CRISE

Fim de programa que permitiu corte nos salários deve aumentar desemprego

Apesar de não ter usado toda a verba prevista em 2020, governo encerra programa que permitia às companhias manter empregos em troca de redução de jornada e salários de funcionários. Setor de serviços é o mais afetado

Rosana Hessel
postado em 02/01/2021 06:00
Segmento de restaurantes foi um dos que tiveram forte redução no movimento -  (crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)
Segmento de restaurantes foi um dos que tiveram forte redução no movimento - (crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)

O Benefício para a Manutenção de Emprego e Renda (BEM), criado para permitir que as empresas reduzissem jornada de trabalho e salários dos funcionários durante a pandemia da covid-19, não foi prorrogado pelo governo, apesar de empresários defenderem a continuidade da medida neste início de 2021.Com o faturamento ainda combalido e o fim do adiamento do pagamento de impostos, as empresas enfrentam dificuldades de caixa e alertam para o risco de novas demissões ou mesmo o fechamento de muitos negócios.

Apesar de o governo alegar falta de recursos para novas despesas, tendo em vista a necessidade de cumprir o teto de gastos — emenda constitucional que limita o aumento dos desembolsos à inflação do ano anterior —, empresários argumentam que sobraram recursos do próprio BEM para prorrogar o benefício. Dados do portal Tesouro Transparente mostram que, até 30 de dezembro, o governo pagou R$ 33,5 bilhões dos R$ 51,5 bilhões previstos. Logo, há R$ 18 bilhões que ainda poderiam ser utilizados, de acordo com Paulo Solmucci, presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel).

“Há mais de dois meses temos falado com o ministro (Paulo Guedes, da Economia) sobre a necessidade de prorrogação do BEM para continuar dando um respiro a bares e restaurantes, porque, durante o período do benefício, os empresários reduziram a jornada e os salários daqueles funcionários que eram menos essenciais à operação. Agora, se não houver a continuidade de alguma ajuda do governo, como não é possível demitir os dispensáveis, vamos ter que, para evitar uma falência, começar a demitir os trabalhadores essenciais”, explicou. Segundo Solmucci, vários empresários do setor, um dos mais afetados pela pandemia, não descartam demissões ou até mesmo a falência.

De acordo com o presidente da Abrasel, 400 mil empresas do setor aderiram ao BEM e relatam dificuldades para continuar as operações enquanto não houver um plano de vacinação em massa da população para que a economia recupere a normalidade e volte a crescer. Ele lembra que o governo obrigou o pagamento do 13º salário integralmente para os trabalhadores que tiveram redução de salários e, para piorar, o pagamento coincidiu com o período em que os tributos diferidos começaram a ser recolhidos e com o fim da carência dos empréstimos obtidos durante a pandemia — como é o caso do Programa Nacional de Apoio às Microempresas (Pronampe). Além disso, com a alta da inflação medida pelo Índice Geral de Preços – Mercado (IGPM), reajustes de aluguel estão ocorrendo acima de 20%.

“Estamos com 44% das empresas faturando menos da metade do que faturavam antes da pandemia. Não dá para absorver todas essas contas que estão se acumulando. Uma em cada quatro empresas do setor não conseguiu pagar o 13º salário neste ano e o Ministério da Economia resolveu não usar os recursos do BEM para ajudar essas companhias”, lamentou Solmucci. Para ele, o governo foi ágil em ajudar a preservar o emprego e a renda dos trabalhadores, mas não teve sensibilidade para entender a necessidade de uma prorrogação do benefício, de modo a evitar o aumento de falências e de desemprego a partir deste ano. Para Solmucci, além do crescimento de falências, a judicialização contra as medidas impostas para evitar demissões por conta do BEM deve aumentar.

Oxigênio

Tito Bessa Júnior, presidente da Associação Brasileira dos Lojistas de Satélites (Alos), contou que o BEM foi muito importante para o setor, que responde por mais de 60% das lojas dos shoppings nacionais. Nós usamos bastante, e isso foi um dos grandes benefícios que nos fez chegar vivos até aqui. A redução de jornada foi um oxigênio para o setor”, afirmou. Agora, o segmento ainda enfrenta outro problema além do fim do programa: os shoppings querem cobrar 23% de reajuste no aluguel, e até 13º. “Ninguém aguenta, porque as vendas caíram 35% no ano. Muita gente vai quebrar assim”, alertou. Ele defende a necessidade de uma vacinação em massa para que o setor consiga voltar à normalidade.

Uma proposta da Alos para ajudar na manutenção dos empregos é a redução do horário de funcionamento dos shoppings. “Aí, seria possível trabalhar com apenas um turno”, afirmou Bessa. Mas ele lamenta que as mudanças não estejam sendo feitas e, muito menos, discutidas.
Solmucci contou que esse alerta foi dado ao ministro Paulo Guedes várias vezes e, se o governo tivesse feito um planejamento melhor para o enfrentamento da pandemia, que não acabou em 31 de dezembro de 2020, utilizando as sobras de recursos do BEM, o agravamento do quadro para as empresas a partir de janeiro seria minimizado.

Criado pela Medida Provisória nº 935/2020, o BEM contribuiu para que cerca de 10 milhões de empregos fossem preservados, de acordo com o ministro da Economia, que gosta de usar o bordão de que, em 2020, houve “redução zero de emprego no mercado formal”. O benefício, inclusive, ajudou nos dados positivos do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) da pasta, na contramão dos números recordes de desemprego do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de mais de 14 milhões de pessoas, cuja pesquisa inclui dados do mercado informal. Algumas estimativas apontam que esse número é bem maior, superando a casa de 20 milhões.

Ajuda

Especialistas lembram que, como não há um programa de vacinação em massa bem elaborado, o setor de serviços, que é o que mais emprega e um dos que mais utilizou o BEM, não vai conseguir se recuperar no início de 2021 e, portanto, ainda continuará dependendo de ajuda do governo, como vem ocorrendo nos países desenvolvidos. “A prorrogação do BEM é fundamental para evitar a destruição do emprego formal. Todo mês de janeiro tem o período de ressaca no mercado de trabalho, porque muitos temporários são demitidos”, afirmou o economista José Luis Oreiro, professor da Universidade de Brasília (UnB). Para ele, o governo ainda precisa dar continuidade ao auxílio emergencial para os trabalhadores vulneráveis, que vão engrossar a fila do desemprego neste ano.

“O que chama a atenção é que o Brasil é o único país do mundo que escolheu não renovar os auxílios emergenciais enquanto Estados Unidos e países europeus estão dando continuidade aos pacotes fiscais”, comparou Oreiro. “E, para piorar, ainda não sabemos quando vai começar a vacinação no Brasil. Temos um cenário de terra arrasada”, emendou.

Na avaliação do economista Juan Jensen, sócio da 4E Consultoria, a recuperação da economia será gradual e heterogênea, especialmente, do setor de serviços, que dependerá de uma ampla vacinação para voltar à normalidade. “O início da vacinação no Brasil ainda é incerto, e para ter a população de fato vacinada, vai demorar, porque ela ocorrerá gradualmente. O impulso no setor de serviços deverá começar apenas no segundo semestre de 2021”, apostou. “Há muita incerteza no quadro fiscal. O buraco é muito grande e o país gastou muito sem corrigir os desequilíbrios das contas públicas que existiam desde 2014. Há um caminho longo pela frente para um processo de retomada mais robusto diante de tantas incertezas, como a prorrogação do auxílio emergencial, que, apesar de ter sido mal desenhado, ajudou a evitar uma retração maior na economia”, acrescentou.

Procurado, o Ministério da Economia confirmou o fim do BEM a partir deste mês e não comentou sobre os recursos previstos e não utilizados pelo programa. No último dia 30, o ministro interino da pasta, Marcelo Guaranys, afirmou que o governo considera a adoção de algumas medidas emergenciais que foram positivas em 2020 para um pacote de contingência, “caso seja necessário”. Contudo, não detalhou que medidas seriam incluídas nesse pacote.

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