CONJUNTURA

"Se BC não subir juros, inflação sairá do controle," diz ex-diretor

Ex-diretor do Banco Central diz que instituição errou ao adiar a alta da Selic e, agora, precisa conter a disseminação dos reajustes de preços. Ele afirma que, sem vacinação, Brasil não voltará a crescer, e que é preciso retomar a agenda de reformas

ROSANA HESSEL VICENTE NUNES
postado em 01/02/2021 06:00
 (crédito:           Carlos Vieira/CB/D.A Press - 26/11/19                          )
(crédito: Carlos Vieira/CB/D.A Press - 26/11/19 )

O economista Tony Volpon, ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central e atual estrategista-chefe da Wealth High Governance (WHG), voltou aos Estados Unidos e está olhando o Brasil com outros olhos. Ele acredita que a economia brasileira conseguirá crescer bem neste ano, apesar dos tropeços do governo no processo de vacinação e do fato de os casos e as mortes pela covid-19 continuarem em níveis assustadores.

Para ele, a retomada da economia, inclusive, vai ajudar a pavimentar a reeleição do presidente Jair Bolsonaro em 2022. Mas, para que isso ocorra, o governo deverá, primeiro, passar a defender o processo de imunização. “Bolsonaro precisa apoiar o processo de vacinação. Se ele, ou qualquer outro gestor público, não fizer isso, estará praticando suicídio político. Portanto, o governo tem que avaliar bem. Sem vacinação, não tem retomada da economia”, afirma o economista, que foi um dos primeiros a prever a recessão de 2015 e 2016.

Volpon aposta que há chances de o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro avançar 4% ou 4,5% neste ano, apesar de uma queda inevitável no primeiro trimestre. Contudo, para que esse processo de retomada se consolide, o governo não poderá abandonar a agenda de reformas estruturantes que ajudariam no ajuste fiscal, que ficou de lado durante a pandemia e pouco avançou desde a reforma da Previdência. Nesse contexto, a reforma tributária é a mais urgente. “Dada a gravidade das crises sanitária, econômica e social, precisamos de uma ponte entre o Orçamento de guerra e um Orçamento que obedeça à regra do teto de gastos”, afirma.

No entender do economista, o Banco Central já deveria ter iniciado o aumento na taxa básica de juros (Selic), atualmente em 2% ao ano, menor patamar da história, o que torna o juro real negativo, espantando investidores e pressionando o dólar. “A política monetária precisa ser ajustada, e a incerteza fiscal é o ponto chave. O problema fiscal do Brasil é estrutural — ou endêmico — e sempre existiu. Com a covid-19, virou pandêmico”, destaca. A seguir os principais trechos da entrevista:

Qual a sua avaliação das condições do Brasil nesse momento de muita incerteza na economia e na questão da vacinação, com a confiança de consumidores e de empresários em baixa? O ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, têm afirmado que a vacinação é vital para a retomada do crescimento.
O mundo inteiro está em uma situação similar, porque o choque da pandemia atingiu a todos. Além de toda a dinâmica que a gente tem visto nas oscilações da atividade e da inflação, as perspectivas, agora, do que será o ano são uma função desse milagroso feito da ciência humana, que foi ter criado vacinas com uma boa taxa de eficácia em meses, algo que, no passado, não era possível. As previsões pessimistas diminuíram, apesar de o Brasil estar atrasado nesse processo. A economia global vai crescer neste ano, e o país, também, ainda que menos, como apontam as estimativas do Fundo Monetário Internacional (FMI).

