CONJUNTURA

Auxílio não será mais necessário, diz governo

Para Executivo, crescimento do PIB mostra que atividade econômica terá fôlego suficiente em 2021 para absorver trabalhadores que perderam emprego na crise

Marina Barbosa
postado em 04/12/2020 00:26
 (crédito: JOSE DIAS)
(crédito: JOSE DIAS)

 Apesar de ter vindo abaixo do esperado, o resultado do Produto Interno Bruto (PIB) foi usado pelo Ministério da Economia como uma forma de justificar o fim do auxílio emergencial. Nota técnica da Secretaria de Política Econômica (SPE) alega que o resultado mostra que a economia está se recuperando “em V” da crise causada pela pandemia de covid-19 e, por isso, não vai precisar de auxílios governamentais em 2021.

A nota da SPE, que é chefiada pelo economista Adolfo Sachsida, afirma que a “vigorosa recuperação da atividade” foi “ampla e alcançou praticamente todos os setores e subsetores da oferta, assim como a maioria dos componentes da demanda”. E diz que “a atividade continuará crescendo a taxas elevadas no final do ano”. Por isso, avalia que “o bom resultado no segundo semestre de 2020, a retomada dos empregos e a continuidade da expansão do crédito sugerem que a economia continuará avançando em 2021 sem a necessidade de auxílios governamentais”.

O crescimento de 7,7% do terceiro trimestre, contudo, veio abaixo do esperado pelo mercado e, segundo os analistas, ainda pode desacelerar, já que foi muito influenciado pelo consumo das famílias, que cresceu 7,6%, puxado exatamente pelo auxílio emergencial. “A economia está andando em uma marcha elevada por conta do impulso do auxílio emergencial. Mas, já tem comércio dizendo que a demanda caiu depois que o benefício foi para R$ 300. E, quando o auxílio terminar, vai voltar a andar em marcha normal. Ou seja, vai perder fôlego”, alertou o professor de economia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) Joilson Cabral.

A SPE argumenta, ainda, que “a forte elevação da taxa de poupança (17,3% do PIB), que alcançou o maior valor para o terceiro trimestre desde 2013, sinaliza que a trajetória de consumo será suavizada no começo de 2021 sem a necessidade de novos auxílios governamentais”. Assim, “o escudo de políticas sociais criado para amenizar o sofrimento econômico e social causados pela pandemia deve ser desarmado, dando espaço para a agenda de reformas estruturais e consolidação fiscal — único meio para que a recuperação se mantenha pujante”.

Professor de economia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Ecio Costa concorda que esses fatores podem ajudar a manter a economia girando no próximo ano e lembra que a retomada econômica vai permitir que os trabalhadores informais que hoje recebem o auxílio retomem suas atividades. Porém, diz que o ideal seria ter um programa social mais robusto do que o Bolsa Família em 2021, já que nem todos podem ter essa oportunidade e o Bolsa deve atender 15,2 milhões de famílias, ante as 68 milhões de pessoas que foram atendidas pelo auxílio.

“A questão é que temos um problema fiscal muito sério. Por isso, o governo e o Congresso precisam se alinhar para aprovar reformas para liberar recursos”, disse Costa. Ele frisou, ainda, que tudo isso vai depender da evolução da covid-19, pois uma segunda onda da pandemia pode exigir a liberação de mais uma rodada do auxílio emergencial, mesmo que em porte menor.

“A economia está andando em uma marcha elevada por conta do impulso do auxílio emergencial. Mas, já tem comércio dizendo que a demanda caiu depois que o benefício foi para R$ 300”

Joilson Cabral, professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

 

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Benefício sustenta consumo

 (crédito: Marcello Casal JrAgência Brasil)
crédito: Marcello Casal JrAgência Brasil

No terceiro trimestre do ano, o consumo das famílias (que representa 65% do PIB brasileiro) teve expansão de 7,6%, apontou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O crescimento, em grande parte, deveu-se ao auxílio emergencial do governo para as pessoas de baixa renda. No entanto, na comparação com o mesmo período de 2019, foi registrada queda, pelo terceiro trimestre seguido (-6%), influenciada pela pandemia de covid-19, que afetou negativamente o mercado de trabalho.

A coordenadora de Contas Nacionais do IBGE, Rebeca Palis, observou que a alta no terceiro trimestre ocorreu especialmente na área de bens duráveis e da cadeia agroalimentar. Para Fábio Bentes, economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), o cenário para o consumo das famílias, este ano, não é dos melhores. A economia deverá encolher 4,3%, com o consumo das famílias e o comércio cedendo 4,5% e 5,2%, respectivamente. “Mas, para 2021, diante da perspectiva cada vez mais concreta de aplicação de vacinas contra a covid-19 e a menor taxa básica de juros da história, a CNC projeta avanço de 3,4%”, disse.

“O valor do auxílio emergencial — tão importante para a retomada do crescimento — tem sido menor nos três últimos meses do ano”, disse Bentes. “Neste cenário, a volta do PIB ao nível pré-pandemia deverá ocorrer no primeiro trimestre do próximo ano”, previu.

Para Pedro Paulo Silveira, economista-chefe da Nova Futura Investimentos, o consumo das famílias vai depender, daqui para a frente, do destino que o governo vai dar a essa ajuda à população carente. “O auxilio foi crucial. Mas, não se sabe se será retirado, se vai ser substituído ou extinto. Essas respostas é que vão indicar o comportamento da economia”, destacou.

Moradora do Riacho Fundo 1, Juliana Meireles Dias, 23 anos, estudante universitária, disse que se mantém com o auxílio emergencial desde que perdeu o estágio, em setembro. “A situação está complicada. Não consigo fazer home office porque não tenho computador. Minha mãe está desempregada e era com a bolsa de estágio que pagava as contas”, disse. “Quando fui demitida, tive que correr atrás do auxílio e segurar na mão de Deus. Este mês, estou pagando contas de internet e outras que estavam atrasadas há dois meses”, revelou.

Situação parecida vive Raquel da Silva Farias, 36 anos, moradora de Luziânia (GO). Ela começou a receber o auxílio logo no começo da pandemia. “Eu recebo como mãe solteira e não tenho outra renda. Agora, com a redução do valor e com o preço alto dos alimentos, água, luz e gás, a situação está muito complicada, não somente para mim, mas para todas as mães solo”, afirmou.

Raquel diz que suas expectativas não são boas para o próximo ano. “O mínimo que o governo deveria fazer seria estender o auxílio até o fim real da pandemia”, disse. Raquel. Lucimara Garcia, moradora de Cambuquira (MG), 50, e trabalhadora rural, passa pela mesma dificuldade. “A realidade é pior do que parece. Comecei recebendo R$ 1.200, mas, hoje, só consigo R$ 332,00. É humilhante enfrentar filas imensas para pegar somente esse valor. Queria saber se algum político viveria com apenas esse auxílio”, questionou.

*Estagiário sob a supervisão de Odail Figueiredo


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