Contas Públicas

Orçamento sancionado sob medida para atender ao Centrão

Ao sancionar a Lei Orçamentária de 2021, Bolsonaro corta verbas de áreas prioritárias como Educação e Saúde, mas preserva a maior parte das emendas parlamentares. Analistas apontam risco de paralisia da máquina pública

Marina Barbosa
Rosana Hessel
postado em 24/04/2021 06:00
 (crédito: Caio Gomez/CB/D.A Press)
(crédito: Caio Gomez/CB/D.A Press)

Ao publicar a Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2021, ontem, com vetos, o governo divulgou alguns detalhes do acordo com o Congresso para a sanção da peça orçamentária. Os cortes promovidos por Bolsonaro no texto aprovado em 25 de março pelo Congresso somaram R$ 29,1 bilhões, sendo que R$ 17,2 bilhões foram apenas despesas discricionárias, importantes para o funcionamento da máquina pública. Analistas ouvidos pelo Correio avaliam que a administração federal vai operar sob o risco constante de apagão, porque o governo resolveu priorizar as emendas parlamentares para obras eleitoreiras para montar palanque em 2022.

Do corte total da LOA, R$ 19,8 bilhões foram por meio de vetos a emendas parlamentares (R$ 11,9 bilhões) e supressão de despesas discricionárias (R$ 7,9 bilhões). Além disso, houve um bloqueio temporário de R$ 9,3 bilhões de gastos não obrigatórios do Executivo, via decreto de contingenciamento.

-
- (foto: editoria de ilustração)

Ao apresentar os dados, técnicos do governo não explicaram quais emendas foram preservadas em um claro movimento para evitar admitir que o presidente cedeu aos parlamentares do Centrão, no tradicional toma lá dá cá.

Porém áreas importantes não foram poupadas dos cortes, como o Ministério da Educação e o da Saúde — em meio ao momento mais grave da pandemia da covid-19.

Grosso modo, o corte de R$ 17,2 bilhões de despesas discricionárias reduziu de R$ 101,5 bilhões para R$ 84,3 bilhões os gastos não obrigatórios que constam na previsão autorizada pelo Congresso, sem incluir as emendas, mas cálculos mais precisos estão sendo feitos por analistas.

Risco

“Há um risco iminente de shutdown da máquina, e ele vai acontecendo aos poucos, como o caso do Censo”, alertou Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI). “O governo escolheu operar no fio da navalha”, destacou.

Já o corte de emendas foi menor: R$ 11,9 bilhões dos R$ 49,2 bilhões aprovados pelo Congresso. Ou seja, R$ 37,3 bilhões foram preservados. O secretário-geral da Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco, acredita que “ainda sobrou muita emenda”. “A solução do governo vai ser administrar o Orçamento na boca do caixa, à medida que forem surgindo problemas de funcionamento da máquina, ou seja, vai administrar tudo sob pressão, sem margem para correção de rumos”, lamentou.

Os ministérios do Desenvolvimento Regional (MDR) e da Educação (MEC) lideram as listas dos maiores vetos e bloqueios, somando, ao todo, R$ 3,9 bilhões e R$ 9,5 bilhões, respectivamente. No caso do MDR, que teve maior volume de redução conjunta, houve corte de R$ 8,6 bilhões de redução via vetos de emendas parlamentares. A Educação teve o maior contingenciamento, de R$ 2,8 bilhões, com bloqueios que vão desde modernização de universidades federais até compra de veículos para o transporte de alunos da educação básica. Procurada, a pasta informou que está avaliando os números, “bem como as implicações antes as políticas do ministério”.

Até mesmo o Ministério do Meio Ambiente (MMA), para o qual Bolsonaro prometeu dobrar as verbas de fiscalização durante a Cúpula do Clima, não tinha escapado do bloqueio, inicialmente, de R$ 255 bilhões. Contudo, no fim do dia, após a má repercussão da medida, a Economia divulgou uma nova planilha, sem contingenciamento para a pasta chefiada por Ricardo Salles. Mesmo assim, não haverá recursos suficientes para cumprir a promessa de Bolsonaro.

Teto

Na avaliação de Castello Branco, mesmo ameaçando o funcionamento da máquina, os cortes anunciados ontem não garantem o cumprimento do teto de gastos — regra que limita o aumento de despesas à inflação do ano anterior — neste ano. Isso, apesar de o Congresso ter alterado a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2021 autorizando o governo a colocar as despesas extraordinárias relacionadas à pandemia da covid-19 fora da regra.

“O Executivo se colocou em uma situação de risco. O nível de despesa discricionária é muito baixo. Por isso, o Executivo vai ficar controlando os recursos na boca do caixa e pode descontingenciar valores se uma área for drasticamente afetada. Porém não há margem para novas despesas no teto de gastos. Então, para desbloquear, vai precisar cortar outros gastos", explicou.

Pelos cálculos da IFI, o buraco para o cumprimento do teto de gastos neste ano é de R$ 31,9 bilhões. Portanto, o corte anunciado ainda não é suficiente para o cumprimento dessa regra. Além disso, mais de R$ 100 bilhões de despesas emergenciais ligadas à covid-19 ficarão extra-teto devido à alteração na LDO de 2021.

De acordo com o secretário da Contas Abertas, a confusão no Orçamento é fruto de uma decisão política do governo de Jair Bolsonaro. “Politicamente, não teve outra solução senão acatar o que o Legislativo impõe, por conta da CPI da Pandemia, impeachment e todas as ameaças que pairam sobre o presidente. O governo cedeu às pressões do Legislativo”, lamentou Castello Branco.

Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, avaliou que, mesmo com os cortes, o aumento de despesas que ficarão fora do teto de gastos levará o deficit primário deste ano a R$ 300 bilhões — acima da meta fiscal prevista na LDO de 2021, de R$ 241,7 bilhões.

BEm terá R$ 10 bi

Apesar de o governo ter prometido recriar o Benefício Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda (BEm) logo após a sanção do Orçamento de 2021, a medida ainda não saiu do papel. “A medida será muito brevemente reeditada, com toda segurança jurídica”, limitou-se a dizer, ontem, o secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues. A pasta pretende emitir um crédito extraordinário de R$ 10 bilhões para recriar o BEm, que permite acordos de redução salarial e suspensão do contrato de trabalho e vem sendo cobrado há meses pelos empresários brasileiros, como uma forma de evitar demissões durante a segunda onda da pandemia.

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Apagão estatístico

Os cortes do Orçamento de 2021 adiaram o Censo Demográfico e também ameaçam a execução da pesquisa em 2022. O Sindicato Nacional dos Trabalhadores do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (Assibge) promete acionar o Ministério Público (MP) e o Tribunal de Contas da União (TCU) para evitar que o Censo seja adiado novamente para 2023.

Aguardado desde 2020, o Censo precisa de R$ 3,4 bilhões, mas só levou R$ 53 milhões do Orçamento de 2021, publicado ontem pelo governo. “Não há previsão orçamentária para o Censo. Portanto, ele não se realizará em 2021”, afirmou o secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues.

O saldo é resultado do aumento das emendas parlamentares. É que o Congresso reduziu de R$ 2 bilhões para R$ 71 milhões a dotação do Censo 2021 para turbinar as emendas. O volume anterior já era considerado insuficiente, tanto que o IBGE suspendeu o concurso para recenseadores e a presidente do órgão, Susana Guerra, pediu demissão em março. Porém sofreu mais um bloqueio de R$ 17,5 bilhões na sanção do Orçamento pelo Executivo.

“Sobraram apenas R$ 53 milhões. É um orçamento que inviabiliza o Censo em 2021 e também em 2022, porque teria que ser mantido um conjunto de atividades preparatórias para que ele fosse realizado em 2022, e o Orçamento não garante recursos para isso”, explicou a diretora do Assibge, Dione Oliveira.

Segundo o Assibge, seriam necessários R$ 239 milhões neste ano para garantir a realização do Censo em 2022. Com medo de que o Censo fique para 2023, o sindicato prepara uma representação para tentar recompor o orçamento por meio do MP e do TCU.

O governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), afirmou que o estado também vai acionar a Justiça. Ele explicou que o adiamento do Censo tem “impactos em políticas sociais e na repartição das receitas tributárias, ameaçando os princípios federativo e da eficiência”. Para a Frente Nacional de Prefeitos (FNP), essa situação "custará muito caro ao país”.

“A decisão de cortar o Censo e não ser apresentada nenhuma perspectiva de como isso vai ser resolvido é muito grave, porque o país vai ficar sem dados fundamentais para o planejamento de políticas públicas”, lamentou Francisco Menezes, analista da Action Aid no Brasil. Ele lembrou que o último Censo foi realizado em 2010 e disse que, por isso, o Brasil está vivendo um “apagão estatístico”.

Em nota, o IBGE informou que “retomará as tratativas com o Ministério da Economia para planejamento e promover a realização do Censo em 2022, de acordo com cronograma a ser definido em conjunto com o ME”.

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação