A pandemia obrigou empresários a apelarem, como nunca, para a criatividade. Algumas pessoas que passaram a trabalhar de casa conseguiram ajustar o tempo para executar outras atividades. Uma delas, a que parece ser a mais simples, mas não é, acaba sendo pensar. Isso mesmo, buscar soluções criativas em meio ao isolamento. O desafio é ponderar o fato de que o lar pode ser favorável ao pensamento. Porém, o cidadão acaba privado de experiências motivadoras e capazes de funcionar como combustível para a criação.
Para ilustrar essa perspectiva, o Correio Braziliense decidiu levantar histórias de empreendedores que investiram na criatividade para sobreviver à crise. Caso do empresário Luiz Antônio Gonçalves, 32 anos. O personal trainer montou uma academia ambulante que vai para onde o cliente quiser.
De acordo com Luiz Antônio, a ideia surgiu ainda antes da disseminação da covid-19, por volta de 2017. “Sempre fui um entusiasta do conceito do treino personalizado, justamente por acreditar que o exercício físico deve respeitar as características, as necessidades e os objetivos específicos de cada pessoa. E outra coisa que sempre me atraiu foi a oportunidade de ministrar minhas aulas ao ar livre, distante dos ambientes fechados das academias”, justifica.
“O empurrão que faltava para meu projeto sair do papel foi o decreto de fechamento das academias devido à pandemia. Com mais tempo e uma demanda maior, consegui investir tempo e energia nesse propósito”, informa.
O educador afirma que o projeto atingiu as expectativas. “O crescimento foi mais rápido em relação ao planejado. Em poucas semanas, todos os horários disponíveis estavam preenchidos. Tive muitos feedbacks positivos dos alunos que, além de amarem treinar ao ar livre, garantiram ter alcançado melhores resultados em menos tempo”, garante Luiz Antônio. “Além de um aumento significativo na qualidade de vida”, completa.
Atualmente, o profissional tem 21 alunos em treinamento individual, atendidos no local de preferência, seja perto de casa, seja do trabalho. “Recentemente, precisei ampliar a estrutura. Passei a contar com outros três professores trabalhando comigo. Eles aplicam os programas de treino desenvolvidos por mim, nos horários nos quais não consigo atender de forma presencial”, comemora, enfatizando que alguns alunos ainda pedem consultoria on-line.
Mercado erótico
A carioca Isabela Cerqueira Cardoso, 26, viu que havia um mercado em expansão e não pensou duas vezes. A engenheira montou um sexshop on-line. O negócio trouxe tanto retorno que foi preciso contratar dois empregados.
Conforme explica, nos últimos anos houve um aumento do espaço de discussão sobre empoderamento feminino. Esse debate trouxe à luz pautas sobre prazer, autoestima e amor próprio. “Mesmo com essa reviravolta no entendimento acerca desse tipo de comércio, o mercado erótico, em geral, ainda mantém uma visão focada na objetificação feminina e no prazer exclusivamente masculino, que não conversa com essa nova onda de autoconhecimento feminino”, diz a jovem. “Ainda como consumidora, vi a oportunidade de lançar algo cuja experiência fosse acolhedora, educativa e livre de tabus, não apenas mais um sexshop, mas uma loja voltada ao bem-estar sexual”, conta.
A empresária sempre conversou com amigas sobre sexualidade e viu, na quarentena e com uso crescente das redes sociais, uma oportunidade para expandir esse assunto para outras pessoas. “Em maio do ano passado, criei uma página no Instagram e vi seu crescimento exponencial sem que eu investisse em divulgação. Com isso, tive cinco meses de pesquisa de mercado com o público-alvo, que me ajudou a definir bem a estratégia para lançar a loja cinco meses depois”, explica.
Isabela garante ter atingido seus objetivos com esse negócio. “Comecei a trabalhar sozinha, com o estoque e o escritório no quarto dos fundos da minha casa. Em menos de seis meses, a empresa cresceu a ponto de ser necessária a expansão para um espaço físico próprio. Atualmente, tenho mais de 27 mil seguidores em nossa página do Instagram e já atendemos mais de 2 mil pessoas, entregando em todos os estados do Brasil”, comemora.
Lojas virtuais
A microempresária Rayza Vasque, 30, lançou a própria marca de acessórios. A artista trabalha com a venda de pulseiras, brincos, colares e anéis. A pandemia, porém, mudou completamente sua forma de trabalhar. “Passou do atendimento presencial, divulgação em feiras, eventos e lojas físicas (colaborativas) para o atendimento totalmente virtual. Com isso, toda a logística teve de ser repensada. Criei uma loja virtual e tenho trabalhado na divulgação virtual dos meus produtos”, explica.
De acordo com a empreendedora, a criatividade é algo presente e permanente em seu cotidiano. “Ela faz parte de todas as etapas do meu trabalho, pois as peças são autorais. Além da produção, passar todo conceito na divulgação e fotos também demanda pensar de forma inovadora”, cita.
Kauanne Vieira, 21, é outro exemplo de criatividade. A empreendedora autônoma é confeiteira e tem seu próprio negócio de vendas pela internet. De acordo com ela, o desemprego em meio à pandemia foi um dos motivadores para a busca da inovação. “Os empregos formais estão cada vez mais escassos. Minha filha havia acabado de nascer, e tive que criar alternativas para conseguir uma renda extra”, pontua. Segundo ela, o segredo está em ousar nos produtos, nas decorações e nas receitas novas. “Não costumo ficar na minha zona de conforto. Faço absolutamente tudo com alta qualidade, capricho e amor. Sempre estou me atualizando com cursos profissionalizantes”, afirma.
Lucratividade
Rodrigo Paulucio é representante de mais um projeto criativo. Trata-se de uma marcenaria sustentável que nasceu em Brasília. A marca trabalha com o propósito de criar objetos práticos de decoração. Para o artesão de 36 anos, a crise sanitária foi um fator que aumentou o seu negócio consideravelmente.
“No começo da pandemia, precisei dar uma segurada, porque ninguém sabia o que aconteceria. Eu e minha equipe decidimos por seguir juntos, porém tomando todos os cuidados. Nesse momento inicial, nosso ramo teve uma queda, mas logo subiu, e de maneira considerável, pois o pessoal acabou ficando muito em casa e passou a ver muitas necessidades que não via antes”, diz o serralheiro. “A demanda por novos móveis, até para melhorar o aspecto e conforto do ambiente, cresceu bastante”, frisa.
O artesão também se mostra confiante com os resultados a respeito do mercado. “Para nós, foi uma surpresa”, atesta. “Nos preparamos para uma queda vertiginosa e acabamos tendo uma alta, exatamente no momento em que o mercado não estava muito legal. Nada estava seguro, mas, ainda assim, conseguimos nos virar por aqui e deu tudo certo”, comemora.
A fotógrafa Natália Sodré, 27, da cidade de Valparaíso de Goiás (GO), decidiu montar o próprio estúdio. Há cinco anos no mercado, a empresária também deixa um conselho para quem pretende abrir empresa. “Estude o mercado com o qual você pretende atuar. Planejamento estratégico e financeiro adaptado a essa nova realidade são fundamentais. Outra questão: não esqueça de colocar muito amor e dedicação em cada detalhe”, conclui.