ENTREVISTA

"Quero trazer inovação ao serviço público", diz deputado Fernando Monteiro

Presidente da Comissão Especial da reforma administrativa pretende construir as bases do funcionalismo do século 21. Ele garante que ouvirá todas as partes envolvidas, defende avaliação de desempenho e afirma que estabilidade não é pré-condição

Carlos Alexandre de Souza
Ana Dubeux
Ana Maria Campos
postado em 12/06/2021 06:00
"Vai ter divergência? Vai. Vai ter discussão acalorada? Vai. Daí a importância de garantirmos o amplo debate, democrático e respeitoso. Serei um permanente vigilante para mantermos o debate no mais alto nível" - (crédito: Camara dos Deputados/Divulgação)

Escolhido esta semana para presidir a Comissão Especial da reforma administrativa, o deputado Fernando Monteiro (PP-PE) sabe que não faltarão controvérsias nos debates para corrigir distorções do funcionalismo público. Estão em jogo benefícios — ou privilégios, diriam muitos — que estão em vigor há décadas. Na avaliação de Monteiro, o fim da estabilidade para algumas carreiras do funcionalismo público é seguramente um dos debates mais polêmicos. Um ponto, no entanto, o parlamentar assegura: as novas regras não vão atingir os atuais servidores, apenas quem ingressar após a aprovação da PEC (Proposta de Emenda Constitucional) 32/20.

Monteiro lembra, no entanto, outras questões delicadas. Diz que não é ponto pacífico, como expresso no texto enviado pelo Executivo, a manutenção de benefícios a militares, parlamentares, magistrados e membros do Ministério Público. Com a pressão popular, acredita o presidente da Comissão, essa parte da proposta pode ser alterada. Monteiro vê a a reforma administrativa como uma oportunidade para se discutir avanços necessários na administração pública, em um país tão carente de serviços ao cidadão. “Quero trazer o funcionalismo público para o século 21”, promete o deputado, nesta entrevista ao Correio. A ver.

Como presidente de uma comissão especial que vai mexer com a vida de tanta gente, qual é a sua missão e o seu propósito?

A minha primeira e principal missão será a de garantir que todos os segmentos — sindicatos e associações de servidores, de empresários, governo e especialistas — sejam ouvidos. A palavra-chave será “diálogo”. A profundidade da reforma da modernização do Estado exige da Comissão uma postura de ouvir todos os lados, aprofundar os temas e definir a melhor reforma para o cidadão. É a ele que estamos servindo.

Quando concluir o trabalho, o que espera ter feito?

Quero ter dado o primeiro passo com a aprovação da PEC que levará à modernização do Estado. É o primeiro degrau da modernização. Modernizar para ter mais agilidade, para termos um serviço de qualidade, de excelência. Que o beneficiado seja o cidadão que paga imposto, que responde por 33,17% do PIB. Quero trazer o funcionalismo público para o século 21. Vamos usar a tecnologia, a informática, melhorar as condições de trabalho do servidor, e trazer a inovação ao serviço público brasileiro.

O que significa essa “modernização do Estado”?

Significa ter o cidadão como principal prioridade. É ele quem paga impostos e merece receber um atendimento de excelência. Ele precisa ser respeitado, ser bem tratado quando recorre ao Estado. Modernizar é garantir isso. Sou a favor do servidor e do respeito ao cidadão.

Será mais fácil aprovar as mudanças se valerem apenas para os futuros servidores?

Num assunto tão relevante para a sociedade brasileira como este, não existe mudança mais fácil ou mais difícil de aprovar. Existe a necessidade de mudarmos o que está aí. Nisso, posso arriscar que há um consenso. Precisamos aprovar uma modernização do Estado para o século 21! Ninguém está satisfeito com a qualidade do serviço prestado atualmente, nem mesmo o servidor, que não tem condições plenas para trabalhar.

Quais privilégios devem ser abolidos?

Não vejo que a maioria dos servidores tenha “privilégios”. Vejo que alguns segmentos possuem melhores condições de trabalho, melhores condições salariais em relação às demais categorias. E que isso não representem, necessariamente, “privilégios” — e eu sempre coloco entre aspas — irremovíveis para não serem discutidos na comissão. Todo privilégio precisa ser combatido.

Estabilidade é um mal para o bom serviço público?

Não entendo a estabilidade do servidor público como pré-condição da prestação de um bom serviço de qualidade. Mas também não encontro necessidade para que nenhum servidor não tenha estabilidade. Precisamos analisar os casos específicos, ver a posição do servidor dentro da estrutura administrativa, a sua relevância funcional. Certamente a estabilidade, o alcance que ela deva ter, será um dos debates mais ricos que teremos na comissão, e prevalecerá a visão e a vontade da maioria. Uma coisa é certa: os atuais servidores continuarão mantendo a sua estabilidade.

Quais carreiras precisam ter estabilidade?

Em tese, todas aquelas que realizam atividades essenciais ao Estado, com obrigações e regras específicas que a justifiquem. Como disse, essa será uma importante discussão na comissão, e quero ouvir as razões para este ou aquele setor tenha ou não a estabilidade. Mas não se pode discutir os temas isoladamente. Fazer isso não levará a nada. Precisamos ver, sempre, o conjunto.

E a meritocracia?

A proposta da PEC 32/20 tem um sistema de avaliação de desempenho que entendo ser uma boa novidade e permitirá que, ao longo dos anos, o futuro servidor seja realmente avaliado. O atual modelo se mostrou ineficiente. Acredito que os servidores e suas entidades não devam ser contrários a um sistema de aferição de desempenho. Não percebo, também, qualquer tipo de possibilidade de “apadrinhamento político” quando existe um sistema de avaliação. Pelo contrário.

