CONJUNTURA

Crise empurra o Brasil rumo ao pior cenário: um quadro de estagflação

Baixo crescimento econômico e inflação alta formam o cenário desafiador no primeiro semestre de 2021. Analistas veem dificuldades na aprovação de medidas impopulares, porém, necessárias, em um momento com forte polarização política

Rosana Hessel
postado em 16/03/2021 06:00
 (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press - 15/6/20)
(crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press - 15/6/20)

Em meio ao agravamento da pandemia da covid-19 no país e da guinada no cenário político, com a volta de Luiz Inácio Lula da Silva ao jogo político, resta saber como o presidente Jair Bolsonaro vai enfrentar a maior prova de fogo na economia ao longo deste ano. As projeções de analistas apontam para um cenário de nova recessão no primeiro semestre e um quadro de estagflação — o pior dos mundos de um cenário macroeconômico, pois a economia não cresce ou recua e a carestia corrói o poder de compra da população.

“O conceito de estagflação está relacionado à ocorrência simultânea de baixo crescimento ou até negativo e à alta de preços. É algo muito complicado. A economia não cresce e os juros devem subir”, explica o economista Ricardo Rocha, professor de Finanças do Insper. Ele lembra que o cenário de estagflação ocorre por razões diversas, mas, no Brasil está relacionado com a alta do dólar, diante do aumento da desconfiança no governo. E, como a economia não consegue crescer em meio à pandemia da covid-19, fornecedores quebram. A oferta diminui, contribuindo para a alta de preços, especialmente em um cenário com a demanda aquecida, impulsionada pelos auxílios do governo que estimularam o consumo de alimentos, um dos vilões da inflação no ano passado.

Com o cenário econômico deteriorando-se, crescem as apostas de estagflação e de recessão técnica — quando há queda em dois trimestres consecutivos — na primeira metade do ano. As projeções otimistas no fim do ano passado, com perspectivas de expansão do Produto Interno Bruto (PIB), de 4% a 5% em 2021, estão sendo revisadas para baixo constantemente, e o cenário de recessão técnica no primeiro semestre é o mais provável. O Itaú Unibanco, que estava entre os mais otimistas, por exemplo, revisou de 4% para 3,8% a estimativa de alta do PIB este ano e passou a prever apenas 1,8% de crescimento em 2022.

 

Cenário desolador

Enquanto isso, as apostas para a inflação oficial medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) não param de subir. O indicador, no entanto, não mede a alta do custo de vida efetivo para a população de baixa renda, que, na maioria dos casos, está em patamares muito mais elevados, de acordo com o economista e consultor Paulo Rabello de Castro, ex-presidente do Banco de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). “O IPCA não reflete a inflação do supermercado, que está pressionando o bolso do brasileiro. As projeções de 5% a 6% para esse indicador não consideram a inflação do supermercado. Se levarmos em conta a alta dos preços no atacado e do dólar, por exemplo, é possível estimar uma média em torno de 40%. Por isso, o desespero da população vai ser grande em uma conjuntura em que o desemprego continuará elevado devido à pandemia e, portanto, a renda vai continuar encolhendo. Isso é gravíssimo”, alerta Rabello de Castro.

Não à toa, as apostas do mercado são de que o Banco Central, que tem como principal missão preservar o valor da moeda, deve começar a elevar a taxa básica de juros (Selic), atualmente em 2% ao ano, a partir desta quarta-feira. As apostas são de alta de 0,50 ponto percentual na Selic com os juros básicos podendo encerrar o ano em até 6%. Essa medida também vai ser um peso para o impulso da atividade econômica por meio do crédito e, consequentemente, um desafio adicional para o governo que acaba de comemorar a aprovação da independência do BC no Congresso.

Pelas projeções de José Francisco Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator, o cenário econômico não é nada animador em meio ao agravamento da pandemia. Ele prevê que o PIB brasileiro deverá crescer 2,2% neste ano, menos do que o carregamento estatístico do início da retomada de 2020 — que teve impulso do pacote fiscal de 8,5% do PIB aplicado pelo governo federal e que não deve se repetir neste ano —, de 3,7%. Ou seja, o PIB deve ter uma expansão menor do que o impulso inercial herdado do ano passado, o que significa, na verdade, retração. Logo, isso pode acender o ímpeto populista do presidente Jair Bolsonaro e complicar ainda mais a economia em vez de ajudar em uma recuperação se não houver preocupação, de fato, com o aumento de gasto público sem medidas compensatórias, ou seja, corte de despesas desnecessárias, que não são poucas para conter o elevado endividamento do país, em torno de 90% do PIB.

“Bolsonaro não tem espaço para adotar medidas populistas. Mas essa mudança no cenário político incomoda muito. O desgaste é crescente e ele perde apoio com a ascensão de Lula enquanto a pandemia se agrava. E agora vamos ter que pensar bem. Há muita gente que prefere conversar com Lula para limpar o estrago de Bolsonaro e, para isso, não é preciso ser petista nem de esquerda. Basta ter uma noção de sobrevivência do país em condições minimamente aceitáveis”, afirma Gonçalves.

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PIB encolhe 45% em dólar em 10 anos

 (crédito: Luis Nova/Esp. CB/D.A Press - 6/6/18 )
crédito: Luis Nova/Esp. CB/D.A Press - 6/6/18

De acordo com o economista Paulo Rabello de Castro, consultor e ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o quadro econômico é preocupante. Um estudo feito por ele e por Marcel Caparoz, ambos da RC Consultores, mostra que, em dólares, o PIB brasileiro encolheu 45% nos últimos 10 anos e, neste ano, ficará estagnado. Pelas projeções dos dois analistas, passará de US$ 1,445 trilhão, em 2020, para US$ 1,449 trilhão, em 2021, patamares bem abaixo do registrado em 2009, quando o PIB somou US$ 1,673 trilhão, ano da crise financeira global.

“A partir de 2011 registrou-se um recuo expressivo do PIB medido em dólar. O país não só estagnou como, inclusive, recuou em moeda forte, desperdiçando uma década inteira de esforços da sociedade”, informa o documento da RC. A análise indica, ainda, que o ciclo de juro real (descontada a inflação) é negativo, apesar de ser uma tendência global. “O Brasil, certamente, não está entre os países que podem brincar com juros negativos, porque poucos possuem capacidade fiscal e de setor externo para sustentar essa política”, acrescenta o estudo.

Rabello de Castro também não tem dúvidas de que esse cenário ainda pode piorar devido à falta de avanços na vacinação em massa contra a covid-19. “A culpa central disso é exatamente do ministro Paulo Guedes (Economia), que o mercado ressalta como sendo o indivíduo que quis fazer o melhor e não conseguiu”, alfineta. Ele ainda ressalta que a agenda reformista não tem condições de avançar mais, porque o presidente Jair Bolsonaro não dispõe mais de capital político para adotar medidas de ajuste fiscal e reformas estruturais, que são impopulares. “Ele não fez quando podia e só conseguiu aprovar a reforma da Previdência em 2019. E não é agora, com a economia patinando e completamente sem força, que vai adotar essa agenda de redução de gasto público”, resume.

E com a reviravolta no cenário político com a possível volta da elegibilidade do ex-presidente Lula, o ano de 2021 está profundamente comprometido do ponto de vista de desempenho e recuperação, de acordo com Rabello de Castro. “Sob a ótica política, com a reverberação da figura de Lula, saltamos para 2022 da noite para o dia. E isso é péssimo para a já cambaleante autoridade dos gestores atuais na área econômica, que ainda não tem Orçamento para o ano corrente”, frisa. “Um ainda maior desequilíbrio cambial e inflacionário, neste momento de extrema fragilidade para o governo, sepultaria de vez as chances de Bolsonaro nas eleições de 2022”, emenda. (RH)

Bolsonaro: a culpa é do "fique em casa"

Em conversa com apoiadores no Palácio da Alvorada, o presidente Jair Bolsonaro responsabilizou a pandemia da covid-19 e as medidas de isolamento social pelo aumento no preço dos alimentos. “A política do 'fique em casa', 'feche tudo', que destruiu milhões de empregos, a consequência está aí. Imagine se o homem do campo tivesse ficado em casa, não teria alimento para ninguém. Agora, todo mundo é responsável, quem é que está com essa política do 'fica em casa'? Não sou eu”, disse o presidente.

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