
Em ofício enviado, ontem, ao presidente Jair Bolsonaro, o relator do Orçamento de 2021, senador Marcio Bittar (MDB-AC), recuou parcialmente da manobra contábil, proposta por ele, para criar R$ 26,5 bilhões em despesas com emendas parlamentares cortando o mesmo montante de despesas obrigatórias, incluindo R$ 13,5 bilhões em aposentadorias. No documento encaminhado ao Executivo, o senador sugeriu o cancelamento de R$ 10 bilhões.
O recuo do senador deve abrir espaço para o Executivo remanejar gastos, por meio de um decreto ou uma portaria. No entanto, embora elogiada por integrantes da equipe econômica, a medida não alivia os problemas da peça orçamentária aprovada no último dia 25 pelo Congresso Nacional, e ainda demandará uma série de vetos ao texto.
De acordo com técnicos do governo, a proposta de Bittar é insuficiente e exige que o corte ocorra apenas após a sanção do Orçamento, algo impossível no momento. “É um gesto político importante, mas não resolve”, disse uma fonte da equipe econômica ao Correio.
O Orçamento de 2021 é considerado inexequível porque não atualiza os parâmetros macroeconômicos, subdimensiona as despesas e superestima as receitas. Além disso, o relator não atualizou o reajuste já efetivado desde janeiro no salário mínimo, de R$ 1.067 para R$ 1.100, o que cria um rombo de quase R$ 12 bilhões que ainda precisará ser coberto. E esses são apenas alguns dos problemas da peça orçamentária.
Segundo analistas, a sanção do Orçamento nas atuais condições implica, inevitavelmente, crime de responsabilidade fiscal para o presidente da República, o ministro da Economia e os gestores da área orçamentária. Essa situação vem tirando o sono da equipe econômica. Alguns técnicos já ameaçaram abandonar o governo se não houver uma solução dentro das regras fiscais, e já se cogita um “apagão de canetas”.
Para piorar, técnicos do Legislativo ainda não concluíram o detalhamento das despesas que foram aprovadas, o chamado “autógrafo” do Orçamento. Sem ele, a equipe econômica não tem como calcular os valores que extrapolam as regras fiscais e assim definir o inevitável contingenciamento de despesas discricionárias e de emendas parlamentares.
Vale lembrar que pelas estimativas da Instituição Fiscal Independente (IFI), o governo precisará cortar R$ 31,9 bilhões em despesas do Orçamento para cumprir a regra do teto — emenda constitucional que limita o aumento das despesas à inflação do ano anterior — dado acima da previsão de R$ 17,6 bilhões feita pela equipe econômica antes da manobra do relator.
A emenda do teto pode ser burlada se houver um acordo do governo com parlamentares para aumentar o volume de créditos extraordinários que não estejam relacionados ao combate à pandemia, como é o caso dos R$ 44 bilhões previstos para o pagamento da nova rodada do auxílio emergencial a partir deste mês. A regra permite emissão extraordinária de dívida pública em caso de calamidade, mas analistas temem uma banalização dessa válvula de escape para aprovar emendas que estão estourando o Orçamento.
Crimes fiscais
O especialista em contas públicas Gil Castello Branco, secretário-geral da Associação Contas Abertas, também considerou o corte proposto por Bittar de pouco efeito, na prática. “É uma meia-sola, um remendo novo em um sapato velho”, comparou. Pelas contas dele, as emendas parlamentares somavam R$ 46,3 bilhões antes do ofício e, passariam para R$ 36,3 bilhões. Segundo ele, um dos principais problemas do Orçamento é justamente a manobra contábil de Bittar, que corta despesas obrigatórias, como as aposentadorias. “Essa é uma era uma irregularidade flagrante”, alertou.
Os crimes apontados no Orçamento por analistas são vários, como pedaladas fiscais, contabilidade criativa e maquiagem contábil. Alguns deles, inclusive, reconhecem que a situação fiscal atual pode ser considerada pior do que a existente quando foi aberto o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff pelas famosas "pedaladas fiscais".
Um grupo de 21 parlamentares, inclusive, já acionou o Tribunal de Contas da União (TCU) para dar um parecer sobre o Orçamento e os riscos de pedaladas fiscais de Bolsonaro. O relatório está sendo elaborado pelo ministro Bruno Dantas.
Especialista em contas públicas e analista do Senado, o economista Leonardo Ribeiro não descartou o crime de pedaladas na peça orçamentária. “Na essência, a ação de subestimar despesas obrigatórias para inflar o orçamento das despesas discricionárias é uma pedalada”, frisou.
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Dívida pública chega 90% do PIB
As contas públicas continuam desequilibradas, pois o governo não consegue gastar menos do que arrecada. Com isso, o endividamento do país não para de crescer e, em fevereiro, bateu novo recorde. Segundo dados do Banco Central divulgados ontem, a dívida pública bruta alcançou 90% do Produto Interno Bruto (PIB) no mês passado, somando R$ 6,744 trilhões, o maior patamar da série histórica da autoridade monetária, iniciada em 2006.
O Brasil sempre teve um endividamento público elevado. Se comparado com a média de países emergentes, chega a aproximadamente 50% do PIB. Mas esse dado piorou após o aumento dos gastos, no ano passado, no combate à pandemia. Com a desconfiança crescente de que o governo abandonará a política de austeridade fiscal, diante do aumento da frustração com a retomada da economia e das confusões do governo com o Congresso em torno do Orçamento de 2021, o cenário só piora.
Para especialistas, a dívida pública bruta continuará crescendo neste ano e em 2022, porque o governo continuará precisando se endividar para cobrir o rombo das contas públicas. “Provavelmente, temos uma tendência de que a dívida líquida e a bruta possam aumentar, mas menos do que ocorreu no ano passado. Os deficits serão menores, mas a necessidade de financiamento continuará existindo”, admitiu o chefe do Departamento Estatístico do Banco Central, Fernando Rocha.
Pelas estimativas de Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, em 2022, a dívida bruta chegará a 93% do PIB. “O crescimento seguirá fraco no ano que vem e haverá uma expansão fiscal por conta do ajuste do teto com uma inflação que estará em torno de 7,5% ou mais”, alertou o analista. Ele lembrou que os custos da dívida devem ficar ainda mais elevados no ano que vem por conta dos riscos políticos em torno das eleições. (RH)