CONJUNTURA

Recorde da dívida mostra que governo precisa de política fiscal mais clara

Deficit nominal nas contas públicas, que inclui a conta de juros, supera a marca pela primeira vez na história. Com o crescimento acelerado das despesas na pandemia, dívida bruta do governo alcança o nível recorde de 90,7% do PIB no fim de outubro

Rosana Hessel
postado em 01/12/2020 06:00
 (crédito: Fernando Lopes/CB/D.A Press)
(crédito: Fernando Lopes/CB/D.A Press)

Apesar de uma pequena melhora em outubro, o resultado das contas públicas, divulgado ontem pelo Banco Central (BC), não é nada animador. A dívida bruta bateu novo recorde, chegando a 90,7% do Produto Interno Bruto (PIB), e o deficit nominal, resultado da soma do rombo fiscal com as despesas com juros, rompeu a barreira de R$ 1 trilhão pela primeira vez na história.

Conforme os dados do BC, o deficit nominal do setor público consolidado (que inclui os governos federal e regionais e as empresas estatais) somou R$ 1,011 trilhão no acumulado em 12 meses até outubro. O deficit primário (receitas menos despesas) ficou em R$ 661,8 bilhões (9,13% do PIB) e a conta de juros somou R$ 349,2 bilhões (4,82%) do PIB.

Ilustração
Ilustração (foto: Editoria de ilustração)

“Esse resultado nominal inédito é decorrente do aumento do deficit primário que está acontecendo em função das medidas de combate à pandemia”, informou o chefe do Departamento de Estatísticas do BC, Fernando Rocha.

O economista lembrou que o deficit primário cresceu quase 20 vezes no ano, somando R$ 633 bilhões de janeiro a outubro, alta de 1.818% sobre os R$ 33 bilhões do mesmo período do ano passado.

Apenas em outubro, porém, houve superavit primário de R$ 3 bilhões, o primeiro saldo positivo no ano após oito meses negativos. Isso ocorreu graças à melhora dos resultados fiscais de estados e municípios, mas não foi suficiente para evitar novo aumento da dívida pública bruta.

O endividamento somou R$ 6,574 trilhões em outubro, o equivalente a 90,7% do PIB, ante 90,5% em setembro. No ano, a dívida bruta cresceu 14,9 pontos percentuais sobre os 75,8% do PIB de dezembro de 2019, aumento nominal de R$ 1,074 trilhão.

O economista Felipe Salto, diretor executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), disse que o resultado veio em linha com as projeções da entidade, que prevê a dívida chegando a 93,1% do PIB no fim do ano. Ele lembrou que, apesar da leve redução na velocidade de crescimento da dívida entre setembro e outubro, os dados das contas públicas são preocupantes. “O quadro ainda é muito negativo e tem problemas que precisam ser resolvidos no ano que vem”, como o Orçamento de 2021, que não foi aprovado pelo Congresso, e “o teto de gastos que está sob xeque”. “O governo precisa dar uma dimensão melhor para as contas públicas no médio prazo. É preciso uma estratégia urgente para equilibrar essa dívida gigantesca que se apresenta”, alertou.

Pressões

Fabio Klein, economista da Tendências Consultoria, também criticou a falta de clareza do governo sobre os próximos passos da política fiscal. “A ausência de aprovação do Orçamento de 2021 e de sinais claros quanto à extensão do auxílio emergencial, tem gerado pressões nas taxas de juros futuros e no câmbio, que, combinadas ao aumento da inflação, acarretam alta na conta de juros da dívida”, destacou.

Analistas reconhecem que a piora das contas públicas em 2020 é decorrente da pandemia, mas alertam para os riscos de maior descontrole fiscal, especialmente, se o presidente Jair Bolsonaro resolver adotar uma agenda mais populista, diante da queda da popularidade e da derrota nas urnas dos candidatos apoiados por ele nas maiores cidades do país.

“Bolsonaro aprendeu que o auxílio emergencial ajudou na popularidade dele quando o benefício chegou no bolso da população. Não à toa, as conversas sobre manutenção do auxílio ou a criação de um programa para substituir o Bolsa Família ganharam força. Na medida em que o presidente se vê acuado, ele pode responder mal sobre esse ponto de situação sem se preocupar com os riscos fiscais”, alertou o economista Bruno Lavieri, da 4E Consultoria.

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