Parlamentares, magistrados, procuradores, promotores e militares ficarão de fora das mudanças. Isso não é um privilégio?

Essa discussão já existe na sociedade, nas redes sociais, e mesmo na comissão. Como disse, teremos a oportunidade de discutir esta situação uma vez que serão apresentadas emendas para incluí-los. Aí vamos discutir e decidir se esses setores estarão ou não incluídos.

O ministro Paulo Guedes costuma se referir a servidores públicos de forma pejorativa, como se tivessem muitas facilidades. Concorda com ele?

Não concordo. Acho que houve má interpretação das falas do ministro Paulo Guedes. Ele mesmo já reiterou a importância que o servidor público tem na administração pública do país. O que ele quer é mudar a situação, que é anacrônica. O atual modelo é da Constituição de 88. São 33 anos! O mundo era outro, e as regras permaneceram as mesmas.

Criou-se a imagem do servidor público que não trabalha e ganha bem, sem risco de demissão. Isso corresponde à realidade do nosso país?

Essa não é a minha visão do funcionalismo público e a repudio. A maioria dos servidores, seja federal, estadual ou municipal, é de homens e mulheres dedicados. São pessoas que por vezes trabalham em condições precárias porque o Estado não lhes oferece os meios necessários. Existem distorções? Existem. Existem servidores ineficientes? Existem. Mas com certeza não representam a maioria deles. Vimos isso no SUS, que foi fundamental para atender a população na pandemia.

Não era a hora de cortar benefícios também de deputados e senadores?

Certamente vamos discutir esse assunto na Comissão porque alguns parlamentares vão levantá-lo. Pode ser, sim, uma boa oportunidade para discutirmos os “benefícios” que os parlamentares têm e, também, entender por que eles existem.

E quanto aos magistrados?

É a mesma coisa. Vamos ter a oportunidade de discutir com profundidade por que os magistrados teriam “privilégios” ou “penduricalhos”. Quais as atividades eles desempenham? Qual a importância deles para a sociedade brasileira? Quais as condições em que trabalham? Quais as especificidades que têm? Tudo isso será muito bem discutido.

A comissão pode se tornar um palco de vaidades, como muitos avaliam ter virado a CPI da Covid?

Não acredito. Os integrantes da comissão são homens e mulheres que têm compromisso com o mandato que o povo lhes confiou. Vai ter divergência? Vai. Vai ter discussão acalorada? Vai. Daí a importância de garantirmos o amplo debate, democrático e respeitoso.

Será possível definir a reforma administrativa em até 40 sessões, como está previsto?

Tenho certeza que sim.

O relator da comissão, deputado Arthur Maia (Cidadania-BA), disse que é preciso “colocar o dedo na ferida e qualificar o serviço público”. O que pensa disso?

Acredito que o relator tenha usado esta frase para generalizar uma visão do problema. Mas já disse que é fundamental que haja uma avaliação do serviço público prestado, e os próprios servidores querem isso. Estamos em pleno século 21! A cada momento estamos sendo avaliados. As redes sociais trouxeram uma agilidade e uma contemporaneidade instantânea! Como não querer implantar um sistema criterioso de avaliação do desempenho do servidor? É impossível não o querer, sob o risco de sermos ridicularizados pela opinião pública.

A reforma ficará restrita ao Executivo? O que pretende para o Legislativo e o Judiciário?

O tamanho e a amplitude da reforma com base na PEC 32 serão definidos democraticamente pela comissão. Iremos discutir todas as propostas, todas as emendas que ampliem o escopo da PEC 32. Mas sempre dentro dos parâmetros legais.

Os sindicatos estão muito mobilizados e são radicalmente contra a reforma. Como pretende tratar essas lideranças?

Com o maior respeito que merecem, por representarem diferentes categorias profissionais dentro do serviço público brasileiro. Já conversei com algumas lideranças e já lhes garanti — como fiz com os integrantes da comissão — que ouviremos a todos, que todos terão o direito de expressar sua opinião livremente.

Diversos servidores públicos, inclusive militares, têm atuado politicamente em favor do governo. O que pretende para frear essa distorção no funcionalismo?

Não há qualquer impedimento legal para que militares possam trabalhar em governo, sempre que respeitada a regulamentação específica. Defender governos em que trabalham não é problema, desde que respeitada a Constituição. Cada um responde por que diz e faz.

Há um sentimento, entre deputados, que o governo não estaria empenhado para lutar por essa reforma. Isso é verdade?

Não é verdade! O governo está empenhado na aprovação da PEC 32/20. Sou testemunha disso. Conversei com o ministro Paulo Guedes e ele demonstrou todo o interesse em ver a reforma aprovada logo para o bem do país. O presidente da Câmara, Arthur Lira, também está empenhadíssimo na aprovação da PEC, como disse aos líderes partidários e a mim e ao relator Arthur Maia. Ela é fundamental para modernizarmos o Estado brasileiro.

Quais os próximos passos da comissão?

Na próxima quarta-feira, vamos discutir um plano de trabalho, elaborado em conjunto com o relator Arthur Maia. Vamos discutir e trabalhar exaustivamente. Vamos listar as pessoas e entidades que serão ouvidas e tentarmos um consenso para já serem feitos os primeiros convites. E assim terminar os trabalhos até setembro.

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