O Brasil vai conseguir sair dessa crise? Como?
Sim, mas é preciso que o governo faça o mínimo necessário. Será preciso ordenar a questão fiscal. O governo poderia ter gastado menos no ano passado com o Orçamento de guerra, como também deveria ter tido um melhor planejamento e ter dado continuidade às reformas. O Brasil já fez uma reforma da Previdência que alivia um dos principais gastos públicos, mas que precisará de ajustes por questões demográficas. De outro lado, o governo não fez a reforma administrativa (PEC 32/2020), que seria a continuidade dessa agenda de ajustes no segundo ano de mandato. Discussões maduras sobre o tema precisam ser feitas o quanto antes, mas, ao que tudo indica, a aprovação da PEC 32 só deverá ocorrer no próximo governo. Outras propostas também ficaram travadas, como a do Pacto Federativo e a da PEC Emergencial, que tratam de congelamento de despesas.

Como destravar esta pauta e resolver a questão fiscal?
A questão fiscal é um problema para a economia, porque a pandemia não acabou em 31 de dezembro de 2020, assim como o Orçamento de guerra. Eu fui um crítico da imposição de um prazo ligado ao calendário, que tinha como objetivo tranquilizar o mercado sobre o risco fiscal em 2021. Dada à gravidade das crises sanitária, econômica e social, precisamos de uma ponte entre o Orçamento de guerra e um Orçamento que obedeça à regra do teto de gastos. Uma questão importante, mas para outro momento, é tratar o fato de que o teto de gastos, na versão atual, não é sustentável, porque o governo não conseguiu executar as reformas que subscrevem este limite. O ideal, agora, na falta de reformas que mudam o regime de gastos de forma permanente, é aprovar a PEC do Pacto Federativo e a PEC Emergencial para ter alguma racionalidade fiscal até a próxima eleição.

O senhor está otimista com a retomada econômica diante desse cenário?
A economia deve encolher no primeiro trimestre, porém, com o progresso na vacinação, será possível avançar no segundo semestre, acompanhando os bons fluídos globais. É viável que o país cresça entre 4% e 4,5% neste ano. A oferta de vacina é pequena agora, mas acredito que haverá imunização em escala crescente adiante.

Mas o que vemos é um aumento grande no número de contágios e de mortes pela covid-19 no país e no mundo, com novas cepas do coronavírus. E a logística do Brasil não tem ajudado muito nesse processo.
A bolha dos casos de contágio, agora, é reflexo das festas de fim de ano. Como não haverá carnaval, vamos ver o comportamento das pessoas nesse feriado. Se houver uma queda nos casos e nas mortes por covid-19 pelo menor contágio e algum efeito da vacinação, é possível que a retomada econômica comece a ser mais forte no segundo trimestre. Vamos considerar também que o Brasil tem o SUS, algo que os outros países não têm e que não pode ser menosprezado. O SUS tem a experiência de vacinar milhões de pessoas e precisa ser bem utilizado.

O senhor vê chances de impeachment de Bolsonaro?
As projeções de recuperação da economia global e brasileira são boas e não vejo fundamentos para o impeachment. O cenário econômico de hoje não é parecido com o de 2014 e 2015, que antecederam ao impeachment de Dilma Rousseff, em 2016. Não vejo crise econômica e financeira, e acho que ele vai tentar se reeleger, apesar do momento ruim pelo qual passamos.

Quer dizer que a economia poderá ajudar na reeleição de Bolsonaro em 2022?
Sim. A economia vai melhorar, e isso poderá ser favorável para o presidente Jair Bolsonaro em 2022, desde que ele faça o mínimo necessário para que o país volte aos trilhos. Isso passa por um ajuste fiscal mínimo e pelo sucesso da vacinação. Bolsonaro precisa apoiar o processo de imunização. Se ele, ou qualquer outro gestor público, não fizer isso, estará praticando suicídio político. Sem vacinação, não tem retomada da economia. E, com a economia fraca e desorganizada, qualquer governo perde força. Foi o que ocorreu no caso da Dilma e do Fernando Collor.

E a reforma tributária, que é e uma demanda para a retomada do crescimento do setor produtivo? O governo vai conseguir avançar nessa agenda apesar de não apoiar o que está no Congresso? Vamos ter a volta da CPMF?
Enquanto estiveram nas presidências da Câmara e do Senado, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre apoiaram as reformas. Agora, é preciso que a reforma tributária seja trabalhada o quanto antes neste ano. O ministro Paulo Guedes não gostou das propostas do Legislativo (a PEC 45, da Câmara, e a PEC 110, do Senado). Eu concordo com o ministro que é preciso uma desoneração da folha. Se for necessário um novo imposto, ou CPMF, como Guedes pretende, ele precisa detalhar melhor a proposta logo depois das eleições das presidências do Congresso.

Como o senhor avalia a perspectiva de Bolsonaro conseguir eleger os presidentes da Câmara e do Senado? É possível que Congresso mantenha a postura reformista ou prevalecerá a agenda de costumes, ideológica?
O Congresso Nacional tem se mostrado favorável às reformas. Porém, o prazo é curto para que isso ocorra, porque, no ano que vem, a maior preocupação dos parlamentares será com as eleições presidenciais. Por isso, definidas as eleições no Congresso, espero que Guedes tenha uma estratégia para ser apresentada no início de fevereiro. Foi um erro não ter avançado nessas agendas em 2020, porque nada foi feito para ajudar a conter os gastos, como a reforma administrativa, a PEC Emergencial e o Pacto Federativo. Se essas propostas tivessem avançado, a questão fiscal estaria muito melhor agora, e o mercado aceitaria uma extensão do auxílio emergencial.

O dólar alto e a queda à metade na entrada de investimentos estrangeiros diretos no país em 2020 são reflexos da falta de confiança com o fiscal, e ainda temos a inflação voltando mais forte. Como ser otimista com a retomada econômica?
A política monetária precisa ser ajustada, e a incerteza fiscal é o ponto chave. O problema fiscal do Brasil é estrutural — ou endêmico — e sempre existiu. Com a covid-19, virou pandêmico. O Banco Central já deveria ter iniciado o aumento da taxa Selic, não há mais justificativa para estar praticando juros reais negativos (menores que a inflação). Existe uma pressão inflacionária crescente, que está se disseminando. Temos uma taxa de câmbio desancorada e volátil, que inibe os investimentos e contribui para a alta da inflação.

Qual seria a Selic ideal?
Seria uma taxa nominal que permitisse um juro real zero, próximo à inflação, que deverá rodar em torno de 4% ao ano. Uma taxa básica de juro zero ainda é estimulativa para a economia. E isso vai melhorar a expectativa futura para o Banco Central, porque terá um efeito de ancorar novamente as projeções do mercado e valorizar o real, além de ajudar na retomada do fluxo de recursos externos para o país. Muitos investidores olham para o Brasil e não veem estímulo de aportar capital no país ao ver o juro real negativo e toda a volatilidade do câmbio, apesar de o real estar bem mais barato do que no início de 2020.

O dólar continuará valorizado?
No momento, não há espaço para o dólar ficar em R$ 4,20 e R$ 4,30 como algumas instituições preveem, porque, mesmo se forem aprovadas as PECs em discussão no Congresso, ainda teremos muita incerteza na questão fiscal. Esse cenário de dúvidas manterá o dólar em torno de R$ 5 neste ano. O real, hoje, está, historicamente, muito barato, mas é preciso ancorar as expectativas dos agentes econômicos. E, para isso, será preciso uma recuperação econômica mais forte e um rápido ajuste da política monetária.

O senhor acha então que o BC já deve começar a aumentar os juros em março?
O Banco Central já deveria ter começado a subir os juros. Está atrasado. Em março, o ideal é elevar a taxa Selic em 0,25 ponto percentual e ir fazendo isso de forma gradual nas próximas reuniões. Se não fizer isso logo, a inflação começará a sair do controle e, mais à frente, teremos o risco de o BC recorrer a um choque de juros, que sabemos todas as consequências.

 

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação