Com dois filhos, de 3 e 5 anos, a estudante Angélica Carvalho de Mesquita, de 22 anos, ficou desesperada quando perdeu o trabalho como recepcionista, no primeiro semestre do ano passado, logo no início da pandemia. O auxílio emergencial concedido pelo governo foi um alívio em meio ao caos para a moradora de Brasília, mas, quando acabou, o desespero voltou. “Não podia trabalhar porque, com as creches fechadas, não tinha com quem deixar meus filhos”, diz.
Por muito tempo, Angélica dependeu de ajuda, uma vez que o valor da pensão paga pelo pai das crianças só era suficiente para o aluguel da residência. Finalmente, neste ano, conseguiu um estágio remunerado e uma babá para cuidar dos filhos. A situação de Angélica se repete pelo país. Dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) mostram que, enquanto 2020 terminou com a criação de 199.351 vagas de trabalho formal para homens, o saldo foi negativo (-111.567) para as mulheres.
Dois principais fatores explicam o maior afastamento das mulheres do mercado durante a pandemia: o fato de atuarem mais nos segmentos de serviços, duramente atingidos pela crise sanitária, e por acumularem as tarefas domésticas, que aumentaram com os filhos fora do ambiente escolar. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, divulgada em junho do ano passado, já mostrava que as mulheres dedicam 10,4 horas por semana a mais do que os homens com afazeres domésticos.
A economista Maria Andreia Lameiras, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), afirma que, sem a pandemia, as mulheres partem de uma situação pior que a dos homens. “A primeira medida de isolamento foi a interrupção das aulas. Em casa, não tem quem cuide das crianças”, diz, ressaltando que a situação recai sobre a mulher.
A pesquisadora também frisa que as mulheres perderam mais postos de trabalho por estarem em áreas mais afetadas pela crise. “A maioria das chefes de família é autônoma. É a diarista, a ambulante, a mulher que faz uma quentinha para vender, a manicure. São ocupações inviabilizadas pela pandemia. Além disso, muitas chefes de família estão inseridas em ocupações com menor qualificação, porque não têm o tempo necessário para estudar e, além da jornada de trabalho, têm de cuidar da casa, dos filhos”, ressalta.
Sobrevivendo
É o caso de Ângela França, 35 anos, vendedora autônoma em Samambaia Sul (DF). Ela mantém as duas filhas, sendo a mais nova de 4 anos. “Estou desesperada, pois não trabalho fixo. Com a pandemia, minhas vendas caíram muito, tem dias que não tenho uma mistura para comer e, às vezes, recebo doações”, conta, afirmando que depende do Bolsa Família para ajudar na renda. “Minha filha mais nova, às vezes, quer um lanche, mas não tenho dinheiro. Minhas contas estão todas atrasadas, até o aluguel.”
Dados da Pnad Contínua, de 2019, mostravam que 13,45% das mulheres chefes de família eram trabalhadoras domésticas sem carteira assinada. E, conforme ressaltado pela professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Bila Sorj, foram justamente essas trabalhadoras as mais afastadas em decorrência da pandemia (26,8%), segundo a Pnad de junho do ano passado.
Bila frisa que a redução do número de mulheres ocupadas foi muito significativa. Conforme o IBGE, desde 1991, a taxa de ocupação nunca esteve abaixo de 50%, até o segundo trimestre do ano passado, quando alcançou 46,3%. No trimestre seguinte, a taxa caiu para 45,8% e, depois, subiu para 47,8%. “As conquistas das mulheres no mercado de trabalho ao longo dos últimos 30 anos se dissiparam com a pandemia”, afirma.
Professora do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB), Daniela Freddo acrescenta que a pandemia agravou as desigualdades de gênero. “O mercado é machista. Em um período de expansão econômica, você consegue inserir mulher, mulher negra, que é ainda mais difícil. Mas, num momento de recessão, elas são as primeiras a serem mandadas embora”, afirma.
Elaine Pazello, professora da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto, lembra, ainda, das chefes de família que trabalham na informalidade e perderam a renda durante a pandemia. É o caso da diarista Glaucileia Lopes, 45 anos, que conta com a ajuda de familiares para cuidar dos quatro filhos pequenos.
Moradora do Novo Gama (GO), Glaucileia relata que a renda mensal deixou de ser suficiente para pagar todas as despesas. “Em um mês, eu pago uma conta; no outro, pago a do mês anterior. Nunca tem dinheiro para quitar tudo”, explica. Além disso, enfrenta, diariamente, o temor de levar o coronavírus para casa. “Meu maior medo é infectar meus familiares”, diz.
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Projeto contra a discriminação
Apesar de acumularem as atividades remuneradas e as não remuneradas ligadas ao lar, as mulheres recebem menos que os homens. Pensando nisso, o Senado aprovou, em março, um projeto de lei que prevê multa para empresas que pagarem salários diferentes para homens e mulheres que ocupem a mesma função. O projeto foi para sanção presidencial, mas, no fim de abril, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), pediu que ele voltasse à Casa sob alegação de que o Senado fez alterações no mérito do projeto. O texto havia sido aprovado pelos deputados em 2011. A situação gerou reação das bancadas femininas no Congresso.
Igualdade fica mais distante
A pandemia do novo coronavírus aprofundou a desigualdade entre homens e mulheres no mercado de trabalho, segundo especialistas. Seja a mulher que teve que deixar o mercado para cuidar dos filhos, seja aquela que foi demitida, ou mesmo aquela que teve que acumular mais funções, com os filhos fora da escola, todas irão enfrentar mais dificuldades após o fim da crise sanitária.
Professora da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto, Elaine Pazello afirma que ficar fora do mercado por qualquer período gera um impacto no currículo do trabalhador. “Experiência no trabalho é um tipo de investimento de capital humano. Pesquisas mostram que a pessoa que sai do mercado vai receber um salário menor quando retornar”, diz.
A pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Joana Costa explica que, na economia, há um efeito chamado de “cicatriz”. “A pessoa fica marcada naquele momento. É pior depois para se reinserir. Vai conseguir postos de pior qualidade e sua trajetória laboral será marcada”, ressalta, ressaltando que, se houvesse uma política sanitária efetiva, o cenário seria melhor para a saúde e para a economia. “Com a pandemia se estendendo muito mais do que deveria, as mulheres ficam mais tempo fora do mercado de trabalho. Pior vai ser quando retornarem. O governo terá que pensar em políticas de reinserção, qualificação”, diz.
Professora do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB), Daniela Freddo afirma que, no caso de mulheres jovens, sem uma carreira consolidada, a interrupção do trabalho tem um impacto ainda maior. “Muito provavelmente, quando elas voltarem a se inserir, vão pegar posições mais precárias”, afirma.
Diana Gonzaga, doutora em economia e professora da Faculdade de Economia da Universidade Federal da Bahia (UFBA), ressalta que a progressão já é mais difícil para as mulheres, que têm menos tempo para estudar e se especializar, e que a pandemia irá dificultar ainda mais a progressão de carreira da mulher.
* Estagiárias sob a supervisão de Odail Figueiredo