CONTAS PÚBLICAS

PEC fura-teto prevê gasto extra de R$ 35 bilhões

Emenda constitucional está sendo negociada com o Congresso para acomodar despesas incluídas pelos parlamentares no Orçamento de 2021 e programas de combate aos efeitos da pandemia, sem que o Executivo seja responsabilizado por desobedecer às regras fiscais

Marina Barbosa
Rosana Hessel
postado em 14/04/2021 06:00 / atualizado em 14/04/2021 10:15
Paulo Guedes: busca de alternativas fora da agenda liberal para possibilitar acordo em torno da Lei Orçamentária é criticada por especialistas -  (crédito: Edu Andrade/Ascom/ME)
Paulo Guedes: busca de alternativas fora da agenda liberal para possibilitar acordo em torno da Lei Orçamentária é criticada por especialistas - (crédito: Edu Andrade/Ascom/ME)

A novela do Orçamento de 2021 parece não ter fim. O impasse em torno de um acordo para a sanção da peça orçamentária, aprovada no último dia 25 pelo Congresso Nacional, tem levado o ministro da Economia, Paulo Guedes, a buscar alternativas fora da agenda liberal que defende. É o caso da Proposta de Emenda à Constituição (PEC), que prevê uma alternativa para furar o teto de gastos — emenda constitucional que limita o aumento de despesas à inflação do ano anterior.

Conforme minuta dessa PEC “fura-teto” que circulou, ontem, pela Esplanada dos Ministérios, o estouro seria de, pelo menos, R$ 35 bilhões via gastos extraordinários que não seriam incluídos nas regras fiscais. Essa burla, segundo analistas, poderá superar R$ 50 bilhões em um Orçamento que continuará cheio de problemas, pois as receitas estão superestimadas e as despesas, sub-dimensionadas.

Dos R$ 35 bilhões de créditos extraordinários que ficariam fora do teto, R$ 10 bilhões seriam destinados para a preservação ou a criação de postos de trabalho; R$ 7 bilhões para a concessão de crédito, por meio de fundos garantidores, às empresas; e R$ 18 bilhões para outras despesas para atenuar os impactos sanitários, sociais e econômicos, agravados pela pandemia da covid-19. Mas há outras despesas que não foram mensuradas.

“Há outros gastos com saúde que estão em aberto, e a aceitação integral das emendas no inciso 8 do artigo 166. Logo, além de manter o Orçamento como está, ainda tenderia a aumentar a despesa, possivelmente, na casa dos R$ 50 bilhões a depender dos gastos com saúde”, alertou Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados.

Fontes do governo informaram que a PEC foi elaborada “em comum acordo entre a Economia e a Casa Civil”. Ontem, à noite, as negociações entre a pasta e o Palácio do Planalto continuavam, em meio a rumores de que, após a péssima repercussão entre especialistas, a PEC poderia ser até descartada.

“Se a PEC for confirmada, pode abrir uma brecha enorme no regramento fiscal vigente. Não é uma boa solução e cria novos problemas, apesar de, potencialmente, ajudar na equação do Orçamento de 2021”, comentou Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI). “A equipe econômica tem que parar de pensar em PEC e colocar a mão na massa”, disparou o analista do Senado Leonardo Ribeiro.

Crimes fiscais

A peça orçamentária foi aprovada pelo Congresso com R$ 26,5 bilhões de despesas adicionais de emendas parlamentares, criadas a partir do cortes de despesas obrigatórias, como aposentadorias, na contramão da Lei de Responsabilidade Fiscal. Se o presidente Jair Bolsonaro sancionar o Orçamento, pode cometer vários crimes de responsabilidade, pois o Orçamento é considerado inexequível. As denúncias de irregularidades estão sendo investigadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU), cujos auditores já alertaram para um apagão da máquina pública se não houver vetos.

Pelos cálculos da IFI, existe um estouro de R$ 31,9 bilhões no Orçamento de 2021 em despesas sujeitas à regra do teto. Logo, o governo precisará cortar despesas nesse mesmo montante se a peça orçamentária for sancionada sem alterações ou vetos.

Fontes do governo reforçaram que a equipe econômica passou a trabalhar nessa nova PEC “por entender que ela seria menos prejudicial do que um novo estado de calamidade pública”. Acionar novamente a calamidade é algo já cogitado por parlamentares por conta do agravamento da pandemia, e o ministro Paulo Guedes vê essa saída como um “cheque em branco, que não interessa ao país”. Ele entende que, se for para furar o teto de gastos, é melhor limitar esse gasto extra. Por isso, defende essa nova PEC como “forma de recriar programas de enfrentamento à covid-19, que têm sido exigidos pela classe política e pelo setor produtivo”, como o Benefício Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda (BEm) e o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe).

“A ideia da PEC é fazer algo cirúrgico, porque o estado de emergência poderia ser prolongado várias vezes. Porém aprovar uma PEC é mais trabalhoso”, comentou o economista-chefe da Necton Investimentos, André Perfeito. Ele disse que, apesar de ter reagido mal à PEC, o mercado compreende que é preciso fazer novos gastos para o enfrentamento à pandemia porém, cobrou mais planejamento do governo federal.

Pressa para PLDO de 2022

Enquanto o nó do Orçamento não desata, a equipe econômica também corre contra o tempo para concluir o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2022, que define, entre outras coisas, a meta fiscal do ano que vem. O prazo para a entrega termina amanhã. A meta fiscal deste ano era flexível, mas o Tribunal de Contas da União (TCU) alertou sobre a ilegalidade da medida e, com isso, a equipe econômica fixou como objetivo fiscal de 2021 deficit primário de até R$ 247,1 bilhões para as contas do governo federal, o equivalente a 3,16% do Produto Interno Bruto (PIB). O PLDO deste ano previa rombo de até R$ 178,9 bilhões em 2022, ou 2,14% do PIB. É provável que a meta fiscal do ano que vem fique em torno desse patamar.


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