Escolhido esta semana para presidir a Comissão Especial da reforma administrativa, o deputado Fernando Monteiro (PP-PE) sabe que não faltarão controvérsias nos debates para corrigir distorções do funcionalismo público. Estão em jogo benefícios — ou privilégios, diriam muitos — que estão em vigor há décadas. Na avaliação de Monteiro, o fim da estabilidade para algumas carreiras do funcionalismo público é seguramente um dos debates mais polêmicos. Um ponto, no entanto, o parlamentar assegura: as novas regras não vão atingir os atuais servidores, apenas quem ingressar após a aprovação da PEC (Proposta de Emenda Constitucional) 32/20.
Monteiro lembra, no entanto, outras questões delicadas. Diz que não é ponto pacífico, como expresso no texto enviado pelo Executivo, a manutenção de benefícios a militares, parlamentares, magistrados e membros do Ministério Público. Com a pressão popular, acredita o presidente da Comissão, essa parte da proposta pode ser alterada. Monteiro vê a a reforma administrativa como uma oportunidade para se discutir avanços necessários na administração pública, em um país tão carente de serviços ao cidadão. “Quero trazer o funcionalismo público para o século 21”, promete o deputado, nesta entrevista ao Correio. A ver.
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Como presidente de uma comissão especial que vai mexer com a vida de tanta gente, qual é a sua missão e o seu propósito?
A minha primeira e principal missão será a de garantir que todos os segmentos — sindicatos e associações de servidores, de empresários, governo e especialistas — sejam ouvidos. A palavra-chave será “diálogo”. A profundidade da reforma da modernização do Estado exige da Comissão uma postura de ouvir todos os lados, aprofundar os temas e definir a melhor reforma para o cidadão. É a ele que estamos servindo.
Quando concluir o trabalho, o que espera ter feito?
Quero ter dado o primeiro passo com a aprovação da PEC que levará à modernização do Estado. É o primeiro degrau da modernização. Modernizar para ter mais agilidade, para termos um serviço de qualidade, de excelência. Que o beneficiado seja o cidadão que paga imposto, que responde por 33,17% do PIB. Quero trazer o funcionalismo público para o século 21. Vamos usar a tecnologia, a informática, melhorar as condições de trabalho do servidor, e trazer a inovação ao serviço público brasileiro.
O que significa essa “modernização do Estado”?
Significa ter o cidadão como principal prioridade. É ele quem paga impostos e merece receber um atendimento de excelência. Ele precisa ser respeitado, ser bem tratado quando recorre ao Estado. Modernizar é garantir isso. Sou a favor do servidor e do respeito ao cidadão.
Será mais fácil aprovar as mudanças se valerem apenas para os futuros servidores?
Num assunto tão relevante para a sociedade brasileira como este, não existe mudança mais fácil ou mais difícil de aprovar. Existe a necessidade de mudarmos o que está aí. Nisso, posso arriscar que há um consenso. Precisamos aprovar uma modernização do Estado para o século 21! Ninguém está satisfeito com a qualidade do serviço prestado atualmente, nem mesmo o servidor, que não tem condições plenas para trabalhar.
Quais privilégios devem ser abolidos?
Não vejo que a maioria dos servidores tenha “privilégios”. Vejo que alguns segmentos possuem melhores condições de trabalho, melhores condições salariais em relação às demais categorias. E que isso não representem, necessariamente, “privilégios” — e eu sempre coloco entre aspas — irremovíveis para não serem discutidos na comissão. Todo privilégio precisa ser combatido.
Estabilidade é um mal para o bom serviço público?
Não entendo a estabilidade do servidor público como pré-condição da prestação de um bom serviço de qualidade. Mas também não encontro necessidade para que nenhum servidor não tenha estabilidade. Precisamos analisar os casos específicos, ver a posição do servidor dentro da estrutura administrativa, a sua relevância funcional. Certamente a estabilidade, o alcance que ela deva ter, será um dos debates mais ricos que teremos na comissão, e prevalecerá a visão e a vontade da maioria. Uma coisa é certa: os atuais servidores continuarão mantendo a sua estabilidade.
Quais carreiras precisam ter estabilidade?
Em tese, todas aquelas que realizam atividades essenciais ao Estado, com obrigações e regras específicas que a justifiquem. Como disse, essa será uma importante discussão na comissão, e quero ouvir as razões para este ou aquele setor tenha ou não a estabilidade. Mas não se pode discutir os temas isoladamente. Fazer isso não levará a nada. Precisamos ver, sempre, o conjunto.
E a meritocracia?
A proposta da PEC 32/20 tem um sistema de avaliação de desempenho que entendo ser uma boa novidade e permitirá que, ao longo dos anos, o futuro servidor seja realmente avaliado. O atual modelo se mostrou ineficiente. Acredito que os servidores e suas entidades não devam ser contrários a um sistema de aferição de desempenho. Não percebo, também, qualquer tipo de possibilidade de “apadrinhamento político” quando existe um sistema de avaliação. Pelo contrário.
Parlamentares, magistrados, procuradores, promotores e militares ficarão de fora das mudanças. Isso não é um privilégio?
Essa discussão já existe na sociedade, nas redes sociais, e mesmo na comissão. Como disse, teremos a oportunidade de discutir esta situação uma vez que serão apresentadas emendas para incluí-los. Aí vamos discutir e decidir se esses setores estarão ou não incluídos.
O ministro Paulo Guedes costuma se referir a servidores públicos de forma pejorativa, como se tivessem muitas facilidades. Concorda com ele?
Não concordo. Acho que houve má interpretação das falas do ministro Paulo Guedes. Ele mesmo já reiterou a importância que o servidor público tem na administração pública do país. O que ele quer é mudar a situação, que é anacrônica. O atual modelo é da Constituição de 88. São 33 anos! O mundo era outro, e as regras permaneceram as mesmas.
Criou-se a imagem do servidor público que não trabalha e ganha bem, sem risco de demissão. Isso corresponde à realidade do nosso país?
Essa não é a minha visão do funcionalismo público e a repudio. A maioria dos servidores, seja federal, estadual ou municipal, é de homens e mulheres dedicados. São pessoas que por vezes trabalham em condições precárias porque o Estado não lhes oferece os meios necessários. Existem distorções? Existem. Existem servidores ineficientes? Existem. Mas com certeza não representam a maioria deles. Vimos isso no SUS, que foi fundamental para atender a população na pandemia.
Não era a hora de cortar benefícios também de deputados e senadores?
Certamente vamos discutir esse assunto na Comissão porque alguns parlamentares vão levantá-lo. Pode ser, sim, uma boa oportunidade para discutirmos os “benefícios” que os parlamentares têm e, também, entender por que eles existem.
E quanto aos magistrados?
É a mesma coisa. Vamos ter a oportunidade de discutir com profundidade por que os magistrados teriam “privilégios” ou “penduricalhos”. Quais as atividades eles desempenham? Qual a importância deles para a sociedade brasileira? Quais as condições em que trabalham? Quais as especificidades que têm? Tudo isso será muito bem discutido.
A comissão pode se tornar um palco de vaidades, como muitos avaliam ter virado a CPI da Covid?
Não acredito. Os integrantes da comissão são homens e mulheres que têm compromisso com o mandato que o povo lhes confiou. Vai ter divergência? Vai. Vai ter discussão acalorada? Vai. Daí a importância de garantirmos o amplo debate, democrático e respeitoso.
Será possível definir a reforma administrativa em até 40 sessões, como está previsto?
Tenho certeza que sim.
O relator da comissão, deputado Arthur Maia (Cidadania-BA), disse que é preciso “colocar o dedo na ferida e qualificar o serviço público”. O que pensa disso?
Acredito que o relator tenha usado esta frase para generalizar uma visão do problema. Mas já disse que é fundamental que haja uma avaliação do serviço público prestado, e os próprios servidores querem isso. Estamos em pleno século 21! A cada momento estamos sendo avaliados. As redes sociais trouxeram uma agilidade e uma contemporaneidade instantânea! Como não querer implantar um sistema criterioso de avaliação do desempenho do servidor? É impossível não o querer, sob o risco de sermos ridicularizados pela opinião pública.
A reforma ficará restrita ao Executivo? O que pretende para o Legislativo e o Judiciário?
O tamanho e a amplitude da reforma com base na PEC 32 serão definidos democraticamente pela comissão. Iremos discutir todas as propostas, todas as emendas que ampliem o escopo da PEC 32. Mas sempre dentro dos parâmetros legais.
Os sindicatos estão muito mobilizados e são radicalmente contra a reforma. Como pretende tratar essas lideranças?
Com o maior respeito que merecem, por representarem diferentes categorias profissionais dentro do serviço público brasileiro. Já conversei com algumas lideranças e já lhes garanti — como fiz com os integrantes da comissão — que ouviremos a todos, que todos terão o direito de expressar sua opinião livremente.
Diversos servidores públicos, inclusive militares, têm atuado politicamente em favor do governo. O que pretende para frear essa distorção no funcionalismo?
Não há qualquer impedimento legal para que militares possam trabalhar em governo, sempre que respeitada a regulamentação específica. Defender governos em que trabalham não é problema, desde que respeitada a Constituição. Cada um responde por que diz e faz.
Há um sentimento, entre deputados, que o governo não estaria empenhado para lutar por essa reforma. Isso é verdade?
Não é verdade! O governo está empenhado na aprovação da PEC 32/20. Sou testemunha disso. Conversei com o ministro Paulo Guedes e ele demonstrou todo o interesse em ver a reforma aprovada logo para o bem do país. O presidente da Câmara, Arthur Lira, também está empenhadíssimo na aprovação da PEC, como disse aos líderes partidários e a mim e ao relator Arthur Maia. Ela é fundamental para modernizarmos o Estado brasileiro.
Quais os próximos passos da comissão?
Na próxima quarta-feira, vamos discutir um plano de trabalho, elaborado em conjunto com o relator Arthur Maia. Vamos discutir e trabalhar exaustivamente. Vamos listar as pessoas e entidades que serão ouvidas e tentarmos um consenso para já serem feitos os primeiros convites. E assim terminar os trabalhos até setembro.
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