CONJUNTURA

Orçamento criativo ameaça meta fiscal, avaliam especialistas

Especialistas em contas públicas criticam fortemente acordo que cria mais de R$ 100 bilhões em despesas fora do teto de gastos, fruto das negociações entre governo e Centrão. Guedes minimiza as críticas: "Tem muito barulho rodando por aí "

Rosana Hessel
postado em 21/04/2021 00:24 / atualizado em 21/04/2021 10:30
 (crédito: Edu Andrade/Ascom/ME)
(crédito: Edu Andrade/Ascom/ME)

O acordo firmado entre o governo e o Congresso para a sanção do Orçamento de 2021, alterando a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) deste ano e abrindo espaço para gastos emergenciais fora da regra do teto, foi mal recebido pelo mercado ontem. A terça-feira foi marcada com alta do dólar, queda na Bolsa de Valores de São Paulo (B3) e alta nos juros futuros, em um claro sinal de desconfiança.

Especialistas não pouparam críticas ao acordo ainda mal explicado, que deve incluir mais de R$ 100 bilhões de despesas fora do teto de gastos, em clara indicação de que a âncora fiscal foi recolhida. Os analistas afirmaram que as contas não fecham e que os riscos de desrespeito à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) só aumentaram.

O Orçamento deste ano precisa ser sancionado até amanhã. Durante a votação da peça orçamentária, aprovada no último dia 25, parlamentares incluíram uma série de emendas que explodiram as despesas. Apenas o relator, o senador Marcio Bittar (MDB-AC), criou R$ 26,5 bilhões em emendas para obras eleitoreiras, cortando gastos obrigatórios como aposentadorias. As irregularidades estão sob análise do Tribunal de Contas da União (TCU).

Para analistas, a confusão resulta da falta de atualização de dados macroeconômicos pela equipe econômica, subestimando as despesas. Esse vácuo permitiu ao Palácio do Planalto negociar alto com parlamentares do Centrão nas eleições das presidências da Câmara dos Deputados e do Senado. A estratégia do governo consistia em conter a centena de pedidos para abertura de processos de impeachment contra Jair Bolsonaro que se acumulam nas gavetas do Congresso.

Em vez de explicar os detalhes do acordo que cria mais de R$ 100 bilhões fora do teto de gastos, o ministro da Economia, Paulo Guedes, minimizou as críticas e disse que “o governo mantém o compromisso com a responsabilidade fiscal”. “Tem muito barulho rodando por aí enquanto o sinal verdadeiro é que o governo, após dois anos, conseguiu uma base de sustentação parlamentar”, disse, citando a aproximação do governo com o Centrão.

De acordo com Paulo Guedes, o acordo que ainda prevê um veto parcial do Orçamento mantém “o duplo compromisso do governo Bolsonaro com a Saúde e com a responsabilidade fiscal”, porque os gastos recorrentes continuarão sob a regra do teto. “Em 2021, vamos observar o mesmo protocolo de 2020 para os recursos para a Saúde”, afirmou.

Ausência de clareza
Analistas, no entanto, não compartilham da visão otimista do ministro. “O governo precisa mostrar as contas do teto de gastos para 2021 e, com clareza, quais despesas serão cortadas para cumprir essa regra constitucional. Aí os ruídos vão desaparecer, certamente”, apontou o especialistas em contas públicas Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI). Pelos cálculos da IFI, há um estouro de R$ 31,9 bilhões nas despesas sujeitas ao teto, cujo limite deste ano é de R$ 1,485 trilhão. Segundo ele, as contas, até agora, não fecham e há o risco de apagão da máquina permanece, porque haverá necessidade de contingenciamento para o cumprimento da regra do teto.

