As ações da Eletrobras desabaram mais de 10% nesta terça-feira (26/1), na volta do feriado na Bolsa de Valores de São Paulo (B3), seguindo a queda dos ADRs (American Depositary Receipts) na véspera, depois do anúncio da saída de Wilson Ferreira Jr. da presidência da companhia. Na outra ponta, as ações da BR Distribuidora, empresa que Ferreira irá presidir, saltaram 9,52% e 10,24%.
Para os especialistas, o temor do mercado é de que o governo tente emplacar um nome político na estatal de energia elétrica. Agentes do setor elétrico lamentam a mudança, mas não acreditam que isso possa comprometer o abastecimento de energia, mesmo que a Eletrobras seja responsável por 30% da geração e 45% da transmissão no país.
Ferreira deixou a estatal alegando insatisfação com a demora na privatização da companhia, que tramita no Congresso desde 2019. O conselho de administração da empresa pretende avaliar profissionais do mercado, com a contratação de uma consultoria de headhunter. O próprio Ferreira defendeu que há funcionários da companhia capacitados para substituí-lo. Nesse caso, o nome da diretora financeira, Elvira Presta, é o mais forte, uma vez que ela já ocupou a presidência nas férias de Ferreira. A área econômica do governo, por sua vez, busca um executivo que acredite no projeto de privatização da Eletrobras.
Duplo revés
Para Pedro Serra, gerente de research da Ativa Investimentos, a saída de Ferreira é duplamente negativa. “Ele estava fazendo um bom trabalho. Ao colocar que o motivo para sua saída foi a menor visibilidade da privatização da Eletrobras, derrubou as ações, porque muitos investidores estavam carregando suas posições em cima da capitalização da companhia”, avaliou. “Além de deixar a incerteza em relação à privatização, a saída de Ferreira aumenta o risco de intervenção do governo”, alertou.
Segundo Serra, o conselho de administração atual é considerado técnico. Os integrantes desse colegiado é que aprovam o próximo presidente. Porém, eles foram indicados ainda no governo Temer. “Se o governo Bolsonaro, por acaso, quiser indicar uma pessoa e o conselho disser não, existe a possibilidade de forçar uma assembleia e indicar um novo colegiado. Isso seria péssimo e colocaria em xeque o plano estratégico da estatal”, advertiu. “No entanto, existe uma boa chance da Eletrobras conseguir colocar um nome técnico”, estimou.
Na opinião de André Cesar, cientista político da Hold Assessoria Legislativa, há interesses políticos fortes na estatal, como em todas as outras empresas públicas. “Isso é legítimo em um ambiente de presidencialismo de coalizão, onde essas instituições são usadas para se distribuir poder, porque é preciso apoio dos partidos para governar”, disse. “Como o governo está trabalhando muito forte na candidatura do Arthur Lira (PP-AL) para a Presidência da Câmara, faz sentido uma ação desse modo”, avaliou.
Suprimento de energia
Apesar de desagradar o mercado e o setor elétrico, a mudança na presidência da Eletrobras não ameaça o suprimento de energia do país, mesmo que a empresa não seja privatizada e fique sem condições de fazer investimentos necessários para ampliar a geração e a transmissão. O presidente da Associação Brasileira dos Investidores em Autoprodução de Energia (Abiape), Mário Menel, disse que a saída de Ferreira é uma perda significativa para o setor elétrico. “A decisão de um cargo como o dele é sempre política. Esperamos que seja substituído por alguém técnico. Porém, isso não deve afetar o abastecimento”, sustentou.
Menel lembrou que, no último leilão de transmissão, a própria Eletrobras entrou com lances conservadores. “Não levou porque havia competidor mais agressivo, mas sinalizou que já tem condições de participar de leilões porque a dívida diminuiu. Além disso, o setor elétrico é relativamente organizado e o investimento estrangeiro quer maior participação.”
Alexei Vivan, presidente da Associação Brasileira de Companhias de Energia Elétrica (ABCE), também lamentou a saída de Ferreira, mas concordou com Menel de que isso não representa risco de desabastecimento de energia. “A Eletrobras tem necessidade de realizar investimentos. Ainda tem o maior parque gerador brasileiro e uma importância muito grande para o setor energético. Mas o suprimento de energia não está só na mão dela. O setor privado vem assumindo essa função e já tem participação significativa”, afirmou.
O executivo alertou, contudo, que a privatização da empresa é necessária para que mantenha sua participação, uma vez que não tem recursos para fazer os investimentos necessários. “O país precisa aumentar a geração e a Eletrobras tem de investir na manutenção dos empreendimentos em operação e tem restrição orçamentária. Com a retomada da economia, precisaremos de mais fontes perenes, como hidrelétricas e térmicas, que garantam a segurança e deem confiabilidade ao setor.”
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