GOVERNO

Pressionado, Guedes realiza mudanças na equipe econômica

Desgaste nas negociações com o Centrão sobre o Orçamento de 2021 leva o ministro da Economia, enfraquecido, a afastar dois secretários da pasta, que, hoje, pouco lembra o "superministério" anunciado no início do governo. Novas "adaptações" estão a caminho

Marina Barbosa
Rosana Hessel
postado em 28/04/2021 06:00
Guedes, com Waldery: tentativa de manter regras fiscais esbarrou nos acordos políticos de Bolsonaro com aliados -  (crédito: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)
Guedes, com Waldery: tentativa de manter regras fiscais esbarrou nos acordos políticos de Bolsonaro com aliados - (crédito: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

Com a credibilidade em baixa e a permanência no cargo questionada, o ministro da Economia, Paulo Guedes, está entregando cabeças de subordinados para agradar ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e aos parlamentares do Centrão, de olho nas eleições de 2022. Ontem, confirmou a saída do secretário especial da Fazenda, Waldery Rodrigues, e do secretário de Orçamento, Georges Soares, que se desgastaram nas negociações com o Congresso sobre a peça orçamentária de 2021.

De acordo com Guedes, Waldery continuará na equipe, como assessor especial. O secretário do Tesouro Nacional, Bruno Funchal, será o novo secretário da Fazenda e passará o comando do Tesouro para Jeferson Bittencourt, assessor especial do ministro. Com isso, apenas dois integrantes do primeiro escalão do “superministério” de Guedes, criado pela fusão de cinco pastas, permanecem desde o início do governo: o secretário especial de Produtividade, Emprego e Competitividade, Carlos da Costa, e o secretário-executivo, Marcelo Guaranys.

O secretário de Orçamento Federal, George Soares, também deixará o cargo. O ministro confirmou que o substituto será o analista de planejamento e orçamento Ariosto Antunes Culau, que já fez parte da secretaria-executiva da pasta.

Guedes, no entanto, evitou falar em uma debandada da equipe e garantiu que o time do Ministério da Economia “está unido”. “Não é uma demissão. É um remanejamento da equipe justamente para facilitar as negociações com o Congresso”, disse ele a jornalistas, ontem à noite, na portaria do ministério, escoltado por Waldery e Funchal. Segundo o ministro, a mudança dos técnicos, que são servidores concursados, vinha sendo negociada há meses, porque o “desgaste é muito grande” e a pressão sobre a equipe econômica “é quase desumana”.

Segundo fontes próximas ao ministro, nas negociações sobre o Orçamento de 2021, os técnicos tentaram garantir o cumprimento das regras fiscais, mas ficaram fragilizados quando Bolsonaro acabou cedendo às pressões do Centrão e decidiu preservar a maior parte dos R$ 49 bilhões de emendas aprovadas pelo Congresso, aceitando cortar verbas para o custeio da máquina pública.

Mais baixas

As baixas da equipe econômica, no entanto, vão além. Pelo menos mais três integrantes do time de Paulo Guedes estão de saída: a assessora especial da reforma tributária, Vanessa Canado; a secretária Especial da Secretaria do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) da Economia, Martha Seillier; e a secretária especial adjunta do PPI, Yana Dumaresq Sobral Alves.

Vanessa Canado deixará o governo no momento em que o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), promete retomar a tramitação da reforma tributária. Ela será substituída pelo professor de direito tributário Isaias Coelho, que é coordenador do Núcleo de Estudos Fiscais da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Já Martha Seillier foi convidada para assumir um posto no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). “Essas são as primeiras mudanças em relação à Secretaria de Fazenda. Vamos fazer outras adaptações. Tem gente nossa que está sendo convidada para trabalhar lá fora ou já entregou o trabalho”, admitiu Guedes.

Questionada sobre o assunto, Martha Seillier negou a saída “no momento”. Porém destacou que trabalha com um time de excelência que, por isso, “recebe convites e oportunidades”. “No momento, eu sigo na equipe, não acredito que estejamos passando por um movimento de debandada. Eventualmente, podemos mudar de posição, mas sempre com os mesmos objetivos”, disse.

