Conjuntura

O preço da incompetência

Os atrasos no programa de vacinação e a piora do quadro da pandemia devem travar a retomada econômica. Os erros do governo e do Banco Central podem elevar bastante os juros. Especialistas estimam que, em 2022, a taxa básica Selic pode chegar a 9%

Rosana Hessel
postado em 27/03/2021 21:27
 (crédito: Leonardo Cavalcanti/CB/D.A Press - 17/12/16)
(crédito: Leonardo Cavalcanti/CB/D.A Press - 17/12/16)

O Brasil está pagando pelos erros do governo, principalmente no combate à pandemia de covid-19, e isso se reflete na conjuntura interna, cada vez mais turbulenta. Não à toa, projeções do mercado já apontam para um cenário com juros nas alturas, de 9% em 2022, marcando o fim do ciclo de juros reais negativos, que o país não soube aproveitar para crescer de forma robusta e sustentável.

A pandemia da covid-19 vive o seu pior momento, com o país superando a marca de 300 mil mortes e se aproximando do novo recorde de 4 mil óbitos diários, sem que a vacinação avance a contento, apesar das promessas tardias do Ministério da Saúde, de compra de imunizantes que só devem chegar mesmo no segundo semestre para o grosso da população. Enquanto isso, a economia caminha para uma recessão técnica — quando há dois trimestres consecutivos de queda — num cenário em que a inflação só sobe e corrói o poder de compra do brasileiro, criando um ambiente propício à estagflação, o pior dos mundos na literatura econômica. E, na contramão, o Banco Central (BC) resolveu fazer um aperto monetário mais forte no olho desse furacão.

O mercado, por sua vez, está cobrando seu preço por meio de juros, pois a curva futura está inclinada (em alta), mostrando uma taxa básica da economia (Selic) de 9% em 2022. Para este ano, apesar de o BC sinalizar que uma Selic de 4,5% em dezembro seria suficiente para conter a inflação dentro da meta, poucos acreditam nesse percentual. Crescem as apostas de algo mais próximo da taxa neutra, de 6% e 6,5%, ou seja, no limite para o estímulo da atividade, de acordo com analistas.

Segundo especialistas, apesar do discurso do BC, de buscar baixar o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que ameaça romper o teto da meta, de 5,25% anuais, a autoridade está se comunicando muito mal. Depois de falar pelos cotovelos em lives com agentes de mercado no ano passado — algo que não deveria ocorrer, porque a autoridade monetária tem que zelar pela discrição —, os diretores do BC só provaram que são amadores e, alguns deles, muito fracos para o cargo que ocupam, de acordo com fontes do mercado.

Além disso, não demonstram a verdadeira autonomia conquistada recentemente no Congresso Nacional. A desconfiança aumentou após a última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), quando o BC decidiu elevar a Selic em 0,75 ponto percentual, para 2,75% anuais, acima das previsões do mercado, de 0,50 ponto. A medida, mais dura, foi mal explicada e gerou mais desconfiança. No comunicado, o BC alegou que o choque de preços era “temporário”, o que não justificaria a antecipação do ciclo de alta da Selic.

No entender do ex-diretor do Banco Central Carlos Thadeu de Freitas Gomes, economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), a autoridade monetária errou ao conservar a Selic no menor patamar da história por mais tempo do que deveria, pois, em 2020, já havia mudanças no cenário da inflação. “Os diretores não explicaram logo em seguida a correção desse erro. Apenas duas semanas depois, tentaram rebater críticas, na apresentação do Relatório de Inflação (quinta-feira). A justificativa, de que a alta mais forte na Selic ocorreu porque as coisas mudaram agora, no pior momento da pandemia, não convenceu”, explica. “O BC tem que se antecipar a esses movimentos e não é o que está ocorrendo. Está só reagindo”, lamenta. Para ele, o BC mostrou que sua maior preocupação é com o dólar, que continua valorizado por conta das incertezas internas, e não com a inflação de fato.

Desconfiança

O mercado percebeu o erro do BC e, por conta disso, aposta em uma correção mais forte do que a alta de 75 pontos-base sinalizada pelo órgão para a próxima reunião do Copom de maio, quando a inflação poderá se aproximar de 8%. Analistas do mercado preveem alta de, pelo menos, 100 pontos-base. Essa desconfiança do mercado no governo e no BC, aliás, está sendo refletida na curva de juros futuros, destaca Sergio Goldenstein, consultor independente da Ohmresearch Independent Insight. “A curva de juros futuros já mostra uma Selic de 6,5%, em dezembro deste ano, e de 9%, no fim de 2022”, afirma. “Pesaram, no mercado de juros futuros, a decisão e o comunicado do Copom. Acho que o BC exagerou na dose ao colocar mais foco na inflação de 2021 do que na de 2022. E está superestimando a atividade neste ano”, acrescenta.

A mediana das projeções do mercado para a Selic deste ano passou de 5,5%, na semana passada, para 6%, nesta semana, conforme dados do boletim Focus, do BC. Para 2022, está em 6% há 21 semanas, mas poderá sofrer alterações nos próximos relatórios. O que contribui para essa pressão maior nos juros é o enorme volume de títulos públicos que devem vencer até maio. O Tesouro Nacional precisará fazer a rolagem de nada menos que R$ 518 bilhões nesses três meses, apesar de o órgão afirmar que “têm um colchão de liquidez para seis meses”, de R$ 933 bilhões.

Esses papéis vencem justamente em um momento em que o Orçamento de 2021, apesar de recém-aprovado pelo Congresso Nacional, é de difícil execução, porque ameaça quebrar as regras fiscais devido ao subdimensionamento das despesas. Com isso, a União fica em maus lençóis nos quesitos confiança e capacidade de honrar compromissos. Logo, o mercado vai cobrar o prêmio de risco quando o Tesouro quiser trocar os títulos vincendos por papéis com prazos mais longos, prefixados ou pós-fixados.

Outro termômetro do aumento da desconfiança, o risco-país voltou a crescer. Chegou a 220,1 pontos para o contrato de cinco anos do Credit Default Swap (CDS) na sexta-feira, alta de 15,84% em apenas uma semana.

15,8%
Foi a alta do risco-país em uma semana, para 220,1 pontos

1,8%
É a expectativa da MB Associados para o crescimento do PIB em 2022


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Excesso de otimismo do BC

 (crédito: Minervino Junior/CB/D.A Press - 5/2/19)
crédito: Minervino Junior/CB/D.A Press - 5/2/19

As previsões do Banco Central para o Produto Interno Bruto (PIB) — reduziu de 3,8% para 3,6% a estimativa de crescimento neste ano — são para lá de otimistas. Até o Ministério da Economia prevê uma taxa menor, de 3,2%. As projeções do mercado estão sendo revisadas para menos de 3%, ou seja, abaixo das estimativas mais conservadoras de carry over (carregamento estatístico do PIB do ano anterior). Logo, isso significa que não haverá crescimento econômico em 2021, apenas inercial, quadro que pode piorar se os juros explodirem este ano, afetando também o crescimento de 2022.

Algumas projeções para o próximo ano já mostram um avanço bem mais modesto do PIB no ano que vem. Sergio Vale, da MB Associados, acaba de revisar de 2,4% para 1,8% a expectativa de avanço do PIB, em 2022, pois não vê espaço para crescimento maior dada a lentidão da vacinação. Por enquanto, ele prevê Selic encerrando 2021 em 5,5%, passando para 6,5% no ano que vem. “Os juros podem chegar a 6,5% antes até, não descarto isso”, diz.

A economista Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria, reconhece que tenta acreditar no discurso do BC de que a Selic encerrará o ano em 4,5%. “O mercado está mais preocupado com a inflação, mas a nossa avaliação é de que o BC precisa fazer um ajuste monetário mais gradual, porque a atividade está fraca e o PIB deve crescer 2,7%, neste ano, pelas nossas projeções. Logo, não há muito espaço para subir os juros, pois a ociosidade ainda é muito grande”, justifica.

Para Luis Otavio de Souza Leal, economista-chefe do Banco Alfa, acha que a Selic pode chegar a 5% no fim do ano, mas ele é totalmente contra a ideia de a taxa chegar a 6%. “Estamos no auge do fluxo negativo de notícias e é provável que, depois desta semana, o quadro comece a melhorar”, aposta.

Para Carlos Thadeu de Freitas Gomes, da CNC, a autoridade monetária precisará ser muito clara na sua comunicação daqui para frente a fim de não criar tanto ruído no mercado, o que só prejudica a atividade econômica. “O BC precisa dar uma mensagem de que não vai subir os juros na pandemia e fazer o que os Estados Unidos estão fazendo. Tem que ser firme agora, senão o BC vai ser operado pelo mercado. E, se isso ocorrer, é muito ruim. O mercado nunca pode habitar o BC. É o BC que opera o mercado e não vice-versa”, frisa.(RH)


Vacinação precisa ser prioridade

A pandemia avança, deixa um rastro de destruição e aumenta a incerteza sobre a retomada da economia, especialmente, depois de o Banco Central iniciar um novo ciclo de aumento na taxa básica da economia (Selic). As discussões sobre o que vai ditar o ritmo da economia daqui para frente apontam um consenso: sem a vacinação em massa, o país não voltará a crescer.

“Esse ponto da vacinação em massa é central para a atividade econômica. Como o quadro está completamente descontrolado, o que nos resta é acelerar o ritmo de vacinação o quanto antes para que a atividade volte a se normalizar”, destaca a economista Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria. Pelas estimativas da entidade, considerando as vacinas que têm contrato de compra assinado e levando em consideração cerca de 20% de atraso no programa, o país só conseguirá atingir a taxa mínima para a imunidade de rebanho (vacinar, pelo menos, 70% da população) no fim do ano. “O cenário pessimista, de que isso só ocorrerá em 2022, vem dando sinais de que será o mais provável”, lamenta.

Pelas projeções da Tendências, o Produto Interno Bruto (PIB) deve registrar quedas de 0,6%, no primeiro trimestre, e de 0,9%, no segundo trimestre, configurando um quadro de recessão técnica. A economista torce para uma aceleração das vacinações a partir do terceiro trimestre para que o PIB não seja tão afetado. Segundo ela, a consultoria reduziu de 2,9% para 2,7% a previsão de crescimento do PIB deste ano, mas, se não houver vacinação, esse cenário, embora ainda positivo, "corre o risco de não ser concretizado".

Bode expiatório

O economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, reforça que o mais importante para a política econômica, agora, é a vacinação, e o Banco Central pode servir de bode expiatório do governo nesse sentido. “A demora na vacinação atrasa a recuperação. Mas o governo não pode culpar o BC por algo que o governo não entregou”, acrescenta.

Assim como Vale e Alessandra, Luis Otavio de Souza Leal, economista-chefe do Banco Alfa, também considera a imunização fundamental para a retomada da economia e aposta no avanço da vacinação a partir de maio. “Na segunda quinzena de abril, já vai ser possível vacinar em torno de 1,2 milhão de pessoas por dia e, em maio, 1,5 milhão. Com isso, dará para chegar a pouco menos de 50% da população adulta ao final de junho e início de julho”, aposta.

O economista José Luis Oreiro, professor da Universidade de Brasília (UnB), não poupa críticas ao BC. “O aumento de juros só vai piorar as coisas. Se o governo não acelerar o programa de imunização, haverá um caos social.”(RH)

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