Contas públicas

Perto do apagão, União gastará R$ 2,8 bi com reajuste de servidores da Receita

Com o estado à beira de um apagão por falta de recursos após o polêmico orçamento anual, entra em vigor mudança no quadro da Receita. No Congresso, reforma administrativa segue em discussão

Israel Medeiros
postado em 30/04/2021 22:41 / atualizado em 30/04/2021 22:45
 (crédito: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
(crédito: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

O presidente Jair Bolsonaro promulgou a derrubada do veto à "promoção" de servidores da Receita Federal pelo Congresso. A decisão saiu no Diário Oficial da União nesta sexta-feira (30) e diz respeito à lei 11.907, que alterou a administração tributária do governo em 2009. Agora, 1,8 mil servidores de nível médio que pertenciam à extinta Secretaria da Receita Previdenciária (SRP) passaram a ser oficialmente analistas tributários da Receita Federal – cargos de nível superior.

A diferença entre os cargos foi um dos principais argumentos usados pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2009, para vetar o projeto. Na ocasião, o governo justificou que os servidores não prestaram concurso para as vagas de analistas tributários e alegou que o impacto nas contas públicas seria expressivo. Em 2009, o país ainda via os reflexos da crise financeira global de 2008.

Em 2021, com a pandemia, queda na arrecadação e o estado brasileiro à beira de um apagão, a União gastará cerca de R$ 2,8 bilhões com o reajuste dos servidores que passaram a integrar a Receita Federal. Os funcionários que recebem entre R$ 5,4 mil e R$ 8,7 mil passarão a ter salários que variam de R$ 11,7 mil a R$ 16,7 mil.

Enquanto isso, na Câmara dos Deputados, as audiências da reforma administrativa, que deve alterar regras de estabilidade e salários de servidores públicos, seguem ocorrendo. O governo afirma que quer cortar gastos na máquina pública e melhorar a qualidade dos serviços prestados à população. Mas deputados e especialistas apontam que o texto não mexe nos chamados supersalários e afeta, principalmente, funcionários públicos que ganham até quatro salários mínimos.

Além disso, há preocupação com a falta de estabilidade em algumas carreiras, como é o caso de órgãos de fiscalização. Em audiência realizada nesta sexta, o presidente do Sindicato dos Servidores do Poder Legislativo Federal e do Tribunal de Contas da União (Sindilegis), Alison Martins de Souza, chamou a proposta da reforma administrativa (PEC 32/19) de "PEC Brumadinho", referindo-se à maior tragédia ambiental da história do país.

Ele usou a tragédia para argumentar sobre os riscos de fazer uma reforma na máquina pública que permita à iniciativa privada atuar em áreas que deveriam ser atribuição apenas de servidores, como a fiscalização. Alison também criticou a narrativa do governo de que o projeto poderá gerar uma economia de R$ 300 bilhões, ao afirmar que o custo de comprometer a qualidade dos serviços públicos é bem maior.

Felipe Queiroz, economista e pesquisador da Unicamp, avalia que a difícil situação em que se encontra o estado brasileiro é fruto de discursos e ações por parte do governo federal que são contraditórios. "Não há um paralelo entre as medidas adotadas e o discurso adotado. O discurso é de pura contenção de gastos. Por outro lado, o governo gasta mal em outras áreas e efetua perdão de dívidas bilionárias, como foi o caso das igrejas", afirma.

O especialista disse que entende que o setor público tem de se atualizar, mas discorda da afirmação de que servidores públicos são menos eficientes e produtivos que os trabalhadores da iniciativa privada. "A única diferença é que ele é menos explorado, tem uma condição menos precarizada. Há infinitos estudos de comparação em diferentes países que mostram que os funcionários públicos têm produtividade muito superior aos da iniciativa privada. O funcionalismo público tem uma seleção mais justa e remunera compativelmente com a função", argumenta.

Shutdown

O governo foge do assunto e diminuiu o risco de "shutdown" ao vetar partes do orçamento, mas a verdade é que o Estado já começa a sofrer em áreas importantes. Prova disso foi o cancelamento do Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Após a sanção do orçamento, o valor que seria destinado para essa finalidade foi considerado pífio. Inicialmente orçado em R$ 2 bilhões, valor sofreu redução de R$ 1,76 bilhão, cerca de 88% a menos.

Simone Pasianotto, economista-chefe da Reag Investimentos, revela que o mercado financeiro está com medo de como a situação financeira da União pode se agravar. "Estou no mercado financeiro há 25 anos e nunca vi uma situação como essa. Já alertei clientes do risco do shutdown no governo. Reajustes de salários no setor público, mesmo que pontuais, só pioram as coisas", afirma.

Ela ressaltou que o atraso na aprovação do orçamento levou órgãos públicos a atrasar aluguéis, o que já é a beira do precipício para um apagão. Pasianotto considera o Censo do IBGE como fundamental para que o governo tome as melhores decisões econômicas, mas, mesmo após a ordem do ministro do STF, Marco Aurélio, para a realização da pesquisa, ela questiona de onde virão os recursos.

"Ele é necessário para planejar a economia. A gente está entrando em 2022 sem censo. E estamos em uma crise sanitária. Esse é um primeiro exemplo de shutdown, no Censo. Mas vai fazer como? Com que dinheiro?", questiona.

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