na primeira semana de maio e a gente rapidamente também conseguiu melhorar cada dia mais. A gente está na 43ª versão do Caixa Tem.

E eram vários grupos de pessoas para receber. Ficava confuso.

Exatamente. As pessoas não sabiam que eram grupos. O que a gente fez? Normalizou o seguinte: você nasceu que mês? Se você nasceu em março, pode receber janeiro, fevereiro e março. Abril, não é agora. Aí a gente tirava da fila, e as pessoas foram se acostumando. E isso deu uma melhorada. E outro ponto, dada a questão da pandemia, a gente espaçou nesses 40 dias. E isso foi uma revolução que é a base do nosso banco digital. Por quê? Porque mês após mês, as pessoas que tinham mais informação começaram a utilizar o depósito nesses 40 dias. Então você começou a ter cada vez menos gente nas agências.

Como está o uso dessas ferramentas? No início, houve resistência.

É, mas hoje 40% das pessoas fazem isso, antes do saque. Nós temos 96 milhões de cartões de débito on-line. Então 96 milhões de pessoas fizeram algum tipo de uso das ferramentas. No auxílio emergencial, é todo mês. No saque do FGTS, é uma vez. Mas o que você pode fazer: você pode pagar conta no boleto. A gente tem visto muito é o QR Code: você usa o celular como se fosse um cartão. Aí foi muito importante porque a gente não teve aquele problema de ter de fazer um cartão e encaixar a pessoa. Um dos nossos maiores custos são os cartões emitidos que estão nas agências. Você não acha as pessoas. Ela te dá um endereço que não é o dela.

Com isso, também será possível fazer o pagamento digital do Bolsa Família?

Hoje, nós já temos a conta digital para essas 19 milhões de pessoas e, com calma, vamos fazer o pagamento também por aí. Ou seja, a pessoa pode receber tanto pela conta digital ou se quiser ir à agência ou às lotéricas também. O processo vai ser sempre migrando de quem tem mais informações para quem tem menos, porque dentro do Bolsa família nós temos milhões de pessoas que já têm conta poupança na Caixa.

Por isso o investimento no banco digital?

Quando a gente eliminou a necessidade do cartão físico, descobrimos que a gente tinha o banco digital na mão. Como foi autorizado manter essa conta digital após a pandemia, nós vamos fazer o pagamento desses benefícios sociais – 35 milhões por mês — pelo Caixa Tem. Todo mundo já baixou. São 105 milhões de pessoas que já têm a conta digital na Caixa. Todos os benefícios que a Caixa paga serão pagos via banco digital.

E qual a vantagem disso?

É uma vantagem da Caixa. Eu não vou poder ir à agência? Pode. Eu não vou poder ir à lotérica? Pode. Pode fazer os dois. Agora se utilizar o celular, você não pagará nada porque sua conta é gratuita. E por que a gente faz isso? Eu estava no Pantanal, para ajudar no reflorestamento. Em uma ilha fluvial, uma família, a senhora faz as compras pelo Caixa Tem. É a senhora de 65 anos? Não, é a filha. A filha faz a compra de medicamentos sem precisar sair. O que elas falam: toda vez que preciso sair da ilha para ir à cidade eu gasto 50, 60 reais. Então eu vou uma vez só.

É uma mudança importante.

Nós temos 25 mil pontos físicos. Ninguém tem isso: são 4,2 mil agências, 13 mil lotéricas e pouco mais de 8 mil correspondentes exclusivos. Estamos em basicamente todas as 5.570 cidades. Só que, em agências, são ao redor de 1.500. Nas outras 4 mil, é basicamente lotérica. E o que acontece? Se a pessoa esquece a senha, perde o cartão, ela tem de ir a uma agência. Agora, não precisa mais. Com o celular, ela pode fazer compras na venda, com o celular que ela já está fazendo desde abril. É óbvio a gente nunca teria 105 milhões de contas se não fosse o que aconteceu. E as pessoas não teriam utilizado se fosse fazer apenas uma campanha de marketing. As pessoas utilizaram. Essa versão tem 43 atualizações. Houve melhora constante, e ela ocorreu no momento mais tenso, porque estamos falando do meio da pandemia.

Por que o banco digital é tão importante?

Temos três grandes alavancas para o banco digital. Temos esses 35 milhões de benefícios por mês. A gente tem uma operação de microcrédito, para pelo menos 10 milhões de pessoas — tudo vai ser feito pela Caixa. E a gente tem uma operação do Casa Verde Amarela, que a gente também vai fazer pelo banco digital, com mais 5 milhões. Então daí você cria 50 milhões de pessoas. No Minha Casa Minha Vida, os mutuários moram longe, a 30 quilômetros daqui. Pagam boleto. Em especial do Casa Verde Amarela, que são mais distantes, o mutuário também gasta. Muitas vezes os maiores loteamentos foram construídos longe da cidade. E não tem agência ali, porque não foi construída essa infraestrutura. Agora não precisa sair de casa. E com isso tudo com celular pré-pago. Faz uma diferença que vocês não têm noção. Não é a mesma coisa que ter internet banking. Um dos maiores problemas que tivemos é que cada mês a pessoa tem um número diferente. Como a gente estava lutando contra a fraude, a gente limitou. Se a gente liberasse, podia ter fraude. Em especial porque são pessoas com menos informação.

Qual a consequência dessa mudança?

Toda essa curva de aprendizado faz com que você tenha uma conta com zero taxa de manutenção. Obviamente, com o Pix agora, nós estamos com 14 milhões de pessoas únicas — CPFs — que já fizeram Pix com a Caixa. A maioria é pelo banco digital. Ou seja, a gente tem mais gente fazendo Pix pelo banco digital do que normalmente. E lá, a gente já faz o microseguro. É o cross selling. Ou seja, nós vamos oferecer aqui todas as operações básicas. Por exemplo: loterias. A gente vai fazer o jogo pelo Caixa Tem.

Como vai ficar toda essa experiência da Caixa em 2021, com o fim do auxílio emergencial?

Toda discussão sobre o auxílio emergencial é uma discussão de governo. Para a gente, do ponto de vista de pagamento, se é auxílio emergencial, ou Casa Verde Amarela, ou Bolsa Família, é indiferente. Porque a gente já tem o produto aqui, o cliente já é nosso. É transferência de renda? A gente já tem produto. É crédito? Aí é importante. Crédito tem de pagar de volta. Essa é uma grande diferença. Eu não posso realizar um microcrédito para alguém que não passe na análise básica de crédito, porque senão daqui a pouco quem vai precisar disso é a Caixa. E na minha gestão isso não vai acontecer.

Essa análise será digital também?

A gente já conhece as pessoas há nove meses. Todo mundo fala de cadastro positivo. A gente tem o cadastro positivo. Porque eu sei quem utiliza para fazer pagamento de boleto; eu sei quem utiliza para comprar carne na esquina; eu sei quem utiliza para comprar medicamento; eu sei quem não utiliza. Esse comportamento é fundamental. Eu tenho o comportamento de 120 milhões de pessoas. Tudo isso na base. E já estou utilizando tudo isso para saber quem, na nossa opinião, pode pagar. Quem não pode, é uma questão do Bolsa Famíla. Quem puder pagar, nós vamos emprestar. Nós teremos uma linha aberta para a demanda das pessoas. Quanto as pessoas vão querer, nós vamos emprestar. Nós temos de R$ 750 bilhões de crédito e mais de R$ 200 bilhões em títulos públicos. Se eu emprestar R$ 20 bilhões, é 3% da carteira de crédito.

Vocês pretendem alcançar 10 milhões de pessoas com o microcrédito. Quais serão os limites da operação?

Na verdade, a gente não tem um limite. É uma estimativa das pessoas que nós entendemos, mas assim a gente está fazendo análises e pode ser mais, depende da demanda deles. O que acontece dentro do microcrédito é que você tem pessoas com uma renda menor e uma renda um pouco maior, que nem, por exemplo, um limite de crédito, que normalmente vai depender da sua renda. Nós temos uma expectativa que o valor médio seja ao redor de R$ 1 mil. Vai ter gente que vai pegar R$ 400, R$ 500. Mas vai ter gente que vai pegar R$ 2 mil, R$ 2,5 mil. A partir de um determinado ponto já não é mais microcrédito.

