PROGRAMA SOCIAL

Auxílio emergencial elevou renda, exceto no DF e em três estados

Levantamento revela que benefício mais do que compensou as perdas de renda do brasileiro — exceto em quatro unidades federativas, incluído o DF. Segundo universidades, essas áreas dependem menos da ajuda do governo e, por isso, sentiram mais o impacto da covid-19

Marina Barbosa
postado em 26/12/2020 06:00
 (crédito: Maurenilson Freire/CB/D.A Press)
(crédito: Maurenilson Freire/CB/D.A Press)

O auxílio emergencial compensou o impacto financeiro do novo coronavírus na maior parte do país, injetando um volume de recursos que ultrapassa a perda de rendimentos causada pela pandemia. Essa compensação, no entanto, se deu de forma diferente entre os estados brasileiros. Por isso, quatro unidades federativas não conseguiram escapar do baque financeiro. Entre elas, o Distrito Federal.

O impacto do auxílio emergencial na massa de rendimento dos estados foi analisado pelos pesquisadores Ecio Costa, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), e Marcelo Freire, da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Com base nos dados da última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), referente ao terceiro trimestre, os economistas concluíram que a massa de rendimentos do país ficou R$ 134,7 bilhões menor entre janeiro e setembro deste ano. Eles viram, no entanto, que o auxílio emergencial liberou R$ 206,5 bilhões na economia brasileira no mesmo período.

“O auxílio emergencial mais do que compensou a perda de rendimentos causada pela pandemia em vários estados brasileiros até o terceiro trimestre. Ou seja, na maioria dos estados, o auxílio emergencial foi maior do que a perda de rendimentos associados ao trabalho”, comentou Costa. O estudo também constatou que essa compensação alcançou 23 estados brasileiros e permitiu, inclusive, que três unidades da Federação registrassem ganhos reais de rendimento no ano: Pará, Amapá e Amazonas. “Esses três estados tiveram ganho de renda neste ano, muito provavelmente porque tiveram um auxílio forte e isso trouxe dinamismo à economia”, explicou o pesquisador.

Por outro lado, quatro não conseguiram reverter as perdas de rendimentos do trabalho, mesmo com o auxílio emergencial. A redução foi sentida no Distrito Federal, São Paulo, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul. No DF, por exemplo, a massa de rendimentos real levou um baque de R$ 6 bilhões, mas o auxílio emergencial representou R$ 2,4 bilhões até o terceiro trimestre. A relação entre os números é de uma perda de 249% — a maior do país. “No Distrito Federal, a perda de rendimentos foi superior a 249% do valor do auxílio emergencial”, explicou o pesquisador da UFPE.

Para Ecio, o que explica essa diferença é a dependência das unidades federativas nos programas sociais do governo. “A participação desse programas é maior no Norte e no Nordeste. Já no Distrito Federal e nos outros três estados que tiveram perda de rendimentos, o número de cadastros é menor. Também são regiões que dependem muito do comércio e dos serviços, atividades que sofreram mais com a redução da atividade econômica”, analisou.

Dados divulgados, nesta semana, pelo IBGE, reforçam a avaliação. Nos estados que tiveram ganho de rendimentos, mais de 50% dos domicílios têm recebido o auxílio emergencial: o percentual chega a 70%, no Amapá; 60%, no Pará; e 57%, no Amazonas. Já onde o auxílio não compensou a perda de rendimentos, essa participação é bem menor: chega a 38%, no Mato Grosso do Sul; cai para 32% em São Paulo; 29%, no Distrito Federal; e 27%, no Rio Grande do Sul.

Reabertura

A boa notícia, segundo os pesquisadores pernambucanos, é que a massa de rendimentos provenientes dos salários voltou a crescer na passagem do segundo para o terceiro trimestre deste ano, por conta do efeito do auxílio emergencial na economia e, também, da reabertura das atividades econômicas. O aumento foi de 3% na média nacional, mas foi maior em 17 estados brasileiros, além do Distrito Federal. Segundo o estudo, a capital federal ainda acumula uma contração de 8% da massa de rendimentos no ano. No entanto, esse indicador cresceu 9% na passagem do segundo para o terceiro trimestre.

