A "teoria do mais tolo" é uma expressão amplamente usada nas bolsas de valores. Funciona assim: você pode ganhar dinheiro se comprar uma ação que está sobrevalorizada porque sempre haverá "alguém mais tolo" disposto a pagar um preço mais alto por ela.
Essa teoria funciona desde que você possa vender um ativo por um preço mais alto do que comprou. O problema é que se você não conseguir fazer isso, ou seja, antes que o preço caia, não haverá outros "mais tolos que você".
"Você pode perder todo o seu dinheiro se mantiver ações que ninguém quer comprar", avisa Vicki Bogan, professora da Universidade Cornell, em Nova York, nos Estados Unidos.
"É uma teoria muito arriscada" que é posta em prática quando há bolhas no mercado, diz ela em entrevista à BBC News Mundo, o serviço de notícias em espanhol da BBC.
Bolhas financeiras são entendidas como "explosões de irracionalidade" em que o preço de um ativo aumenta dramaticamente, ultrapassando o que os economistas chamam de seu valor intrínseco ou essencial.
Aconteceu inúmeras vezes ao longo da história: do crash de 1929 aos "ativos podres" da grande crise financeira de 2008.
Mas houve casos mais antigos do que esses. A primeira grande bolha especulativa da história mundial foi a "mania das tulipas" na Holanda no século 17, quando houve uma euforia coletiva com a compra de tulipas exóticas. O preço dos bulbos de flores atingiu níveis tão exorbitantes que as pessoas venderam suas casas para obtê-los e, em meio à euforia, até um mercado para futuras vendas foi criado a partir de bulbos não colhidos.
No entanto, a escalada frenética chegou ao fim, quando um dia, em 1637, o preço despencou ,levando a economia holandesa ao caos.
Outro caso bem lembrado na história recente foi a bolha das 'ponto com', quando no final da década de 1990 o valor de algumas empresas de tecnologia atingiu níveis astronômicos, apesar de não terem renda real.
De um ponto de vista racional, explica Bogan, você não compraria algo sabendo que está pagando um preço superfaturado. Mas, do ponto de vista da teoria do mais tolo, é racional comprar por um preço mais alto se a ideia é de que haverá outra pessoa a quem você poderá vender mais caro.
É uma decisão especulativa porque o investidor tem certeza de que pode ganhar dinheiro em um determinado período de tempo. O difícil é saber quando entrar e quando sair do jogo a tempo de não se tornar "o mais tolo".
A bolha mais recente é a GameStop, diz a economista, um empresa que não tinha perspectiva de ser lucrativa mas teve as ações valorizadas por uma ação de um grande grupo de pessoas na rede social Reddit, que visava prejudicar os investidores que haviam apostado contra a empresa. Isso fez com que o preço das ações da GameStop disparassem de forma sem precedentes.
Sinais de alerta
O problema com as bolhas é que você só tem a certeza de que está lidando com uma delas quando elas estouram, diz John Turner, professor da Queen's University Belfast, no Reino Unido, e coautor do livro "Rise and Fall: A Global History of Financial Bubbles" ("Ascensão e Queda: Uma História Global de Bolhas Financeiras", em tradução livre para o português)
No entanto, "certos sinais de alerta podem ser identificados" associados às bolhas, explica ele em entrevista à BBC News Mundo.
Um deles é o aparecimento de ativos que se tornam muito "vendáveis", ao estilo do que aconteceu com a GameStop.
Outro é quando muitos investidores amadores entram nos mercados de ações.
Também é um sinal quando as taxas de juros estão muito baixas, sendo, portanto, muito fácil pedir dinheiro emprestado.
"Se olharmos para as ações de tecnologia nos Estados Unidos, ações de tecnologia verde, bitcoin, podemos pensar que existe potencialmente uma bolha nesses ativos", diz Turner.
Nem todas as bolhas têm grandes repercussões no nível sistêmico, mas algumas podem se transformar em um grande problema para a economia como um todo
"Pode ser muito perigoso quando há dinheiro vindo de empréstimos na bolha, porque pode ter ramificações horríveis para o sistema bancário e para o resto da economia, como vimos na crise financeira de 2008."
Ninguém descobriu ainda o que exatamente está acontecendo com os mercados de ações durante a pandemia. Os mercados estão aquecidos em meio a uma das piores crises econômicas em décadas, gerada pela pandemia.
Alguns economistas estão esperando por uma forte correção nos mercados, mas nem todos concordam.
"Quase todo mundo aponta para os mercados de ações para sinalizar a existência de uma bolha. Não estou convencido de que isso seja verdade", diz Jason Reed, professor do Departamento de Finanças da Universidade de Notre Dame, no Reino Unido, à BBC News Mundo.
Em sua opinião, os alertas estão vindo do lado do bitcoin, cujo preço acelerou ao ponto em que a moeda funciona como um ativo especulativo em vez de um substituto para a moeda soberana.
"Veremos preços mais voláteis, mas sem consequências macroeconômicas sistêmicas reais", afirma. "Mas os investidores individuais podem enfrentar danos econômicos reais e isso é algo que vale a pena observar e explorar", ressalva.
"Os tolos são muitos"
Veljko Fotak, professor do Departamento de Finanças da Escola de Administração da Universidade de Buffalo, em Nova York (EUA), adverte que a 'teoria do mais tolo' tem um grande problema.
Essa teoria gera a sensação de que um grande número de investidores se beneficia com a compra de ativos sobrevalorizados, enquanto um pequeno grupo de perdedores, ou um "tolo solitário", fica sem dinheiro quando a festa acaba.
Mas na prática, lembra Fotak, o jogo não funciona assim.
"O grupo de perdedores, na maioria dos casos, é a esmagadora maioria dos investidores", diz ele à BBC News Mundo.
Por essa e outras razões, o economista se declara cético em relação à teoria do mais tolo.
Fotak argumenta que a evidência mostra que você tem mais probabilidade de perder do que de ganhar quando compra um ativo que está supervalorizado.
E uma das armadilhas é que é muito difícil identificar o perdedor.
Dizem que entre os jogadores de pôquer costuma-se dizer que "se você não sabe quem é o burro da mesa, levante-se. Você é o burro".
"Investir na esperança de que alguém cometa erros ainda maiores parece, bem, burrice", diz ele.
Em geral, diz Fotak, os mercados "oferecem recompensas assimétricas, com poucos vencedores lucrando generosamente e um grupo maior sofrendo perdas".
"Talvez eu simpatizasse mais com a teoria se a chamassem de Teoria dos Muitos Tolos", afirma.
"A bolha de Wall Street"
Fotak argumenta que existem diferentes tipos de ativos cujas avaliações de mercado foram distorcidas pelas políticas monetárias frouxas das últimas décadas e pelas fortes intervenções dos bancos centrais durante o ano passado, em meio à pandemia covid-19.
"Mas nenhum se destaca tanto quanto os mercados de ações dos EUA."
Por exemplo, uma das medidas usadas para avaliar se um preço está sobrevalorizado é o conceito "preço/lucro (PE)", desenvolvido pelo Prêmio Nobel de Economia Robert Shiller.
Se aplicarmos essa metodologia às empresas que fazem parte do índice S&P500, as maiores dos Estados Unidos, explica o economista, obtemos um índice um pouco acima de 40. No século passado, essa proporção girava em torno de 15 ou 16.
Houve apenas dois outros casos em que vimos essa taxa mais alta, diz Fotak. Em 2009, logo no início da crise financeira global e, antes disso, em 2001, pouco antes do estouro da bolha das pontocom.
Assim, "os precedentes históricos não são animadores", diz o economista. "Embora o mercado de ações seja onde a bolha é mais visível, nenhuma classe de ativos está imune", acrescenta.
Mas o que mais o preocupa é a "exuberância irracional" dos mercados de dívida.
"Muitos paralelos podem ser traçados entre os mercados de hipotecas do início dos anos 2000 e os mercados de dívida corporativa dos últimos cinco anos", diz ele.
"Os mercados de dívida me preocupam sobretudo porque qualquer choque tende a causar contágio e riscos de desestabilização do sistema financeiro, que, por sua vez, atinge todos os setores da economia."
Se no futuro houver uma queda no preço das ações, que é o que acontece quando uma bolha estoura, isso provoca uma perda imediata de confiança nos mercados financeiros.
Essa perda de confiança, argumenta Fotak, se traduz em menores taxas de poupança e investimento nos anos subsequentes, com efeitos que podem abranger gerações inteiras.
Por sua vez, isso leva a uma escassez de capital que pode afetar negativamente as taxas de crescimento e os níveis de emprego nas próximas décadas.
Não é um jogo como o pôquer. E não há um pequeno grupo de perdedores que pode ser caracterizado como "o mais burro".
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