entrevista LAURA CARVALHO, Professora da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo

"Auxílio emergencial não evitará recessão", crava economista Laura Carvalho

Economista diz que as políticas econômica e sanitária do governo são desastrosas. E que, sem vacinação em massa, não haverá crescimento que reverta a pobreza na qual estão mergulhados milhões de brasileiros. Ela chama a atenção para os riscos à democracia

Vicente Nunes
Rosana Hessel
postado em 21/03/2021 06:00
 (crédito: Edilson Rodrigues/Agência Senado)
(crédito: Edilson Rodrigues/Agência Senado)

O Brasil vive um momento dramático, em que a demora para o pagamento do auxílio emergencial e a falta de vacinação em massa contra a covid-19 vão agravar as desigualdades sociais e levar o país a uma nova recessão. No entender de Laura Carvalho, professora da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP), há uma falta de visão generalizada por parte do governo, que conduz “políticas catastróficas”, tanto na economia quanto na saúde.

“Realmente, a política do governo nos dois âmbitos, no sanitário e no econômico, que estão muito inter-relacionados, é catastrófica”, diz. Para ela, o quadro atual do país é ainda mais grave do que o abordado em seu best seller Valsa brasileira, de 2018, que trata da evolução do boom econômico ao caos entre 2006 e 2017. “Temos aprendido que sempre dá para piorar. O fato é que, hoje, o país está rumando para duas décadas perdidas na economia em termos de renda média e de renda per capita. O que, por si, já seria um problema. Mas acho que o que cria mais dificuldades para o futuro é a deterioração das nossas instituições democráticas”, explica.

Para ela, ao aumentar a taxa básica de juros (Selic) em um momento crítico da pandemia da covid-19, o Banco Central ajudará a jogar a atividade econômica para baixo. Contudo, nada será pior para a produção e o consumo do que a falta de um programa eficiente de vacinação em massa da população. Sem isso, certamente, o ano de 2021 será mais um perdido, do ponto de vista econômico, aumentando a pobreza, que já se encontra em níveis assustadores.

A especialista em estudos associados à desigualdade macroeconômica acredita que, diante do agravamento da pandemia, o governo deveria ter dado continuidade ao pagamento do auxílio emergencial desde janeiro — o benefício médio de R$ 250 começará a ser pago em abril —, em valores maiores e a um grupo maior de pessoas — desta vez, serão beneficiados 45,6 milhões de cidadãos.

“Parece-me que os R$ 300 que estavam sendo pagos no fim do ano passado deveriam ser o mínimo nesse novo desenho, porque, ali, já estávamos vendo os indicadores de pobreza se deteriorarem. E a situação da pandemia é, hoje, muito pior”, lamenta. Ela ressalta que o limite de gastos de R$ 44 bilhões com auxílio em quatro meses — as parcelas vão de abril a julho — representa 15% do valor destinado ao benefício em 2020. “O problema é que a pandemia está em uma situação ainda pior”, alerta.

A economista ressalta, ainda, que a polarização entre o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Lula, que voltou ao cenário político, tem um lado positivo, ao trazer um contraponto ao negacionismo. “A polarização que está colocada é entre um governo que nega a ciência, não está governando em prol da melhoria das condições de vida e de saúde da sua população. E, do outro lado, o contrário disso”, resume. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Correio:

 O Banco Central aumentou os juros em um momento em que o país caminha para uma nova recessão para conter a inflação. A alta da Selic, de 2% para 2,75%, é justificável neste momento?

A inflação que vem se acelerando, sobretudo, em itens que são consumidos pelos mais pobres, e, portanto, afetam muito a renda da base da pirâmide, tem duas causas principais. A primeira, do ano passado, era a inflação de alimentos, mas já está se dissipando. E a segunda é o próprio dólar, que tem efeitos em vários outros preços da economia, incluindo os dos combustíveis. A subida de juros pode ter um efeito de amenizar a alta do dólar. Com a maior taxa de juros, você freia os movimentos de saída de capitais do país. Só que esses movimentos são provocados por outros fatores, como políticos, descontrole da pandemia, falta de uma agenda nesse sentido, falta de vacinação. Eu compreendo a decisão do Banco Central, mas eu, tampouco, considero que só com uma taxa de juros mais alta vamos conseguir resolver essa instabilidade e essa volatilidade da moeda. O problema é que o dano causado com a taxa de juros mais alta na economia, que continua em crise, também não é irrisório. Com isso, temos dois elementos que vão, em 2021, puxar a economia para baixo: a política monetária, com os juros mais altos, e a política fiscal, que será mais contracionista do que a de 2020. Isso tudo prejudicará, bastante, a recuperação da economia em 2021, somado ao descontrole da pandemia.

O que afeta mais a economia: a alta dos juros ou a falta de vacinas contra a covid?

A lentidão da vacinação vai ser o principal fator a limitar as nossas perspectivas de recuperação da economia em 2021. Com isso, na verdade, o que eu colocaria como segundo entrave para a nossa retomada mais rápida é a insuficiência do auxílio emergencial, seguida da resposta fiscal diante do novo cenário de emergência, ainda pior do que o do ano passado, em que nós estamos. Não acho que a taxa de juros mais alta será mais relevante do que esses dois fatores na limitação da nossa recuperação. Até porque, no Brasil, os investimentos privados costumam ser pouco sensíveis a juros, com exceção do ramo imobiliário, onde pode haver um efeito um pouco maior.

Esses valores do auxílio emergencial que foram definidos pelo governo, variando entre R$ 150 e R$ 375, com média de R$ 250, são suficientes? O governo teria espaço para dar um auxílio maior?

Eles são muito insuficientes. O limite para gastos, de R$ 44 bilhões, que foi aprovado para o ano na PEC Emergencial, é cerca de 15% do valor destinado ao auxílio em 2020. E a pandemia, na verdade, está em uma situação ainda pior. As medidas restritivas à circulação de pessoas tomadas por governadores e prefeitos, certamente, terão um novo impacto econômico. E o auxílio não será, neste ano, ao contrário do que ocorreu em 2020, uma saída para esse dilema, compatibilizando a preservação das vidas e, ao mesmo tempo, a preservação da renda das pessoas. Esses valores não são suficientes para isso. Devemos observar um aumento da desigualdade e um aumento da pobreza e uma pressão política ainda maior contrária às medidas restritivas de lockdown, que são necessárias para o controle da disseminação do vírus, por essa falta de possibilidade de sobrevivência para tantos trabalhadores informais e famílias da base da pirâmide.

A que a senhora atribui a limitação do auxílio emergencial? Há espaço fiscal para uma política de renda maior?

Esse conceito do espaço fiscal não é um conceito absoluto. Como vimos, em 2020, e se a gente pensar no debate econômico anterior, parecia que o Brasil já não tinha espaço fiscal para nada, e, ainda assim, fizemos um auxílio emergencial, em 2020, de 4,1% do PIB, além das outras medidas. Isso foi financiado por dívida pública. E, da mesma forma, esses R$ 44 bilhões serão financiados por dívida pública. A PEC Emergencial não cria espaço imediato no Orçamento do ano para que o auxílio seja pago. E não há um limite preestabelecido para qual é o tamanho da dívida pública que um país pode ou não ter. Como vimos no ano passado, a dívida subiu em mais de 10 pontos percentuais do PIB e foi possível vender títulos públicos no mercado. Não houve dificuldade de pagamento, não houve dificuldade de encontrar investidores para adquirir essa dívida. O fato é que nós, hoje, teríamos que emitir mais. Um quadro de crise, de emergência, é justamente o tipo de situação que exige dos governos um aumento do endividamento. Foi assim no ano passado e continuará sendo assim neste ano ao redor do mundo. Não há razão para que esses R$ 44 bilhões tenham sido estabelecidos de antemão, dada à incerteza muito grande em relação ao que será da pandemia e da economia neste ano.

De qual valor, na sua avaliação, deveria ser o auxílio emergencial para tentar minimizar o flagelo da crise e que, também, não tenha um impacto fiscal tão grande?

Não é só uma questão de valor, mas de valor e de universo de beneficiários. O auxílio, em 2020, começou com um valor mais alto (R$ 600) e caiu pela metade (R$ 300) nos últimos quatro meses do ano, quando passamos a ver os indicadores sociais, os índices de pobreza, piorando. Mas o universo de beneficiários se manteve. Nessa próxima rodada, tem dois desafios. O primeiro é manter amplo e suficiente o auxílio para cobrir os trabalhadores informais e não apenas os mais pobres, os beneficiários do Bolsa Família e as pessoas que estão abaixo da linha da pobreza. É preciso manter um universo amplo de beneficiários para conseguir, realmente, implementar as medidas de lockdown e controlar a disseminação do vírus, evitando que as pessoas não tenham o que comer. E o segundo desafio é dar um valor que seja adequado para atenuar essa perda de renda dos mais pobres. Os R$ 300 que estavam sendo pagos para aquele universo de beneficiários deveria ser o mínimo nesse novo desenho, porque, ali, já estávamos vendo os indicadores de pobreza se deteriorarem. E a situação da pandemia é, hoje, muito pior. Eu ficaria com um programa que fosse entre o auxílio emergencial inicial, de R$ 600, que foi o primeiro desenho, e esse de R$ 300 com o qual acabamos o ano. Alguma coisa, mais ou menos, no meio do caminho seria o razoável, dada a gravidade da situação, pelo menos, enquanto durarem esses números de óbitos e o colapso hospitalar no país.

Em relação ao valor do auxílio, faltou visão política ou foi uma forma de manter o apoio do mercado? Porque é importante para a equipe econômica, pelo menos, ter uma boa relação com os investidores...

Sim. Foi mais a segunda. Foi uma tentativa de sinalização para o mercado de que o teto de gastos não entraria em colapso por mais um ano e que haveria algum controle fiscal em 2021. Agora, a grande questão é que, tampouco, estava previsto que viveríamos uma segunda onda do tamanho que estamos vivendo da pandemia. Com isso, o governo nem precisaria dessa PEC Emergencial e desse limite preestabelecido de despesas para, novamente, entrar em uma situação de calamidade e fazer os gastos imprevisíveis. Nesse sentido, a equipe econômica tentou, também, forçar um outro conjunto de medidas que entraram na PEC Emergencial como moeda de troca para aprovar o auxílio e, ao mesmo tempo, limitar o benefício como uma sinalização para agradar uma parte do mercado. Eu só não entendo muito bem o que mudou, entre 2020 e 2021, nesse sentido, porque os consensos, em 2020, no Congresso e no governo aconteceram, no fim das contas, e permitiram que o auxílio emergencial viesse do tamanho que era demandado pela sociedade. Neste ano de 2021, isso mudou, e eu não vejo, no cenário macroeconômico, alguma coisa para justificar essa mudança.

O Banco Central afirma que a alta do custo de vida é temporária. É para se preocupar com a inflação?

De fato, o choque de alimentos está se dissipando. O problema é que essa inflação, às vezes, assume um caráter de inércia e não se dissipa tão rapidamente. E isso, inclusive, prejudica o próprio valor do auxílio emergencial, porque aquilo que valia o auxílio de R$ 300, no fim do ano passado, já não é exatamente o que vale o auxílio de R$ 300 hoje, considerando que o poder de compra da população caiu por causa dessa inflação. Mas, de fato, com o dólar se estabilizando, se isso ocorrer, tanto pela elevação dos juros quanto pela própria recuperação da economia global, que está andando com a vacinação em um ritmo muito melhor do que o nosso, acho que a inflação não tende a se acelerar novamente. Creio que não estamos em um iminente processo de retroalimentação e descontrole inflacionário. A inflação deve voltar para o centro da meta no ano que vem.

E com relação ao dólar? Com o aumento de juros, o BC consegue jogar o dólar para baixo de R$ 5, que seria um patamar mais confortável para a inflação?

O dólar responde a fatores internos e a fatores externos. Entre os internos, a diferença entre as taxas de juros brasileira e a internacional é um dos fatores relevantes. E a elevação da Selic certamente atua para frear essa desvalorização do real. Agora, há um conjunto de outros fatores que também dita esses movimentos da moeda brasileira, que tem a ver com os preços de commodities, com o crescimento chinês, com os riscos no mercado global, com as incertezas globais nesta segunda fase da pandemia. A moeda brasileira é mais volátil entre as divisas de países emergentes, mesmo em períodos em que a dívida pública está mais baixa e que não haja crise econômica profunda no Brasil. Isso é recorrente e vem de muitos anos. Tem a ver com a estrutura do nosso mercado de câmbio. E o cuidado tem que ser para não reagir de maneira desproporcional a esse choque no dólar, elevando demais a taxa de juros e trazendo, com isso, custos para a nossa recuperação e custos fiscais, porque a taxa de juros impacta na dinâmica da dívida pública brasileira.

A senhora está confiante que o país terá uma boa recuperação econômica neste ano? Fala-se em recessão no primeiro semestre.

Considerando a situação da pandemia, as medidas que estão sendo tomadas e a falta do auxílio emergencial que, vamos lembrar, já vem desde janeiro, acho que o cenário de recessão no primeiro semestre é, hoje, o mais provável. E, para além disso, a recuperação da economia brasileira, no ano todo, tende a ficar muito abaixo da verificada para a economia global. Ao contrário do que aconteceu em 2020, quando, graças ao auxílio emergencial e ao esforço fiscal realizado, o país acabou tendo, ainda que com uma das quedas mais profundas da nossa série histórica do PIB, um desempenho bom em relação a outros países. Este ano não será assim. O Brasil terá todos os fatores atuando contra e fazendo com que a economia cresça menos do que em outros países: a vacinação lenta, a contração fiscal e a contração monetária.

E quanto ao papel do governo? Há muitos questionamentos quanto à atuação não só na questão da pandemia, mas também na condução da política econômica pelos ruídos políticos criados pelo presidente da República.

Certamente, o papel do governo tem sido desastroso, tanto no campo da saúde quanto ao resolver a causa dessa crise econômica, que é a pandemia, diga-se de passagem, e não as medidas restritivas de prefeitos e governadores, adotadas justamente para evitar que a situação chegasse ao ponto que agora chegou. Foi desastroso, também, na economia, apesar do esforço fiscal, que, tampouco, é mérito do governo. Na prática, é mérito do Congresso, com o auxílio emergencial sendo muito maior do que o desenhado pela equipe econômica, com outras medidas aprovadas por estados e municípios, recursos para a saúde etc. Isso acabou amenizando muito o tamanho da queda do PIB em 2020. Realmente, a política do governo nos dois âmbitos, no sanitário e no econômico, que estão muito inter-relacionados, foi catastrófica, eu diria.

Como a senhora avalia a promessa de uma política liberal do governo, que acabou não se confirmando?

A realidade se impôs. Tem uma parte da pandemia, que é um problema coletivo. É um problema que, portanto, não se resolve pelas forças do mercado, demanda atuação do Estado. E esse não é um governo que estivesse preparado para uma atuação do Estado. Pelo contrário, é um governo que tinha uma retórica — a equipe econômica, em particular —, de retirada do Estado nas suas várias funções. Isso tem um custo bastante alto e, claro, a partir dessa realidade que se impôs e dos benefícios políticos que o auxílio emergencial trouxe, o próprio governo entrou em conflito interno sobre os rumos da política econômica. Isso se reflete em uma agenda que, na verdade, é uma falta de agenda. São medidas erráticas, pouco coesas e coerentes, sobretudo, sem um plano de recuperação da economia brasileira.

A demora do governo em liberar o auxílio emergencial pode agravar o risco de recessão neste primeiro semestre?

Sem dúvida. Esse é um dos elementos que demonstram a falta de capacidade de formulação e de execução da política econômica por parte do governo. E outro elemento mostra isso muito claramente: o fato de nem sequer aprovar o Orçamento para 2021. O Orçamento foi enviado em agosto do ano passado e não há, hoje, peça orçamentária para auxiliar o planejamento das despesas que serão realizadas ao longo do ano pelos vários ministérios.

O governo, inclusive, teve que pedir autorização de verba extraordinária para pagar salários.

Exatamente. Não temos rumo algum na política fiscal. Não há previsibilidade. Mesmo a PEC Emergencial, no fim das contas, acrescenta uma incerteza, porque não traz medidas imediatas. Prevê que outras leis, outras medidas, sejam enviadas, não tendo ainda um desenho de como seria o auxílio emergencial e nem de como serão reduzidos os benefícios tributários, que é algo que está previsto na PEC. Estamos meio sem rumo na política econômica e já estamos quase no fim de março. Isso prejudica as perspectivas de recuperação da economia.

Por que o mercado ainda está fechado com o governo, mesmo com o discurso liberal do ministro Paulo Guedes (Economia) se desfazendo?

O mercado financeiro funciona com base em convenções que seus próprios agentes definem. Cada notícia e cada declaração servem para que os agentes entendam se aquilo vai levar o preço dos ativos a subir ou a cair. Nesse sentido, movimentos da Bolsa ou mesmo no dólar não podem ser tomados como reflexo de uma opinião de uma determinada pessoa ou mesmo de uma visão sobre a realidade da economia. Parece-me que são movimentos especulativos baseados nas informações e nas convenções formadas ali. Na verdade, é muito sobre como cada notícia será absorvida e quem vai ganhar com ela primeiro, quem vai vender antes e quem vai comprar antes.

Dá para ter confiança no Brasil?

Eu ainda acredito que dá para ter, enquanto um país continental, com uma série de lacunas e problemas para resolver, sim, sem dúvida. Mas a própria resolução dos problemas, como o da desigualdade e o da carência de infraestrutura, é um motor para o crescimento econômico. Temos a possibilidade, sim, de pensar em uma agenda tecnicamente bem fundamentada, viável, que permita compatibilizar vários objetivos, incluindo a sustentabilidade da dívida pública, o controle inflacionário, com esses da redução da desigualdade e do crescimento econômico sustentável. Não é a economia, vamos dizer, a falta de instrumentos, que está nos limitando. É a falta de vontade política. E sempre temos oportunidade de corrigir a falta de vontade política com processos democráticos, de escolha de quem nos governa.

Como é que a senhora vê o papel do Congresso? Com o Centrão no comando, serão aprovadas as medidas necessárias para o país voltar a crescer?

Parece-me que a gente voltou a um cenário que também vigorou um pouco durante o governo Michel Temer, de um certo fisiologismo fiscal. Não há, exatamente, um interesse coeso em uma determinada agenda econômica, mas há uma defesa de parlamentares dos interesses daqueles que os apoiam e que têm maior poder de influência. Isso faz com que a gente não tenha uma agenda reformista prometida pelo ministro Paulo Guedes, porque isso atuará contra o interesse desses parlamentares. Nem, tampouco, teremos uma agenda de recuperação econômica, que priorize os gastos nas áreas mais necessárias, porque, isso, também, não parece estar colocado hoje. Vamos continuar vendo uma agenda errática. Outras reformas microeconômicas devem passar, mas não vislumbro nenhuma grande reforma substantiva na área tributária ou administrativa, que era aquilo que chegou a ser aventado no início de governo.

O cenário eleitoral de 2022 foi antecipado com o retorno do ex-presidente Lula ao jogo político. Como a senhora avalia isso e quais os resultados de se antecipar o processo eleitoral para a economia?

No sentido de trazer algum tipo de incentivo para que o governo Bolsonaro governe e tente produzir algum resultado concreto para a população, essa antecipação acaba sendo até favorável. Nós vimos uma mudança de postura do presidente, por exemplo, em relação às medidas sanitárias. A pressão para a aprovação do auxílio emergencial também ficou maior. A necessidade de respostas a uma situação da população, que é dramática, acaba até trazendo benefícios. Agora, acho que tem muito tempo ainda até 2022 para pensar em um projeto de país. E um projeto de país não depende só de um nome, depende de uma construção que seja ampla o suficiente para tirar de cena esse desastre que a gente tem visto no governo Bolsonaro.

A polarização entre Lula e Bolsonaro, caso prevaleça, pode ser tumultuada para a economia? Como a senhora avalia o impacto desses dois extremos?

A minha avaliação é que, neste momento, a polarização que está colocada é entre um governo que nega a ciência, não está governando em prol da melhoria das condições de vida e de saúde da sua população. E, do outro lado, o contrário disso, o antídoto disso, de alguma maneira, e que é pensar no que pode ser feito para que as vacinas saiam, para que tenhamos possibilidade de recuperar a economia. Mas essa é a polarização que está colocada hoje. Não sabemos o que, de fato, vai ocorrer no pleito eleitoral. A própria elegibilidade do ex-presidente Lula não está ainda 100% definida. Então, eu acho que, hoje, essa polarização acaba sendo positiva, porque, antes, havia apenas um dos polos, o que nos colocou nessa tragédia.

E o impeachment, a senhora trabalha com essa possibilidade ainda ou já passou o tempo?

A política não permitiu até aqui que esse caminho se desenhasse. A base que apoia o governo vem se deteriorando, mas ela ainda existe e é significativa, e isso trava, politicamente, essa possibilidade. Mas a tragédia está entrando em uma fase exponencial, quando olhamos para o número de mortes, para a falta de vacinas, enfim, para a falta total de perspectivas. A economia vai entrar, também, em mais um ano ruim. E eu acho que as condições políticas sempre podem mudar, mas as condições jurídicas para o impeachment já existem há algum tempo.

Como a senhora avalia o governo Bolsonaro? É possível fazer uma analogia do caos econômico que a senhora tratou em seu livro?

Sem dúvida, temos aprendido que sempre dá para piorar. O fato é que, hoje, o país está rumando para duas décadas perdidas na economia brasileira, em termos de renda média e de renda per capita. O que já, por si, seria um problema, mas o que eu acho que cria mais dificuldades para o futuro é a deterioração das nossas instituições democráticas. Isso me parece que é um risco ainda maior. Na parte econômica, com um programa bem formulado, bem pactuado na sociedade e na esfera política, o país conseguiria sair dessa situação. Mas, de fato, o esgarçamento das instituições democráticas traz um temor de que nós não tenhamos a possibilidade de fazer essa repactuação. Esse é o principal risco do momento.

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