A dúvida, agora, segundo Ecio Costa, é se a massa de rendimentos vai continuar se recuperando do baque sofrido no início da pandemia diante da ameaça da segunda onda de infecção e do fim do auxílio emergencial, que acaba no próximo dia 31. “Em geral, políticas como o auxílio realmente são passageiras, para que a economia engrene, já que têm um custo alto. Porém, se continuarmos tendo os mesmos problemas que causaram o mau funcionamento da economia, é possível que tenhamos quedas novamente. E os governos já estão fazendo restrições por conta da nova onda. Então, ainda não sabemos se o auxílio será necessário novamente”, ponderou.

A prorrogação do auxílio emergencial já foi solicitada por parlamentares e por governadores. Porém, ainda não está nos planos do governo federal, cujo “plano A” é acabar com o programa, neste fim de ano, para voltar com o Bolsa Família em 2021, segundo o ministro da Economia, Paulo Guedes. O chefe da equipe econômica já admitiu, por sua vez, que, se confirmada a segunda onda, o governo pode ter que rever esse plano.

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Arrecadação superada em 79% dos municípios

Em 4.403 municípios brasileiros, 79% do total, o valor injetado na economia local com o pagamento do auxílio emergencial à população vulnerável durante a pandemia da covid-19 superou a arrecadação com os impostos e taxas de competência municipal, como o ISS (serviços) e o IPTU (propriedade urbana).

No total, segundo estudo da Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite), houve queda de 2,2% nas receitas próprias dos municípios (tributárias), que acabou sendo compensada pelo crescimento de 13,4% receitas de transferências, incluindo o socorro federal. Com isso, a receita geral teve um aumento de 6,7%. O levantamento levou em conta 4.681 dos 5.570 municípios do País que repassam dados ao Tesouro Nacional.

O auxílio termina no dia 31 dezembro, sem uma solução para reforçar a rede de proteção para a população que vai perder o benefício e não tem outra fonte de renda. Essa dependência do benefício, a recuperação mais lenta do setor de serviços e as incertezas decorrentes do avanço da pandemia antecipam um risco maior para a atividade econômica dos municípios, aponta o estudo

Para o presidente da Febrafite, Rodrigo Spada, até março essas incertezas não vão se resolver, e seria necessária a prorrogação do benefício por mais alguns meses. “O auxílio vai acabar e não tem nenhum plano de saída e nem uma perspectiva de vacinação rápida”, disse. Ele defende uma prorrogação no trimestre e uma avaliação posterior em relação à necessidade de mais uma rodada da ajuda.

De acordo com Spada, a pandemia acentuou a desigualdade entre os estados e municípios por causa do sistema tributário, o que reforça a necessidade da reforma em 2021. Boa parte das cidades é muito dependente dos serviços, que foram duramente afetados pelas medidas de isolamento social. As propostas de reforma preveem um tributo único, que seria cobrado de bens e serviços, e cuja arrecadação seria dividida entre União, estados e municípios.

O estudo da Fibrafite, feito pelos economistas Vilma Pinto, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre, da Fundação Getulio Vargas), e Juracy Soares, auditor fiscal do estado do Ceará, aponta o impacto heterogêneo da covid-19 nas cidades, muito em função de como os serviços se recuperam.

Os municípios mais intensivos em serviços prestados às famílias (como turismo, serviços domésticos, salões de beleza, etc, que tiveram desempenho mais afetado pelos efeitos da quarentena), por exemplo, tendem a ter um impacto negativo em suas receitas tributárias próprias maior que em outros cuja predominância econômica ocorra em serviços que tiveram uma recuperação melhor no curto prazo.

Bens e serviços
A Febrafite já havia apresentado estudo anterior sobre os resultados do benefício aos vulneráveis nos estados, que têm o seu principal imposto, o ICMS, cobrado sobre os bens, justamente produtos mais comprados com o dinheiro do auxílio. No caso do tributo dos municípios, o ISS incide sobre serviços, que além de terem sido mais impactados pela pandemia, são consumidos menos pelos mais pobres.

Segundo a pesquisadora Vilma Pinto, do Ibre/FGV, muito se discutiu sobre os impactos que o auxílio emergencial e as medidas de apoio da União desempenharam junto aos Estados, mas pouco se falou das consequências ao nível municipal.

A queda abrupta da renda do benefício aliada às incertezas é um risco, mesmo diante do fato de muitos prefeitos estarem com caixa mais gordo devido ao socorro do governo federal.

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