CONJUNTURA

IGP-M tem a maior alta desde a criação do real e influi no aluguel

Variação do IGP-M em 12 meses, indicador usado para corrigir contratos de locação, é a mais elevada dos últimos 25 anos. Especialistas, porém, recomendam a proprietários de imóveis e inquilinos que negociem reajustes mais razoáveis

VERA BATISTA ALEXIA OLIVEIRA*
postado em 29/05/2021 06:00
 (crédito:                 Antonio Cunha/CB/D.A Press - 20/1/16                    )
(crédito: Antonio Cunha/CB/D.A Press - 20/1/16 )

O Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M), usado no reajuste de grande parte dos contratos de aluguel, acelerou para 4,1% em maio, após ficar em 1,51% em abril. O indicador já acumula avanço de 14,39% no ano e de 37,04% em 12 meses. Essa é a maior alta em 25 anos, desde o Plano Real. Para especialistas do setor imobiliário, o desempenho do IGP-M pode interferir negativamente não apenas no bolso de inquilinos e proprietários, mas também afetar as taxas de desemprego e o crescimento da atividade econômica.

“Um aumento brutal nos custos pode provocar uma onda de imóveis fechados, tanto residenciais quanto comerciais, principalmente os alugados por pequenos e médios empresários do setor de serviços, levando à dispensa de empregados e ao fechamento de negócios”, avalia Maria Eugênia Cortez, especializada em direito imobiliário e sócia do Cortez Advogados.

Na avaliação da advogada, a saída é a negociação entre as partes, levando em conta o momento de crise sanitária. “Isso é o que normalmente acontece. Poucas negociações chegam ao Judiciário. E mesmo quando chegam, o juiz tende a levar em consideração os preços de mercado e a capacidade de pagamento do locatário, a não ser nos casos em que os valores pagos estão muito baixos. Uma coisa é o que está no contrato, outra coisa é a vida real”, ressaltou Maria Eugênia.

Marcus Araújo, presidente e fundador da Datastore, empresa especializada em pesquisas para o setor imobiliário, assinala que os agentes desse mercado já chegaram à conclusão de que o IGP-M não será repassado. “Está sendo aplicado o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que acumulou alta de 6,17% nos últimos 12 meses, ou correções levemente acima”, afirmou. “O bom senso tem que imperar. Perder um inquilino agora, em plena pandemia, pode significar, com raras exceções, mais custos com condomínio e outras taxas”, reforçou.

A advogada Andrea Navarro, sócia da Alario Navarro Soluções por Acordo, destaca que as saídas encontradas nas negociações entre inquilinos e proprietários vão desde a isenção completa de qualquer reajuste para este ano até a troca por um índice com histórico de oscilação mais seguro. Outro caminho, que tem sido mais comum nas redes varejistas, é a manutenção do IGP-M com uma limitação do percentual a ser aplicado — que pode ser, por exemplo, uma média dos últimos anos”, apontou.

Moradora de Teresina, a estudante de fisioterapia Ana Karolline, 26 anos, relata que tem enfrentado dificuldade para bancar o aluguel da moradia e precisa da mãe, de 52 anos, para ajudar nas contas. Ela disse que negociou com o dono do imóvel um preço mais flexível. “O proprietário levou em consideração a crise no país e, nos seis primeiros meses do ano, propôs um desconto de 30% para os inquilinos”, explicou.

Néfi Rossi, corretor de imóveis, 28, mora em Santa Maria (DF). Para ele, o valor atual do aluguel não está justo. “O preço foi mantido durante a pandemia. O correto seria diminuir. O proprietário devia ver a situação do inquilino e saber se ele está podendo pagar o aluguel integral ou não. E negociar com o morador”, disse.

Motivos
A alta do IGP-M tem sido impulsionada, principalmente, pelo aumento nos preços das commodities (mercadorias com cotação internacional). “Em maio, o Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA) avançou 5,23%, sob forte influência dos aumentos registrados para minério de ferro, cana-de-açúcar e milho. Essas três commodities responderam por 62,9% do resultado do IPA”, explicou o economista André Braz, coordenador dos índices de preços da FGV. O IPA compõe 60% do índice geral.

*Estagiária sob a supervisão de Odail Figueiredo

 

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Na Bolsa, tudo azul

Apesar de o Brasil ainda mostrar um alto índice de mortes e casos de covid-19 e de se falar em uma terceira onda da pandemia por aqui, o principal índice da Bolsa de São Paulo, a B3, atingiu, ontem, a máxima histórica no fechamento do pregão, aos 125.561 pontos. O crescimento da demanda global por commodities ajudou no resultado, mas a leitura de analistas é de que a resiliência da economia brasileira em meio à crise do coronavírus é a principal explicação para o novo recorde. Os riscos à frente são conhecidos: a lentidão da vacinação e a alta da inflação.

Em maio, o Ibovespa acumula alta de 5,61%, em desempenho melhor que o dos índices das bolsas de Nova York e de países emergentes como China e México. Marcado pela discussão sobre a possível elevação dos juros nos Estados Unidos, com o salto da inflação americana, o mês também registrou indicadores econômicos melhores do que o esperado no Brasil. Isso elevou a expectativa para o PIB nacional em 2021.

“Continuamos vendo o boom das commodities e os ventos (positivos) internacionais soprando”, diz Jerson Zanlorenzi, responsável pela área de renda variável e derivativos do BTG Pactual Digital. “O mercado voltou a criar esperanças com a economia local.” E isso inclui o próprio BTG: agora, o banco espera que o PIB brasileiro cresça 4,3% neste ano, ante 3,5% anteriormente.

Embora a previsão seja ajudada pela base fraca de comparação em 2020, quando a economia tombou 4,1%, analistas afirmam que uma revisão positiva influencia as projeções para os ganhos das empresas de capital aberto. Lucros maiores abrem mais espaço para que os índices acionários subam — significam que os investidores vão ganhar mais com ações, seja com o aumento dos preços seja com pagamentos de dividendos.

“Na China, essa recuperação aconteceu no ano passado, depois, vieram os Estados Unidos. Nós estamos no meio do caminho, e as estimativas cresceram bastante nas últimas duas ou três semanas, o que segurou o Ibovespa”, diz Gilberto Nagai, chefe de renda variável da BNP Paribas Asset Management.

Juros e endividamento em alta

Enquanto o desemprego no país bate recorde, atingindo 14,8 milhões de brasileiros em meio à pandemia, os juros cobrados nos empréstimos pelas instituições financeiras públicas e privadas voltaram a subir de forma generalizada, embalados pelo novo ciclo de alta da taxa básica da economia (Selic), iniciado em março pelo Banco Central. Com isso, ajudam a elevar o endividamento das famílias para níveis nunca antes vistos, enquanto a renda é corroída pela inflação que não dá trégua.

O custo do cheque especial para pessoa física, por exemplo, aumentou de 122,3% para 124,5% ao ano, entre março e abril, conforme dados do Banco Central divulgados ontem. Já os juros do rotativo do cartão de crédito passaram de 334,6% para 335,3%, na mesma base de comparação. Na média, as taxas de juros cobradas das pessoas físicas, considerando todos os tipos de operação, encerraram abril em 44% ao ano, o maior nível desde junho de 2020. Foi o quarto mês consecutivo de alta.

De acordo com o BC, o endividamento das famílias atingiu o patamar histórico, de 57,7% da massa salarial contabilizada em fevereiro. Esse percentual é o mais elevado desde o início da série histórica do BC, iniciada em janeiro de 2005, de acordo com o chefe do Departamento de Estatísticas, Fernando Rocha. Ele destacou que o comprometimento de renda ficou em 30,7%, em fevereiro deste ano. “O nível mais alto da série histórica foi 30,8% em novembro de 2020.”

Miguel Ribeiro de Oliveira, diretor executivo de Estudos e Pesquisas da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), explicou que o endividamento das famílias decorre do desemprego recorde. “Esse ambiente faz com que as pessoas tenham menos renda disponível, e, aliado à alta da Selic, o risco de crédito e os juros tendem a subir”, observou. Segundo ele, os bancos estão preocupados, porque, daqui para frente, a inadimplência deverá aumentar e a tendência será de juros mais altos e crédito mais escasso.

A taxa média de inadimplência da pessoa física está estável em 2,9% há cinco meses, segundo os dados do BC. Luis Otávio de Souza Leal, economista-chefe do Banco Alfa, reconheceu, porém, que o endividamento elevado é um risco a ser considerado daqui para frente em um cenário de desemprego recorde. “A inadimplência está baixa, tanto para a pessoa física quanto para a jurídica, mas por conta das renegociações dos empréstimos realizados durante a pandemia”, alertou. (Colaborou Fernanda Strickland, estagiária sob a supervisão de Odail Figueiredo)

335,3%
ao ano

Taxa média cobrada, em abril, no rotativo do cartão de crédito, segundo o Banco Central

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