CORREIO TALKS

Brasil joga em desvantagem na indústria química, afirma especialista

Economista e professor da FGV-SP ressaltou, em debate do Correio, que a indústria química e as demais do país competem, em condições de desigualdade. Segundo ele, nenhum país é rico sem um setor químico robusto

Rosana Hessel
postado em 06/05/2021 19:39 / atualizado em 06/05/2021 20:09
 (crédito: MKT)
(crédito: MKT)

A indústria brasileira compete em patamares assimétricos com outros países e, na indústria química, a dificuldade é ainda maior. Isso porque o Brasil entrou nesse mercado quando já havia oligopólios estabelecidos, de acordo com o economista Paulo Gala, professor da Fundação Getulio Vargas de São Paulo (FGV-SP).

“O Brasil compete em mercados concentrados, com menos patentes, domínio tecnológico menor e sem economia de escala. A competição que o país enfrenta é muito desigual, porque ele parte em uma posição de desvantagem. É como se fosse jogar futebol em um campo inclinado, onde ele precisa subir para fazer o gol. Enquanto isso, os países ricos jogam com o campo a favor, de cima para baixo”, disse Gala, nesta quinta-feira (06/05), durante o seminário virtual Correio Talks, realizado pelo Correio Braziliense e a Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim). O evento debateu a importância do setor químico para o país entre especialistas e parlamentares.

De acordo com Paulo Gala, essa competição desigual não é exclusividade da indústria química brasileira. Também atinge outros setores, como o de máquinas e equipamentos. Ele reforçou que as economias com renda per capita mais alta do mundo possuem uma indústria química robusta. “Os países mais ricos do mundo dominam o setor químico mundial, e 70% a 80% da produção e da exportação mundial são dominadas por países de renda muito alta. O Brasil é um dos poucos emergentes que conseguiu avançar e ter alguma relevância nesse mercado”, destacou.

O economista lembrou que os setores mais sofisticados tecnologicamente ajudam a promover o desenvolvimento das nações, porque pagam os melhores salários e demandam mais qualificação da mão de obra, o que exige melhora na educação da população. “Nenhum país é rico sem ter domínio tecnológico e a indústria química é um dos setores-chaves. É difícil encontrar um país rico sem um setor químico robusto", pontuou. Segundo ele, o Brasil subiu um pouco nessa escada, conseguiu produzir alguns bens, "mas ainda está muito aquém de ser um grande player global”.

Aliança com governo

Na avaliação de Gala, apesar do atraso da industrialização do país, a diferença entre tributação maior entre os produtos nacionais e importados da indústria química mostrados pela Abiquim na abertura reforçam a teoria do campo de futebol inclinado. Segundo a entidade, os impostos cobrados sobre os produtos nacionais giram entre 40% e 45%, e, sobre os importados, entre 20% e 25%.

“O país está jogando em condição de desigualdade preestabelecida. E, a partir disso, justificaria uma aliança entre o governo e o setor privado para lutarem juntos nessa guerra industrial. A luta está se intensificando com a pandemia, e os países ricos perceberam a necessidade de dar incentivos aos setores químicos, porque perceberam que havia muita fragilidade nas cadeias de valor. Eles se deram conta de que não poderiam depender da importação de bens estratégicos”, explicou.

Na avaliação do analista, se o governo brasileiro abandonar essa guerra, sem se preocupar com a indústria química e sua importância para a economia do país, ficará condenado ser um país pobre. “É impossível um país rico sem uma indústria química desenvolvida”, pontuou Gala.

Fim do regime especial

Além do professor da FGV, participaram do evento o presidente-executivo da Abiquim, Ciro Marino, o presidente da Federação das Indústrias do Estado da Bahia, Ricardo Alban, o deputado federal Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), o senador Jean-Paul Prates (PT-RN), e o deputado Laércio Oliveira (PP-SE). O senador petista foi um dos mais críticos sobre a falta de competitividade do setor. 

Todos os debatedores criticaram o fim do Regime Especial da Indústria Química (Reiq), que deverá ocorrer a partir de junho, conforme o previsto na Medida Provisória 1.034. Para Paulo Gala, essa medida faz parte de um ajuste fiscal do governo no meio da pandemia que não faz muito sentido. “Esse é um ponto esquizofrênico da política econômica”, afirmou. 

O presidente da Abiquim disse que a medida poderá ser deficitária para o governo. Na avaliação do economista da FGV, se o governo tirar o Reiq e as empresas tentarem repassar o preço, vão sofrer ainda mais concorrência internacional além do aumento dos insumos em dólar, cada vez mais valorizado e que tem afetado todos. “A rota é de queda no faturamento, demissões e até falência”, resumiu Gala.

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