Insegurança alimentar

Brasileiros de baixa renda sofrem com a dificuldade de comprar alimentos

Persistência da pandemia coloca um número crescente de brasileiros sob risco de perder o acesso à alimentação. Levantamento mostra que, no fim do ano passado, 27% da população enfrentava um quadro grave do problema. Em 2004, esse percentual era de 16%

Marina Barbosa
Fernanda Strickland
Alexia Oliveira*
Pedro Ícaro*
postado em 15/04/2021 06:00
 (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press)
(crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press)

Moradora de Palmas, a vendedora ambulante Letícia Lorenço, 38 anos, enfrenta uma situação cada vez mais presente na vida de brasileiros de baixa renda diante da persistência da pandemia do novo coronavírus: a dificuldade para comprar alimentos. “Passamos por muita dificuldade, principalmente, quando começou a pandemia. Sou ambulante, mas o dinheiro não é suficiente para comprar comida e pagar as contas, está muito apertado. Moro com seis pessoas e recebemos ajuda de um projeto social. Quando não tínhamos o que comer, tivemos que recorrer a doações”, contou.

Letícia é uma das pessoas que integram a população que vive em situação de insegurança alimentar no Brasil. Como informou reportagem publicada ontem pelo Correio, mais da metade dos brasileiros não tem plenamente garantido o acesso à comida no país, segundo levantamento feito pelo Grupo de Pesquisa Alimentos por Justiça, da Freie Universität Berlin (Alemanha), em conjunto com pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Universidade de Brasília (UnB). De acordo com a pesquisa, a insegurança alimentar grave ou moderada atingiu 27,7% da população no final do ano passado, ou 58 milhões de brasileiros, contra 16,8% em 2004.

Em Palmas, Letícia recebe ajuda o projeto social Unidos por Um Mundo Melhor (UPMM). A coordenadora do projeto na capital do Tocantins, Júlia Albuquerque, afirmou que, com a chegada da pandemia o número de pessoas buscando o programa triplicou. “Antes mesmo da crise sanitária, muitas famílias estavam cadastradas e, com a pandemia, esse número triplicou. Infelizmente as doações não aumentaram. Muitas famílias não têm o básico, não tem café da manhã ou uma janta, e só o projeto social não dá conta de que elas tenham acesso ao que é delas por direito”, disse.

“Estou desempregada, moro de favor e cuido de três filhos pequenos, passo por muitas dificuldades. Mesmo recebendo o Bolsa Família, o dinheiro não dá pra pagar as contas e comer. Quando estava sem comida em casa, tive que recorrer a uma amiga que me ajudou”, conta Karen Mikaele dos Santos Lima de 26 anos, também residente em Palmas.

Em Brasília, Rejane Souza, 21 anos, é uma das representantes do projeto social Doe Amor. Há um ano voluntários promovem ações no Distrito Federal e Entorno. “No início, eu e minha irmã, Beatriz, vimos que muitas empresas tiveram que demitir funcionários e ficamos sensibilizadas. A empresa onde trabalhávamos juntas também foi um exemplo, ficávamos localizadas em uma comercial e foi entristecedor ver tantas pessoas sem emprego. Com isso nós tivemos a ideia de juntar esforços e montarmos cestas de doações para ajudar as famílias que estavam precisando. Assim surgiram as primeiras entregas”, explicou.

*Estagiários sob a supervisão de Odail Figueiredo

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Brasília tem a cesta mais cara

 (crédito: Arquivo Pessoal)
crédito: Arquivo Pessoal

Após 11 meses consecutivos de alta, a Associação Brasileira de Supermercados (Abras) afirma que já é possível observar um movimento de recuo e acomodação nos preços dos alimentos. A entidade explica que, em fevereiro, a cesta dos 35 produtos mais consumidos nos supermercados ficou 0,47% mais barata. O preço, no entanto, ainda é alto, sobretudo em Brasília, onde a cesta é a mais cara do país.

A cesta Abrasmercado observa o custo dos 35 produtos que mais aparecem na feira dos brasileiros e, mesmo com a redução de fevereiro, ainda custa R$ 633,38. E o valor chega a R$ 724,20 em Brasília. O menor valor não está muito longe daqui: é em Goiânia, onde a cesta sai por R$ 497,80.

O alto custo da cesta Abrasmercado reflete o aumento expressivos dos alimentos nos últimos meses. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apesar da desaceleração recente, a inflação da alimentação no domicílio acumula alta de 19,42% nos 12 meses encerrados em fevereiro. Além disso, naquele mês, a pesquisa apontou elevação na cebola (17,45%), farinha de mandioca (3,33%), açúcar (2,79%), ovos (2,65%) e leite em pó (2,63%). O cenário de preços altos afetou as vendas, que caíram 6,75% em fevereiro, em relação a janeiro.

Vice-presidente da Abras, Marcio Milan explicou que problemas climáticos afetaram o preço de produtos como a cebola. Porém, ressaltou que a entrada de novas safras favorece a redução de preços de outros itens, como o arroz, e disse que a manutenção dos níveis de exportação brasileira também enseja a acomodação de outros preços. “Em fevereiro, todas as regiões tiveram recuo ou acomodação nos preços, exceto no Nordeste”, afirmou.

Coordenador do índice de preços da Fundação Getúlio Vargas (FGV), André Braz disse que nada garante que esse movimento continue nos próximos meses. “Começamos o ano com aumentos menos intensos, mas o real continua muito desvalorizado frente ao dólar e as novas safras não vão aumentar abruptamente a oferta de alimentos”, alertou.


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