CONJUNTURA

FMI: Brasil deve se preparar para continuar a oferecer auxílio fiscal

Fundo Monetário Internacional afirma que apoio aos mais vulneráveis será importante para Brasil em 2021, e cita a pandemia e o desemprego como fatores importantes ao se avaliar a situação econômica do país. Especialistas comentam

Natália Bosco*
postado em 02/12/2020 16:21 / atualizado em 02/12/2020 17:42
 (crédito: ED ALVES/CB/D.A Press)
(crédito: ED ALVES/CB/D.A Press)

Em relatório publicado nesta quarta-feira (2/12), o Fundo Monetário Internacional (FMI) fez uma análise da situação de países emergentes e citou o Brasil. No documento consta que o país vai sentir de maneira negativa os efeitos da retirada de estímulos econômicos, como o auxílio emergencial, já que as consequências da pandemia da covid-19 permanecem.

O relatório fala sobre como o isolamento social e o desemprego afetam a economia e diz que as autoridades devem estar preparadas para fornecer apoio adicional na área fiscal. A instituição também aponta que uma nova priorização de despesas deve ser tomada por países com espaço fiscal restrito.

“Os efeitos persistentes da crise da saúde e a retirada esperada do apoio fiscal irão restringir o consumo, enquanto o investimento será prejudicado pela capacidade ociosa e alta incerteza”, afirma trecho do documento sobre crescimento no pós-covid para o G20, grupo formado por países com as mais expressivas economias do mundo.

Para o FMI, programas de transferência de renda melhor direcionados são boas alternativas a serem tomadas. Contudo, o fundo fala ainda que uma cobertura mais ampla de gastos com proteção social é importante para assegurar um suporte adequado aos mais vulneráveis em países como o Brasil. O documento lembra que milhões de pessoas seguiram desempregadas em 2021 em razão da crise gerada pela pandemia.

"Um apoio maior que atualmente projetado é desejável no próximo ano em algumas economias (por exemplo no Brasil, México, Reino Unido, Estados Unidos), em vista das grandes quedas no nível de emprego nessas economias e grandes contrações fiscais projetadas", assina FMI em documento.

A instituição diz que o Brasil deve manter o teto de gastos em 2021, mas é importante realocar recursos para fortalecer a rede de proteção social de modo permanente. Além disso, o FMI complementa que o Banco Central (BC) deve considerar afrouxar mais a política monetária e avaliar novos cortes na taxa básica de juros, uma vez que a inflação e as expectativas de inflação podem continuar abaixo da meta.

Missão impossível

O economista e pesquisador da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Felipe Queiroz aponta como impossível cumprir todas as sugestões do FMI sem ultrapassar o teto de gastos. “É uma loucura. Por um lado, eles entendem que se não houver uma política ativa do Estado para estimular a economia, para proteger os mais vulneráveis e para estimular a produção e o consumo, seja por meio de gasto direto, seja por meio de transferência, seja por meio de transferência de renda, não tem recuperação. Mas, ao mesmo tempo, há preocupação em demasia em manter o teto de gastos e ter uma nova reforma da Previdência Social, essa conta não fecha, porque é justamente o oposto.”

Felipe diz que é necessário relaxar o teto de gastos para não aumentar gastos previdenciários, com mais pessoas entrando com pedidos de auxílio desemprego e aposentadoria, além de manter gastos básicos como educação e saúde.

O fundo também considera uma queda no Produto Interno Bruto (PIB) de 5,8% em 2020, seguida por uma “recuperação parcial” para 2,8% em 2021.

"Em economias em que o espaço fiscal é uma restrição, uma nova priorização dos gastos pode ser justificada. Para todas as economias, será importante monitorar cuidadosamente os desenvolvimentos econômicos e de saúde pública para garantir que o apoio não seja retirado rápido demais, mas mantido durante a crise", pontua parte do documento divulgado.

Reformas

O FMI aproveitou a oportunidade para afirmar a necessidade de aprovar uma reforma tributária abrangente, acelerar o ritmo de novas concessões e privatizações e finalizar acordos comerciais. A instituição também lembrou da necessidade de reformar mais uma vez a Previdência Social, manter o gasto constitucional e fortalecer a rede de seguridade social.

“A resposta política evitou uma desaceleração econômica mais profunda, estabilizou os mercados financeiros e amorteceu a perda de renda dos mais pobres. As atividades varejista e industrial voltaram aos níveis pré-covid no terceiro trimestre, mas o setor de serviços continua deprimido, com um impacto negativo sobre o emprego”, explicou o FMI.

O professor de finanças públicas da Universidade de Brasília (UnB) e membro da comissão de economia Newton Marques explica que não haverá uma nova reforma da Previdência, por decisão do governo, mas que existe a possibilidade de outras medidas. “Pode ter a reforma do Estado, reforma administrativa, reforma tributária, mas tem que estar na agenda, sempre, dos governos. Agora ainda mais com a pandemia, tem que rever essa carga tributária em cima de atividades que empregam muito lucro”. Para o especialista, porém, não é possível adotar tais medidas sem ultrapassar o teto de gastos.

Felipe Queiroz critica alguns pontos no modelo de reformas sugeridas pelo FMI. “Essa reforma tributária que eles pedem é uma reforma em que haja maior relaxamento tributário. Não é uma reforma em que haja uma maior cobrança igualitária entre os diversos estratos sociais, desde quem está no topo da pirâmide até quem está na base”. Para o economista, é necessária uma reforma tributária em que as famílias com menor poder aquisitivo paguem menos e famílias com maior renda sejam tributadas.

“Caminho para o insucesso”

Nessa terça-feira (1/12), o presidente Jair Bolsonaro criticou parlamentares que pedem extensão do auxílio e disse que tal medida é o “caminho certo para o insucesso”.

“Alguns querem perpetuar tais benefícios. Ninguém vive dessa forma. É o caminho certo para o insucesso e temos que ter a coragem de tomar decisões".

O professor Newton Marques afirma que cabe ao Estado fornecer auxílios fiscais, como o auxílio emergencial, em tempos de crise. “Só compete ao governo oferecer algo para que eles (pessoas que perderam o emprego devido à pandemia) continuem consumindo o mínimo. É uma forma de você não paralisar totalmente a atividade econômica e isso compete ao Estado. Em todo lugar do mundo, o Estado é que teve que fazer isso e, aqui, no Brasil, isso não pode ser diferente.”

Sobre a possibilidade de não estender o auxílio emergencial, Newton diz que o governo será pressionado a mudar de decisão. “Ele (governo) vai ser pressionado e não vai ter outra alternativa. Se ele não fizer isso, a pressão social vai ser muito grande, porque muita compra que teve recentemente foi feita através desse auxílio”, finaliza.

"Tiro no pé"

Para o economista Felipe Queiroz, ao acabar com o auxílio emergencial, o governo estaria dando “um tiro no pé para a economia e para o país”. Felipe afirma que a decisão de acabar com o auxílio é equivocada, uma vez que a economia só não teve um tombo maior devido a ação do auxílio emergencial.

O economista explica que a manutenção do auxílio é fundamental para uma rápida recuperação econômica. “Colocando em um cenário de que tem a vacina, um cenário também de que haja possibilidade de uma recuperação mais rápida, essa recuperação mais rápida tem que passar pelo auxílio emergencial e pela manutenção dele, tem que passar pelo investimento público.”

*Estagiária sob a supervisão de Andreia Castro

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