CONJUNTURA

Economia: inflação acelera em março e supera teto definido pelo governo

Avanço de 0,93% do IPCA no mês passado foi o maior para o período desde 2015, devido à alta dos combustíveis e do gás de cozinha. Indicador acumulado em 12 meses atinge 6,10% e estoura limite de 5,25% definido pelo governo

Apesar de o Banco Central insistir que a pressão inflacionária é "temporária", os dados do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação oficial, mostram que a carestia não deve ceder tão facilmente nos próximos meses, prejudicando, principalmente, os mais pobres. Em março, o IPCA acelerou em relação a fevereiro e avançou 0,93%, a maior alta para o mês desde 2015, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O indicador foi puxado pelos preços dos combustíveis e do gás de cozinha.

No acumulado em 12 meses até março, o IPCA saltou 6,10%. Com esse resultado, a inflação estourou o teto da meta, de 5,25%, pela primeira vez em quatro anos. Já o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), que mede a inflação das famílias que ganham até cinco salários mínimos mensais, avançou mais do que o IPCA: subiu 6,94% no acumulado em 12 meses encerrados em março após registrar alta de 0,86% no mês passado.

- - -

Dos nove grupos de produtos e serviços pesquisados, seis tiveram alta em março e três tiveram queda. Goiânia foi a cidade que liderou a alta na média geral, de 1,46%, com Brasília (1,44%), em segundo lugar entre as 16 cidades pesquisadas.

O grupo de Transportes registrou a maior variação, de 3,81% em relação a fevereiro, puxada pelo etanol e pela gasolina. Em segundo lugar, ficou o grupo de Habitação, com alta de 0,81%, impulsionado pelos reajustes do gás de cozinha e da energia elétrica. O grupo de Alimentação e bebidas, com elevação de 0,13% mostrou desaceleração. Óleo de soja, arroz e leite longa vida, por exemplo, tiveram queda em março, mas ainda acumulam altas expressivas em 12 meses, de 81,73%, 15,75% e 65,56%, respectivamente.

O economista André Braz, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), destacou a inflação dos combustíveis, do gás de botijão e da energia elétrica em março. “A alta da gasolina foi responsável por dois terços do índice. Se não fosse isso, teríamos um IPCA bem mais baixo”, avaliou. “O que chamou a atenção foi a elevação no preço do gás de botijão, de quase 5%, que influenciou os gastos com habitação, assim como os reajustes das concessionárias de água e esgoto e de luz.” Pelas projeções de Braz, o IPCA pode desacelerar em abril, “mas continuará acelerando no acumulado em 12 meses, até chegar ao pico de 7,5%, em junho”.

Na avaliação de Simone Pasianotto, economista-chefe da Reag Investimentos, o BC vai precisar elevar mais a taxa básica de juros (Selic) do que o 0,75 ponto percentual anunciados para maio. Ela prevê IPCA chegando perto de 8%, em junho, mas encerrando o ano em 5,1%. “A inflação não é temporária. Ela é global e estrutural”, afirmou. A analista lembrou que a nova rodada do auxílio emergencial não deve pressionar os preços de alimentos e bebidas como ocorreu no ano passado, mas, mesmo assim, a alta do custo de vida não dará trégua.

“O que estamos vendo é uma pressão global e estrutural dos preços, advinda do câmbio valorizado devido às incertezas internas, especialmente na área fiscal, e dos preços das commodities, que refletem um descompasso entre oferta e demanda lá fora. O mundo está se recuperando da crise provocada pela pandemia. Já o Brasil está atrasado e em meio às incertezas em relação à pandemia e à retomada da economia”, explicou.

Luis Otávio de Souza Leal, economista-chefe do Banco Alfa, disse que o dado do IPCA de março surpreendeu. Ele reconheceu que, ainda que as incertezas em relação ao Orçamento de 2021 podem influenciar em uma alta mais forte da Selic daqui para frente. “O que vai determinar se o BC vai elevar os juros em 0,75 ponto é mais essa discussão sobre o Orçamento. Se ele for sancionado sem vetos, seria uma mudança mais significativa no balanço de riscos do Banco Central”, alertou.

Novos hábitos

Diante da alta dos preços, o consumidor leva susto toda vez que vai ao supermercado. “O brasileiro precisa ser cada vez mais criativo para conseguir economizar nas compras e conseguir se alimentar devidamente. Com a inflação, a renda das famílias cai e as mais pobres são as mais afetadas e muitos ficam sem dinheiro para ter o que comer. Por isso, estamos vendo essa desaceleração nos preços de alimentos e bebidas. É efeito da demanda, que caiu”, avaliou Leal.

A carestia tem mudado a rotina na casa do estudante de publicidade Cleyson Rodrigues, 23 anos. “Reduzimos a quantidade de alimentos e utensílios que compramos por mês para caber no orçamento doméstico. Evitamos supérfluos e gastamos apenas com o que é essencial”, explicou. A fotógrafa Natalia Sodré, 27, usa uma planilha para organizar os gastos durante a pandemia. “Com isso, evito gastar mais do que eu posso. Com a alta nos preços, é preciso adaptar a rotina, fazendo umas horas extras para complementar a renda”, comentou.

BC confirma alta de juros

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, confirmou que a autoridade monetária vai manter nova alta de 0,75 ponto percentual na Taxa Básica de Juros (Selic), na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom). Ele disse que a inflação está mais alta e persistente do que o esperado, mas que essa alta é temporária. “Não é estrutural”, afirmou. O discurso, durante o evento on-line da XP sobre o “Atual cenário econômico e político no Brasil e América Latina”, está em linha com as expectativas dos agentes de mercado

Mudança no diesel para segurar preço

Para tentar segurar os preços do diesel e as queixas dos caminhoneiros, o governo federal reduziu de 13% para 10% a mistura do biodiesel no combustível. A decisão foi anunciada ontem pelos ministérios de Minas e Energia e Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

“Fez-se necessário uma correção de rumo momentânea com relação ao percentual de mistura do biodiesel ao diesel comercializado no país, dos atuais 13% para 10%", informou o governo, em nota.

Segundo o Executivo, a mudança se deve aos altos preços do óleo de soja. O óleo representa 71% das matérias-primas utilizadas na produção do biodiesel e vem subindo de preço desde o ano passado por conta do aumento da demanda mundial por soja. Logo, tem pressionado o custo do diesel, que também vem sendo afetado pela alta dos preços internacionais de petróleo e pelo dólar elevado.

Alívio imediato

De acordo com os dados da inflação oficial do país, o diesel subiu 9,05% só em março. O resultado é que o litro do combustível já é vendido a R$ 5,78 em alguns postos do país, o que tem incomodado os caminhoneiros, que já ameaçaram fazer greve neste ano por conta da alta dos combustíveis.

Ao anunciar a redução da participação do biodiesel no diesel, o Executivo ressaltou que “a questão dos combustíveis demanda do governo zelo redobrado, uma vez que perpassa inúmeros setores (transporte público e de mercadorias) e atividades (agrícola e geração de energia, por exemplo), impondo a adoção de medida corretiva para mitigar eventual distorção momentânea que venha a ocorrer”.

A mudança na mistura do biodiesel já havia sido solicitada pela Confederação Nacional do Transporte (CNT) no início de março. De acordo com a CNT, a porcentagem de 13% do Brasil “destoa dos níveis praticados em outros países”, como Japão (5%) e Canadá (2% a 4%), e poderia provocar “alívio imediato sobre o preço do combustível” se fosse reduzida à metade.

A meta do governo, no entanto, é aumentar a participação do biodiesel no diesel para 15% até 2023. A elevação faz parte das metas de sustentabilidade aprovadas pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) no âmbito do Renovabio. Por isso, o Executivo também disse que, apesar desta redução, espera retomar “o quanto antes” essa política.

“O Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB) tem proporcionado à população brasileira a redução das emissões de gases causadores do efeito estufa e de material particulado; a diminuição da dependência externa de importação de óleo diesel; a melhoria da qualidade do ar, principalmente nas grandes metrópoles do Brasil e, por conseguinte, a redução de gastos públicos com a saúde”, explicou.