Salto lembrou que já foram editados mais de R$ 85 bilhões em créditos extraordinários, reaberturas de despesas do ano passado ou restos a pagar, incluindo os R$ 44 bilhões do auxílio emergencial que começou a ser pago neste mês. Segundo ele, se o veto parcial abrir um espaço de R$ 10 bilhões a R$ 12 bilhões, e o governo cortar mais R$ 9 bilhões de despesas discricionárias, que não foram detalhadas, ainda não seriam suficientes para evitar o estouro do teto estimado pela IFI, cuja previsão de despesas previdenciárias inferiores às projetadas pelo governo no último relatório de avaliação bimestral.

Fabio Klein, especialista em contas públicas da Tendências Consultoria, afirmou que a solução orçamentária encontrada pelo governo não estava no cardápio de possibilidades. Segundo ele, criou-se uma “interpretação elástica e perigosa das regras fiscais”, que deixa o teto de gastos como uma promessa “no papel”.

“A solução via alteração da LDO retratou a dificuldade de o governo controlar demandas expansionistas. As mudanças estavam direcionadas à retomada dos programas de emprego e crédito, mas o debate legislativo trouxe a proposta de retirada de determinados gastos das restrições das regras fiscais”, lamentou. “A medida não resolve os principais riscos fiscais e revela não apenas a força política do Legislativo sobre o Executivo, principalmente, sobre a equipe econômica, mas, também, uma postura elástica perigosa com relação às regras fiscais vigentes”, acrescentou.

Falta de planejamento

Economista-chefe do Banco Fator, José Francisco Lima Gonçalves destacou a frustração do mercado com o Orçamento do governo Bolsonaro, que ele chamou de “Orçamento criativo”, em uma alusão à contabilidade criativa que costumava ser praticada pelo governo de Dilma Rousseff, pois a solução para o impasse em torno do Orçamento foi “manter o teto de gastos sem manter o teto de gastos”. “Nada temos contra gastos emergenciais, sejam transferências de renda, sejam investimentos. Mas haverá despesas estimadas por baixo que não obedecerão ao teto nem à meta de resultado primário”, alertou.

No entender do especialista em contas públicas e analista do Senado Leonardo Ribeiro, essa confusão em torno do Orçamento é reflexo da falta de planejamento do governo e, nesse sentido, o Ministério da Economia está apegado ao que importa menos: o teto de gastos. “Precisamos resgatar os dois princípios básicos da LRF: a transparência e o planejamento. Fortalecer a capacidade institucional do país na área das finanças públicas. O que vem pela frente é parceria público-privada. O Estado não pode ser mais amador, pois terá um papel central na recuperação das estruturas econômicas e sociais do país”, defendeu.

Para o economista e professor da Universidade de Brasília (UnB) José Luis Oreiro, o imbróglio do Orçamento poderia ter sido resolvido em 31 de dezembro de 2020, se o governo não tivesse subestimado a segunda onda da pandemia e optado por renovar o estado de calamidade pública. “Quiseram inventar a roda, e a emenda ficou pior do que o soneto”, resumiu. Na avaliação de Oreiro, o impeachment de Bolsonaro, que foi adiado por conta desses acordos com o Centrão, poderá ocorrer pela CPI da Covid.

Arrecadação surpreende

A arrecadação total da União atingiu, em março de 2021, o valor de R$ 137,9 bilhões, registrando acréscimo real (descontada a inflação) de 18,49% em relação a março de 2020, conforme dados divulgados ontem pela Receita Federal. O dado superou as expectativas do governo e do mercado e é o melhor para o mês desde o início da série histórica, em 1995. No primeiro trimestre, a arrecadação alcançou R$ 431,1 bilhões, registrando aumento real (IPCA) de 6,83%. Os dados recordes da arrecadação federal foram comemorados pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. “Tivemos os melhores desempenhos arrecadatórios já registrados na série histórica e com aumentos reais expressivos”, festejou. Ele acrescentou que os saldos positivos ocorreram quando o país ainda não havia iniciado a segunda rodada de pagamento do auxílio emergencial.


Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação