DESESTATIZAÇÃO

Eletrobras: Câmara aprova privatização

Texto-base da MP que permite à União sair do controle da estatal recebe aval dos deputados. Parecer apresentado pelo relator, no entanto, modificou proposta encaminhada pelo governo, criando risco de alta no custo da energia, segundo analistas

Rosana Hessel
postado em 20/05/2021 00:19
 (crédito: pablo valadares)
(crédito: pablo valadares)

A Câmara dos Deputados aprovou na noite de ontem a Medida Provisória nº 1031/2021, que trata da privatização da Eletrobras, após mais de oito horas de sessão em que a oposição tentou retirar a matéria da pauta. O relatório sobre a MP, apresentado pelo deputado Elmar Nascimento (DEM-BA) durante a tarde, sofreu uma modificação após a leitura e, às 22h09, uma subemenda substitutiva teve 313 votos a favor e 166 contra. Houve cinco abstenções. Após a aprovação do texto-base, os parlamentares continuaram votando os destaques. A MP também precisa passar pelo Senado.

Durante o debate, parlamentares criticaram o atropelo na tramitação da proposta de privatização por meio de uma MP, sem discussão ampla junto à sociedade por meio de uma comissão especial. Até mesmo líderes de partidos favoráveis à privatização, como o Novo e o MDB, apoiaram uma discussão mais ampla e a manutenção do texto original da MP, e não o apresentado pelo relator, mas sem sucesso. O consenso entre os críticos à proposta é de que texto vai provocar aumento do custo da energia para o consumidor.

A Eletrobras, estatal vinculada ao Ministério de Minas e Energia, responde por 30% da energia gerada no país. A MP recebeu nada menos do que 570 emendas e, de acordo com especialistas, há vários “jabutis” entre elas — emendas que não estão relacionadas ao objeto principal da matéria.

Críticas
O relatório prevê a obrigatoriedade prévia de contratação de usinas térmicas a gás e Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) pela União nas regiões Norte, Nordeste e Centro Oeste. Diante das críticas, Nascimento retirou do parecer o termo “contratação prévia”, mas manteve a condicionante do contrato no texto.

Essa exigência é considerada um dos pontos que vai encarecer a tarifa para o consumidor. Analistas e parlamentares destacaram que térmicas a gás precisarão ser construídas em estados onde não há suprimento do combustível, e que essa proposta já havia sido rejeitada na nova lei do gás, aprovada recentemente pelo Congresso.

Nascimento negou que haverá o aumento no custo da energia por conta da medida. “Vamos substituir térmicas a óleo diesel, que custam R$ 1.500 por megawatt/hora (MWh), por térmicas a gás que custam R$ 300 por MWh, ou seja, cinco vezes menos”, disse ele, em entrevista ao Correio.

O texto do relator condiciona a contratação pelo poder concedente de 6.000 megawatts (MW) de termelétricas a gás e de, pelo menos, 2.000 MW de PCHs, ambas nas regiões Norte, Nordeste e Centro Oeste. De acordo com o presidente da Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), Paulo Pedrosa, a conta de luz poderá ficar mais cara em 10% para o consumidor residencial e em 20% para os grandes compradores de energia. “O custo anual para o consumidor será de R$ 20 bilhões por ano”, disse.

“A proposta obriga a contratação de uma energia mais cara do que a que poderia ser comprada no mercado livre por meio das usinas eólicas, por exemplo. Isso será mais uma maldade para com o consumidor. Isso não é um modelo de competição, mas de reserva de mercado e de cota”, afirmou Pedrosa.

O relator alega que a recursos da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), um encargo setorial pago por todos os brasileiros na conta de luz, vai ser usada para que haja modicidade. Mas, segundo Pedrosa, haverá por esse mecanismo uma redução de apenas 0,5% na fatura do consumidor.

Nos últimos leilões, de acordo com o presidente da Abrace, o custo para a contratação de usinas eólicas e solares acabou sendo um terço do previsto para as termelétricas a gás, abaixo de R$ 100 MWh.

O relator alegou ter acatado emendas da oposição para beneficiar os trabalhadores e as PCHs, mas foi criticado pelos parlamentares da oposição. “Não dá para fugir do debate e afirmar se está defendendo ou não o trabalhador. O texto é ruim e atende ao interesse privado e não ao público”, disse o deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ), líder da minoria.

O deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), líder da oposição, reforçou o problema do aumento do custo para o consumidor e para as empresas e alertou para o risco de desindustrialização. “Qual é o sentido de obrigar a contratação de térmicas e a construção de gasoduto? Quem ganha com isso? Não é o Brasil e não é a economia”, questionou.

Capitalização
O modelo de privatização da Eletrobras é de capitalização, ou seja, aumento de venda de ações, limitadas a 10% por acionista. A União não poderá participar da operação e terá uma redução da sua fatia de 61% para 45% do capital, mas ficará com direito a uma golden share — ação de classe especial que garante poder de veto em decisões do conselho da companhia. O governo prevê arrecadar R$ 100 bilhões com a operação.

A privatização ainda prevê a renovação de contratos de concessão por 30 anos e a criação de uma nova estatal para administrar a subsidiárias que continuarão sob o domínio da União: a Eletronuclear, controladora das usinas de Angra dos Reis (RJ), e a Itaipu Binacional. O relator prevê que 25% do lucro dessa nova empresa seja destinado para programas sociais. Os outros 75% para a CDE. (Colaborou Israel Medeiros)

Ministro do STF rejeita recurso da oposição
O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou, na noite de ontem, pedido de deputados oposicionistas para que a votação da MP da privatização da Eletrobras fosse suspensa no plenário da Câmara. Os parlamentares argumentaram que o assunto deveria ter sido examinado por uma comissão especial, o que não ocorreu. Além disso, alegaram que 11 medidas provisórias estão pendentes de votação pela Casa e que a MP da privatização deveria respeitar a ordem cronológica. Barroso, porém, entendeu que a Constituição não determina a análise de MPs em ordem cronológica. Dessa forma, não cabe interferência do STF nos trabalhos do Legislativo.


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CCJ retoma administrativa

A proposta de reforma administrativa (PEC 32/190) volta à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, da Câmara dos Deputados, às 10h desta quinta-feira. O adiamento da última votação, na segunda-feira, aconteceu após a presidente da CCJ, deputada Bia Kicis (PSL-DF), conceder mais tempo para os deputados analisarem o texto.

Na sessão, o relator, deputado Darci de Matos (PSD-SC), apresentou parecer favorável à proposta. No entanto, chamou atenção para a inconstitucionalidade de dois pontos do projeto enviado pelo Executivo e formalizou sugestões de alteração por meio de emendas supressivas à matéria.

Para ele, deve ser excluída a proibição de qualquer outra atividade remuneratória que não seja o cargo público. “Impedir que esse servidor exerça qualquer outra atividade remunerada representa uma restrição flagrantemente inconstitucional”, declarou.

Outro item criticado por Darci de Matos é o que traz a possibilidade de o presidente da República criar, fundir, transformar ou extinguir autarquias e fundações, somente por meio de um decreto.

“Tais entidades são criadas para desempenhar, de forma descentralizada, atividades típicas de Estado. Por essa razão, ostentam personalidade jurídica própria e da mesma natureza dos entes primários (União, Estados etc.), além de sequer estarem subordinadas aos ministérios, mas tão somente vinculadas”, acrescentou.

A proposta, enviada pelo governo em setembro do ano passado, ainda gera polêmica entre os servidores. A reforma administrativa coloca fim a uma série de promoções automáticas e benefícios, que são considerados pelo Ministério da Economia como privilégios. Conhecida como “Pec da Ingratidão”, o projeto é acusado de fragilizar o funcionalismo público. Depois da aprovação do parecer, uma comissão especial será formada para tratar do tema. A expectativa é que o deputado Arthur Maia (DEM-BA) seja o relator.

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