Apesar de o presidente do Banco do Brasil (BB), André Brandão, já ter colocado o cargo à disposição do governo, conselheiros do banco fizeram um apelo para que o executivo continue à frente da instituição. Isso porque avaliam que ele vem realizando uma “gestão de excelência” e, por isso, não deve deixar o posto que assumiu há apenas cinco meses em função dos atritos com o presidente Jair Bolsonaro.
A manifestação contrária à “possível e surpreendente substituição do presidente do Banco do Brasil ainda no início de seu mandato” consta na ata da última reunião do Conselho de Administração do BB, realizada no início desta semana. O documento ressalta que, além de Brandão ser um executivo experiente no mercado financeiro, tem conduzido a instituição com “alta performance” e “no melhor interesse” da empresa e dos seus acionistas.
No documento, os conselheiros explicam que o executivo tem “reconhecida experiência, com mais de 20 anos como administrador de grandes instituições financeiras, elevada competência técnica e inquestionável reputação ilibada” e, “em apenas cinco meses de mandato, evidenciou sua capacidade de liderar a organização para além dos desafios que se impõem à competitiva indústria financeira, no melhor interesse da companhia e de seus stakeholders (acionistas), tendo demonstrado alta performance na implementação da estratégia corporativa aprovada por este conselho”.
A primeira manifestação de contrariedade de Bolsonaro com a atuação de Brandão ocorreu depois do anúncio do plano de reestruturação do banco, que prevê o fechamento de 361 unidades de atendimento e o desligamento de 5,5 mil funcionários no início deste ano. O presidente não gostou da repercussão negativa da medida e chegou a pedir a demissão do dirigente do BB, que só continuou no cargo por causa dos apelos da equipe econômica –– que, à época, mostrou ao Planalto que uma interferência como essa seria mal recebida pelo mercado. Mas, a partir do episódio, a relação entre Bolsonaro e Brandão azedou.
Depois que o presidente interveio na Petrobras para demitir o presidente Roberto Castello Branco, a permanência do principal executivo do BB novamente foi colocada em xeque. Por isso, ele decidiu se antecipar a uma eventual demissão e colocou o cargo à disposição do governo na semana passada. A interlocutores, Brandão admitiu estar incomodado com a ingerência política ameaçando seu trabalho e julgou que era preferível sair antes para evitar turbulências no banco e manter o perfil técnico.
Substituto à altura
Apesar do mal-estar, conselheiros pediram a “continuidade da gestão de excelência que vem sendo realizada pelo atual presidente do BB” e lamentaram “qualquer possibilidade de que referidas especulações venham a se concretizar”. Eles solicitaram também que, caso ainda assim seja feita a troca de Brandão “por qualquer razão alheia às atribuições deste conselho”, que o substituto “esteja à altura de seu notável perfil técnico e profissional, aptidões essenciais para se liderar uma instituição com o porte e complexidade do Banco do Brasil”.
A manifestação de apoio a Brandão foi assinada por quatro dos oito conselheiros do banco: o presidente do Conselho de Administração, Hélio Magalhães; os conselheiros indicados pelos acionistas minoritários do BB, Luiz Serafim Spinola Santos e Paulo Roberto Evangelista de Lima; e um dos conselheiros indicados pelo Ministério da Economia, José Guimarães Monforte. Fabio Augusto Cantizani Barbosa, indicado pelo governo, e Débora Cristina Fonseca, representante dos funcionários do BB, não assinam o documento porque não participaram da reunião.
Entre os conselheiros presentes na elaboração da ata, só não a assinam o próprio Brandão e o secretário especial de Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues. Como mostrou o Correio, os dois também não assinaram o comunicado do Conselho de Administração que garantiu a manutenção do plano de reestruturação do BB, o que irritou Bolsonaro e deflagrou a crise entre Bolsonaro e Brandão. Tanto Brandão quanto Waldery já foram ameaçados com um “cartão vermelho” pelo presidente.
Para agentes de mercado, que já viram as ações da instituição caírem diante do receio de uma interferência política e da demissão de Brandão, a manifestação dos conselheiros foi vista como um recado de que colegiado não aceitará um personagem da política à frente do banco. Nos bastidores, se comenta que caso a indicação de Bolsonaro contrarie aquilo que propõe o conselho, um novo episódio de pedido de demissão conjunto se repetirá, assim como aconteceu no grupo de gestão da Petrobras.
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Caso de insider é complexo
A suspeita de uso de informação privilegiada em operações com papéis da Petrobras, em meio à crise entre o presidente Jair Bolsonaro e a estatal, coloca sob os holofotes um dos mais graves ilícitos do mercado de capitais. A comprovação dos casos é complexa, principalmente quando quem lucra com a informação vazada não é diretamente ligado à companhia –– a suspeita é de que seja um “insider secundário”, alguém ou um grupo que tem relações com uma pessoa de dentro da empresa.
Na recente crise da Petrobras, as indicações são de que a investigação da CVM terá como principal alvo uma operação atípica com opções de venda de ações da estatal no fim da tarde de 18 de fevereiro, logo após a reunião entre Bolsonaro e um time de seis ministros, no Palácio do Planalto, para tratar de preços dos combustíveis e antes da live em que o presidente disse que “alguma coisa” aconteceria na petrolífera nos dias seguintes.
Duas ordens de compra foram realizadas naquela quinta-feira: uma de 2,6 milhões de opções, às 17h35, e outra, às 17h44, de 1,4 milhão de papéis, ambas com preço de R$ 0,04. A movimentação indica que um investidor pode ter lucrado R$ 18 milhões com as opções, negociadas em volume que só faria sentido se ele realmente acreditasse que as ações cairiam ao menos 8% no pregão seguinte.
A hipótese mais provável, caso a infração se comprove, é de que a informação tenha vazado para um agente de mercado. A situação configura o chamado insider secundário, praticado por alguém sem ligação direta com a companhia e, por isso, de difícil comprovação. A Lei 13.706/17 criminaliza esse agente financeiro, que pode envolver parentes de executivos, investidores, fundos e ex-administradores da empresa.
Antes, apenas os insiders primários –– que têm acesso à informação relevante na fonte e dever de sigilo, como diretores, conselheiros e controladores –– podiam ser condenados pela Justiça. Como a obtenção de prova direta do ilícito de insider trading é praticamente impossível, sua comprovação pode ser feita com base em indícios, desde que eles sejam fortes, consistentes e convergentes.
Punições
De 2008 a 2018, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) abriu 54 processos sancionadores contra 158 acusados de “insider trading” (o termo usado no mercado para informação privilegiada), resultando em 66 condenações administrativas, segundo levantamento da FGV Direito-SP. Na esfera criminal, houve apenas uma sentença condenatória definitiva no País. Criminalizada em 2001, a conduta de uso de informação privilegiada prevê pena de reclusão de um a cinco anos e multa de até três vezes o montante da vantagem obtida com o ilícito. Vinte anos depois, o Brasil teve apenas uma condenação definitiva –– no caso da oferta da Sadia pela Perdigão –– e nenhuma prisão. Em 2019, Eike Batista foi condenado a oito anos e sete meses de prisão, e a pagar multa de R$ 82,8 milhões, por insider com papéis da OSX, mas em primeira instância. Em 2017, os irmãos Joesley e Wesley Batista chegaram a ter prisão preventiva decretada pelo crime.
Na esfera administrativa, a multa recorde aplicada pela CVM em um caso de insider foi de R$ 536,5 milhões, imposta a Eike por negociar ações da OGX com base em informação privilegiada. A cifra corresponde a duas vezes e meia o valor das perdas evitadas pelo empresário com a operação. A segunda maior foi a pena de R$ 26,4 milhões ao banco suíço Credit Suisse, em 2010.
Cartão por sugerir congelar benefícios
O secretário especial de Fazenda do Ministério da Economia Waldery Rodrigues foi ameaçado pelo presidente Jair Bolsonaro por afirmar que a área econômica apoiava congelar os valores de aposentadorias e pensões para economizar dinheiro público. Na época, o governo tentava viabilizar uma base de financiamento para o programa Renda Brasil, que seria o substituto do Bolsa Família.