Qual é esse ponto?

A gente está analisando. Esse momento é um momento em que a gente está bastante focado. Porque a gente já tem a plataforma, a base de dados. Nós estamos cruzando essa base de dados e nós temos uma outra questão importante que como essas pessoas tiveram que dar uma série de informações, como e-mail, a gente consegue cruzar para ver se essas informações estão válidas, inclusive com o imposto de renda. É uma questão que a gente está nesse momento debatendo. Agora por que que a gente falou nesse número de 10 milhões? Porque a gente sabe que há uma questão da economia e mais do que isso, o microcrédito é uma operação que ela nunca teve apelo no Brasil.

Por quê?

Quando a gente assumiu, dos pontos que eu falei que eram o foco dessa gestão, só um que a gente não atacou: o microcrédito. E por quê? Porque você só consegue fazer o microcrédito em larga escala. Imagina parar a agência da Caixa para fazer um crédito de 500 reais? Não vai conseguir. Agora por aqui você consegue. Porque a gente vai ter, por exemplo, um crédito pré-aprovado. Ou seja, eu já vou aprovar antes, eu não vou esperar você pedir. Eu vou ter um crédito pré-aprovado para as pessoas que têm perfil que a gente entende que seja de microcrédito, que nem tem no ATM.

É um crédito pré-aprovado com alcance muito maior.

A vantagem é que a gente consiga ativar esse ponto do celular que já funciona para 105 milhões de pessoas. De novo, 99% das pessoas que são foco do microcrédito já têm a conta. Nós, ao visitar o Lixão, achamos gente que não tinha nem CPF. Essas pessoas são menos que invisíveis porque não receberam o auxílio, mas elas não tinham documento. A gente está pegando os documentos delas. De quem a gente já tem as informações, nós já estamos trabalhando.

Quando começa a oferta do microcrédito?

Um ponto importante é o seguinte, nós só faremos isso após o auxílio. O pagamento do auxílio na conta digital é até dezembro, só que você tem esse resgate ainda durante janeiro inteiro. Essa é uma questão que a gente está discutindo nesse momento. Eu acho que alguma coisa para o final de fevereiro, começo de março. Esse mês inteiro de janeiro é um mês que você vai ter recebimentos. Então, qual o nosso receio? Se a pessoa receber logo depois, vai achar que é o auxílio. A gente tem que fazer uma comunicação muito bem feita. É importante que a gente tenha uma campanha forte. É importante ter também o ponto físico porque vai ter gente que vai se confundir e ele tem que ir para algum lugar.

Qual o público-alvo do microcrédito? Os informais?

São todas as pessoas que têm perfil de microcrédito. Não só o informal.

A taxa já está definida?

A gente conversa com as taxas do Banco do Nordeste. A gente vai fazer menor. É menor que a do Banco do Nordeste, mas a gente ainda não definiu porque isso vai depender do tamanho da operação. Isso tudo é uma relação do quanto você cobra e quanto você espera de inadimplência. O que posso dizer que vai ser menor que a do Banco do Nordeste que é de 1.8 a 3.8 ao mês. A gente vai reduzir, mas quanto? A gente precisa terminar essa análise.

Quais são as perspectivas para o crédito imobiliário?

Quando a gente lançou ano passado crédito imobiliário corrigido para o IPCA muita gente comentou quese mostrou uma decisão muito acertada, tanto que você teve uma redução do IPCA. Quem fez essa opção ficou pagando menos ainda. A gente está muito tranquilo. Nunca emprestamos tanto. Durante a pandemia, a gente lançou seis meses de carência. Então, segundo dados das próprias associações, nós mantivemos um milhão e meio de empregos e chegamos naquele momento a ter mais do 50% do crédito imobiliário com foco na poupança.

Quais são os planos nesse segmento?

De baixa renda a gente tem 99%. No de renda média, quando a gente assumiu, a gente era o quarto banco. Durante a crise a gente fez mais do que todo mundo junto só de média renda. Isso porque a gente é quase um inexistente no de alta renda. A nossa média é uns 250 mil reais por crédito imobiliário. Então, por exemplo, crédito acima de 1 milhão é quase inexistente. Primeiro, a gente acredita, como nos Estados Unidos e na Europa, que o cliente que está com você por 35 anos é o seu principal cliente. Nós hoje temos produtos que têm uma qualidade tão boa ou melhor que no mercado. Antes de a gente assumir, você não tinha essa preocupação. Você fazia o crédito imobiliário e dane-se. Só que a gente era o quarto, quinto em crédito residencial. Então como é que você é disparado o primeiro em crédito imobiliário e é o quarto em crédito residencial, que basicamente é a mesma coisa?

A Caixa divulga hoje o balanço do terceiro trimestre sem as ressalvas que eram vistas até o início de 2019. Como conseguiram melhorar o balanço?

Quando eu conheci o presidente Bolsonaro, em março de 2017, a gente viajou para Boston para fazer uma conversa com investidores. Naquela conversa, ficou muito claro uma série de dúvidas do mercado, tanto que, depois que o ministro Paulo foi escolhido para ser o ministro da Economia e montou a equipe, um dos assuntos importantes era a questão das estatais. Um dos pontos de eu estar focado na Caixa foi justamente a experiência que eu tive com bancos estatais no processo de privatização, o maior de todos quando o Santander comprou o Banespa — o Banco do Estado de São Paulo. Também de entender um banco que tinha um componente mais social. Naquele momento, ainda estava com o balanço com ressalva e havia uma série de fragilidades de governança.

E o que foi feito?

Nesse ponto, havia uma conversa clara de como melhorar a governança da Caixa Econômica Federal. Passava pelo que acabou acontecendo de provisionamento, troca de management — dos 120 principais executivos, eu troquei 105 rapidamente —,posicionamento meritocrático e matemático na Caixa Econômica Federal. Então, a gente mudou a liderança do banco e todo o racional, foco na meritocracia. Depois, em paralelo, mexeu com todo o balanço. E a gente rapidamente reverteu isso porque deu a confiança de que o manegement seria meritocrático, que queria o melhor para a Caixa numericamente, que não tinha nenhum tipo de indicação que não fosse o melhor para o banco, que tinha as pessoas escolhidas por critérios técnicos, que o balanço tinha as perdas provisionadas. E a gente começou a vender ativos que não são core.

O processo de abertura de capital da Caixa Seguridade foi interrompido por conta da pandemia. Será retomado agora que o mercado dá alguns sinais de melhora?

A estruturação da abertura de capital das subsidiárias sempre foi uma coisa fundamental para o médio prazo da governança, porque uma coisa é hoje que eu tenho total liberdade do ministro Paulo Guedes e do presidente Bolsonaro, outra coisa é no futuro, como a Caixa no passado… Então, para que você tenha a governança mantida no futuro, independentemente de qual seja o governo, a gente sempre pensou que era muito relevante, como o Banco do Brasil, por exemplo, abrir o capital. E o que eu tenho autorização é das subsidiárias — Caixa Seguridade, Caixa Cartões, Caixa Asset e agora do banco digital, que não existe, mas estamos no processo de autorização.

Há planos de ampliar a rede de atendimento?

Os outros bancos estão fechando agência. A gente não vai fechar agência em cidades que a Caixa é a única instituição financeira. A gente pode fazer algumas mudanças em cidades onde a gente tem muitas agências. A gente tem alguns lugares uma expansão. Lá onde não está ninguém, é onde a gente mais quer estar. Você tem pontos de atendimento que podem ser mais objetivos. Como a gente tem a lotérica em todos os lugares, a gente já tem a movimentação financeira. A o fato de ter isso nos ajuda muito, então tem determinados pontos em que não é financeiramente atrativo ter uma agência com 10 pessoas, mas pode ser uma agência menor, desde que você tenha a lotérica te ajudando.

A questão da capilaridade é estratégica.

Sem dúvida. Às vezes você tem uma agência no interior que acaba recebendo clientes de outras cinco cidades. Então a gente tem uma agência maior, e tem cidades menores e todo mundo converge para essa agência no pagamento do bolsa família. Serão 160 viagens até dezembro de 2022. Pelo menos 40 por ano. Só indo lá e vendo essa realidade é que a gente falou não é justo. E o banco digital é maneira que você tem dessas pessoas não precisarem se desgastar.

O banco digital é uma realidade?

Da mesma maneira que a gente tem a caixa seguridade, o banco digital já está aí. A gente realizar o pagamento pelo Caixa Tem já é o serviço do banco digital. A gente já tem os clientes, já tem as contas. Um dos pontos mais importantes é o seguinte 35 milhões de pessoas por mês vão receber, então você já tem uma receita. Microcrédito, só pelo banco digital, outra receita definida. Programa de financiamento imobiliário de mais baixa renda, também pelo banco digital. Ele vai se falar com o banco inteiro. Se a gente mantiver a maior parte do operacional no banco, o banco vai pagar uma taxa de serviço para o banco digital para ele fazer essa operação. Por exemplo, pessoa vai receber o Bolsa Família pelo banco digital, e para o banco como um todo é muito melhor, porque você não precisa fazer os mesmos gastos. Quando você vai na agência, você precisa ter mais gente, ter mais numerário. A nossa questão clara é ter um banco 100% da Caixa Econômica Federal.

Qual a estratégia da Caixa no longo prazo?

A gente não está olhando só para 2022, estamos olhando para os próximos 159 anos. O que eu quero é que daqui a 20 anos você tenha governança máxima. A abertura de capital da Caixa reforça uma governança, porque você vai ter dezenas de milhares de pessoas que também serão sócios e olharão para se algum momento alguém queira fazer alguma coisa que não é correta. Lembrando que quando nós assumimos o banco, o auditor não assinava o balanço. O auditor falava que esse banco não estava sendo tocado como o auditor achava correto.

O senhor está perto de completar dois anos à frente da Caixa. Qual o balanço?

Sempre foi muito claro para mim que era necessário melhorar a governança. Quando eu assumi a Caixa, essa parte matemática da governança era muito clara. O que não era claro era o conhecimento do banco, porque na minha cabeça as pessoas não conheciam essa relação com o social. Todo mundo falava que a Caixa é um banco social. Mas, como? E ficando aqui em Brasília, você não vai ouvir o que acontece na ponta. Então, a gente começou a viajar já na segunda semana de janeiro (de 2019). Cada fim de semana, a gente foi para um lugar. Nas primeiras semanas, foi para a região Norte— Roraima, Amazonas, Acre, Rondônia, Amapá, todos os estados, em especial os menores, onde, segundo as pessoas, nenhum presidente da Caixa tinha ido — para conversar com os clientes e com os funcionários, além disso com os empresários locais e com a parte política porque são estados e municípios são clientes muito fortes da Caixa. Ao invés de esperar as pessoas virem até aqui, ir até a ponta. E a cada viagem dessa, já foram 83, eu percebia os problemas que aqui ninguém me falava. Então, o ano passado foi um movimento de recuperação da governança e de conhecimento.

O que esse conhecimento rendeu em termos de investimento?

A gente teve um investimento muito forte em tecnologia. Se nós não tivéssemos feito investimentos, trocando seis computadores de grande porte em dezembro de 2019, a gente não teria capacidade de fazer o auxílio emergencial. Estava claro para a gente que tinha que ter sido feito. O fato de a Caixa não ter um número de computadores, de eles não estarem atualizados gerava uma fragilidade para o banco. Para ter noção, os últimos acabaram chegando em março, exatamente quando a gente precisou por causa do auxílio, que a gente começou a pagar na primeira semana de abril. Foi consequência de uma decisão que fizemos a partir do meio de 2019.