A possibilidade de que Martha Seiller vá para o BID reacendeu as especulações sobre a volta do PPI para o Palácio do Planalto, pois a secretaria era subordinada à Casa Civil. Também há pressão do Senado para que o Ministério da Economia seja desmembrado por meio da recriação de pastas, como Planejamento e Trabalho. A ideia seria dar um espaço para o Senado no governo, já que, até agora, Bolsonaro só deu cargos do primeiro escalão para aliados da Câmara dos Deputados. Isso, porém, tem incomodado Paulo Guedes, que não gosta da ideia de ver o “superministério” encolher, nem da possibilidade de entregar o Planejamento ao ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, a quem já chamou de “fura-teto, desleal e despreparado”, mas é um dos nomes cotados para essa pasta, se ela voltar. (Colaborou Ingrid Soares)


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"Agenda liberal já está morta"

A nova debandada da equipe econômica e o visível enfraquecimento do ministro da Economia, Paulo Guedes, que precisou entregar as cabeças de técnicos devido às pressões do Congresso, só confirmam o fato de que a agenda econômica liberal do governo Jair Bolsonaro está morta, na avaliação do ex-ministro da Fazenda dos anos de 1988 e 1990 e sócio da Tendências Consultoria, Mailson da Nóbrega.

“Eu não acho que a agenda liberal morreu. Ela está morta há muito tempo, respirando por aparelhos”, afirmou, em entrevista ao Correio. Para ele, o resultado das negociações do governo para a aprovação do Orçamento “foi desastroso” e resultou na pior peça orçamentária da história, porque priorizou acordos políticos em vez de medidas realmente necessárias ao funcionamento da máquina pública.

“As emendas parlamentares foram reduzidas, mas elas ainda representam quase metade das despesas discricionárias que estão sob o controle do Executivo. Isso não tem paralelo e é resultado do enfraquecimento do governo na negociação com o Centrão e da dificuldade de articulação política”, lamentou Nóbrega. “Como eu disse, não há agenda liberal. Ela foi para o espaço”, acrescentou.

De acordo com o ex-ministro, ao contrário do que pensava Guedes e muitas pessoas fora do governo, “sobretudo no mercado financeiro”, Bolsonaro não tinha se convertido ao liberalismo e incorporado o espírito de Margaret Thatcher (ex-primeira-ministra britânica). Pelo contrário. “Ele continua o mesmo político corporativista e antiprivatização do passado”, afirmou. Para Nóbrega, Guedes atravessa um momento de desgaste visível que é resultado da hipertrofia do ministério. “Esse gigantismo da pasta contribuiu para uma certa disfuncionalidade no seu funcionamento”, frisou.

O economista-chefe do Banco Fator, José Francisco Gonçalves, lembrou que a debandada, ou “remanejamento”, conforme o afirmado pelo ministro Paulo Guedes, é mais uma rodada de eventos que mostra como a agenda liberal não será implementada pelo governo. “O ponto básico do Orçamento, sancionado na semana passada, dificilmente é possível classificar como uma vitória”, afirmou. Para ele, o que dá para ver é que o resultado da negociação deixou muitos ministros descontentes com falta de recursos. Os ministérios da Agricultura, Ciência e Tecnologia e Meio Ambiente são alguns exemplos citados por Gonçalves de pastas já que estão pedindo recomposição de recursos após o contingenciamento e a supressão de R$ 17,2 bilhões em gastos discricionários. Enquanto isso, R$ 11,9 bilhões dos R$ 29,1 bilhões anunciados pelo governo como corte total, incluindo o contingenciamento do Orçamento, de R$ 9,3 bilhões, foram emendas parlamentares.

Os rumores do novo troca-troca na equipe de Guedes, junto com o início dos trabalhos da CPI da Pandemia, no Senado, não foram bem recebidos pelo mercado e ajudaram a derrubar a Bolsa de Valores de São Paulo (B3), que encerrou com queda de 1%, a 119.388 pontos, e a valorizar o dólar ante o real em 0,23%, cotado a R$ 5,46 para a venda.

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