A lei do retorno
Da volta de Lula à cena política ao aumento, depois de cinco anos sem nenhuma alta, da taxa de juro básica da economia, vulgo Selic, pelo Banco Central, ambas em meio à tragédia da pandemia contra a qual este governo não sabe o que fazer, o que mais há são dúvidas e perguntas para aclará-las. As respostas estão no passado recente.
Quanto antes as dúvidas se desfaçam, mais cedo o desenvolvimento deixará de ser a farsa que nos visita a cada geração. Difícil que houvesse Bolsonaro presidente e o Brasil sem futuro de hoje.
Sem Lula, preso em 2018 pelo juiz Sergio Moro, o provável é que ele se elegesse para um terceiro mandato, mesmo carregando o fardo do impeachment de Dilma Rousseff, e Jair Bolsonaro talvez fosse apenas outro candidato exótico da corrida presidencial, tipo Cabo Daciolo.
Seria tal cenário uma simples divagação de um dia ocioso, caso Moro não tivesse tentado influenciar as eleições ao divulgar, a seis dias do primeiro turno, vídeo do depoimento de Antonio Palocci, o czar da economia no primeiro governo Lula — delação então rejeitada pelos procuradores federais pela inexistência de provas. Com Bolsonaro eleito, Moro se tornou ministro da Justiça, indiferente, graças ao ambiente então hostil ao PT, a manter ao menos a aparência do que pareceu retribuição do presidente à gentileza do ex-juiz.
Tais evidências dispensam os diálogos hackeados na Vara Federal em Curitiba entre o então juiz e os procuradores da Lava-Jato, já que tudo aconteceu sem subterfúgios, tanto que ministros do STF já não escondiam a contrariedade com os métodos da operação e a defesa de Lula pedira suspeição de Moro. Este caso estava para ser julgado.
Ao perceber que o ex-juiz tendia a ser derrotado no STF, pondo em risco todos os julgamentos da Lava-Jato, o ministro-relator Edson Fachin decidiu anular as sentenças contra o ex-presidente, a pretexto de que havia nulidade de foro, e remeter todos os autos à Vara Federal de Brasília. Não evitou a continuidade da ação contra Moro, e Lula recuperou os direitos políticos, podendo candidatar-se em 2022.
Os fatos, se substantivamente fortes ou suspeitos, dificilmente se exaurem no tempo. A verdade é que as pesquisas anteriores à prisão punham Lula à frente e vencendo em 2º turno. E Bolsonaro? Até então concorria nem como candidato azarão, mas para chamar a atenção.
BC com punhos de renda
Ajustes de contas ilustram a história política no mundo, como a volta de Lula, que ninguém, nem ele, julgava possível. Vai dar-se o mesmo com a condução da economia nos últimos anos — uma montanha de equívocos como a decisão desta semana do BC de subir a taxa Selic.
Fez o que traders e economistas do mercado financeiro pressionavam que fizesse. Acabou espantando, ao elevar a Selic de 2% para 2,75% ao ano, enquanto se esperava até 2,50%, e sinalizou outro tanto na reunião em maio do Copom. Foi ação preventiva contra o risco de a inflação, projetada desde novembro a chegar a 6% ou 7%, em agosto, e depois definhar, sair de controle. Curioso é que, até janeiro, o BC indicava que a inflação perderia pique a partir do meio do ano.
Ficou en passant nas discussões as causas do repique da inflação. Ela começa a subir no rastro da brutal desvalorização do real, vis-à-vis o dólar a partir do fim de 2019, a despeito de reservas de 25% do PIB, de contas correntes ajustadas e de fundos estrangeiros representarem menos de 10% dos papéis da dívida pública. E isso em paralelo à retomada dos preços das commodities de exportação.
O influxo de dólares aplicados em renda fixa e ações desequilibrou o mercado porque o BC não interveio com força, pois, em tese, parte da debandada se compensaria com as exportações.
Receita para a estagnação
Pela mesma crença na eficiência dos mercados, e só de falar disso muita gente se arrepia, o BC não usou a permissão dada, no ano passado, pelo Congresso para recomprar títulos de dívida, tal como fazem desde 2009 os bancos centrais do Japão, Estados Unidos, Europa etc.
Se o ataque à pandemia exigiu, e exige, gastos extraordinários, os instrumentos do BC também tinham, e têm, de ser extraordinários. Fato é que os juros são o que o BC queira que sejam. Com a taxa cambial não é assim, mas, se há reservas, ainda há um fluxo de investimentos diretos que compensa deficit na conta de capitais, o real não poderia ser a moeda mais depreciada no mundo este ano.
Ah!, mas tem o descontrole fiscal, dizem os puristas. Sim, tem, mas por falta de governo e de base política de verdade no Congresso, de modo que a elite estatal deita e rola, e a tecnocracia fiscalista, para cumprir meta fiscal, sufoca o investimento e políticas sociais na lei orçamentária — precisamente, o que dinamiza o crescimento.
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