CONJUNTURA

Queda de braço: falta de acordos transforma Orçamento em bomba-relógio

A poucos dias da sanção, ainda não há acordo entre Bolsonaro e os partidos do Centrão para o impasse de redução das emendas. E mesmo que o presidente pegue a caneta, o Congresso pode derrubar os vetos sem parcimônia em meio à CPI da Covid

Rosana Hessel
postado em 18/04/2021 06:00
 (crédito: Maurenilson Freire/CB/D.A Press)
(crédito: Maurenilson Freire/CB/D.A Press)

A crise instaurada em torno do Orçamento de 2021 — aprovado no último dia 25 e considerado inexequível por especialistas e pela equipe econômica — coloca em xeque a regra do teto de gastos, mesmo se o presidente Jair Bolsonaro sancionar a peça orçamentária com vetos. Diante do enfraquecimento político do chefe do Executivo devido à queda da popularidade nas medidas para o combate ao novo coronavírus, o que provocou a instalação da CPI da Covid, e ao ressurgimento do petista Luiz Inácio Lula da Silva no xadrez eleitoral pelas mãos do Supremo Tribunal Federal (STF), o Congresso poderá derrubar os vetos do presidente sem parcimônia. Com isso, a emenda constitucional que limita o aumento de despesas à inflação do ano anterior poderá cair sobre as cabeças do ministro da Economia, Paulo Guedes, e de Bolsonaro.

A contagem regressiva para a sanção do Orçamento termina na próxima quinta-feira (22). Contudo, ainda não há um acordo entre o governo e os partidos do Centrão sobre uma saída para o impasse de redução das emendas que foram criadas durante a votação da matéria no Congresso e que criaram um rombo de R$ 31,9 bilhões para o cumprimento do teto, pelos cálculos da Instituição Fiscal Independente (IFI). Logo, uma bomba fiscal está armada devido aos erros do governo, que subestimou a segunda onda da pandemia e não fez um Orçamento com parâmetros realistas.

E, apesar de o mercado financeiro achar que o teto de gastos ainda pode ser preservado, nos últimos dias, até técnicos do Fundo Monetário Internacional (FMI), em reuniões com o governo, demonstraram preocupação elevada com a piora do quadro fiscal do Brasil diante do impasse no Orçamento. A dívida pública bruta brasileira, de 90% do Produto Interno Bruto (PIB) pelos cálculos do Banco Central (BC), está em um patamar preocupante para um país emergente e, pelos cálculos do FMI feitos antes de todo esse imbróglio da peça orçamentária, deveria chegar a 100% do PIB em 2023.

O Ministério da Economia, que apresentou recentemente um Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) sobre um Orçamento fictício de 2021, prevê um superavit primário (economia para o pagamento dos juros da dívida pública) entre 2026 e 2027. No entanto, as projeções da IFI indicam que as contas do governo federal devem continuar no vermelho, pelo menos até 2030.

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- (foto: Editoria de ilustração)

Planalto dividido

O chefe do Executivo está dividido entre agradar o Centrão e seguir a orientação da equipe econômica para vetar as emendas excedentes a fim de não cometer crimes de responsabilidade fiscal. Fontes do governo admitem que a solução está complicada. As sugestões de uma saída, até agora, bateram na trave, como a da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) fura-teto, elaborada pela Economia em conjunto com a Casa Civil, segundo fontes da equipe econômica e que vai na contramão da cartilha liberal que era defendida por Guedes no início do mandato.

Entretanto, a PEC, que não agradou o mercado, principalmente, não foi totalmente abandonada por Guedes, que acabou ganhando a fama de seu maior rival, o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, chamado por ele de “ministro fura-teto”. Não à toa, o Posto Ipiranga vem sendo bombardeado pelos líderes do Centrão, que fazem coro com analistas que afirmam que o todo poderoso da Esplanada “não é mais insubstituível”.

No meio dessa confusão, o teto de gastos continua sob ameaça e a PEC Emergencial — que liberou os R$ 44 bilhões de gastos extraordinários para a nova rodada emergencial e criou alguns gatilhos de corte de despesa para a regulamentação da regra do teto — não é vista como uma âncora fiscal adicional, apesar de o governo defender essa tese. “A PEC Emergencial foi muito decepcionante e não tem efeito no curto prazo”, destaca a economista e consultora Zeina Latif, ex-economista-chefe da XP Investimentos.

Extra-teto

Para a analista, a manutenção do teto preocupa muito. “Acho difícil para o Centrão aceitar vetos de emendas, até porque tem muita coisa acertada com ministérios, como o MDR. E diante da situação do governo, acho que Bolsonaro não deve ir por esse caminho do veto, porque seria preciso um governo com maior capacidade política para isso. E não é o caso”, afirma Zeina.

“O teto virou uma colcha de retalhos com tentativas de salvar as regras fiscais. Está tudo muito confuso e dá uma sensação de que o país está desancorado (fiscalmente) neste ano. Ele não acabou totalmente, porque o governo ainda está falando em teto para o ano que vem”, destaca a economista e advogada Elena Landau, responsável pelo programa de privatização do governo Fernando Henrique Cardoso. “O atraso no Orçamento deste ano se transformou em um enorme problema fiscal e o presidente não tem como escapar do veto, mas isso vai gerar reações do Congresso. A ideia da nova PEC é muito ruim se for cogitada, porque abre espaço para um extra-teto de despesas que não tem nada a ver com a covid-19”, emenda o especialista em contas públicas Felipe Salto, diretor-executivo da IFI.

A economista e especialista em contas públicas Selene Peres Nunes, uma das autoras da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), reforça a necessidade de Bolsonaro vetar parcialmente o Orçamento. “Motivos não faltam e ele tem a caneta na mão. A LOA (Lei Orçamentária Anual) deste ano foi aprovada pelo Congresso com uma redução artificial das despesas obrigatórias com a Previdência Social para abrir espaço para aumentar as emendas parlamentares. Como as despesas obrigatórias terão que acontecer de qualquer forma, pela LRF, as despesas discricionárias teriam que ser contingenciadas, o que pode ser impossível dado o montante exigido”, alerta.

Segundo Selene, o governo precisará abrir créditos adicionais, sem que tenha contingenciado no valor necessário. “Estaremos numa situação semelhante à que levou ao impeachment da ex-presidente Dilma. Além do rompimento do teto de gastos, o descumprimento da LRF poderá ser objeto de sanção. Isso, porém, pode ser evitado”, acrescenta.

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