Conjuntura

O dilema do BC com juro alto

Após abandonar o discurso de inflação temporária, abrindo espaço para uma Selic cada vez mais alta, a instituição terá a prova de fogo da autonomia recém-conquistada, porque precisará escolher entre conter a carestia e comprometer a retomada em 2022

» Rosana Hessel
postado em 19/06/2021 23:51

A inflação cada vez mais forte fez o Banco Central mudar a estratégia na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) de quarta-feira (16), quando elevou a taxa básica de juros (Selic) de 3,50% para 4,25%, demonstrando mais preocupação com a persistência das pressões inflacionárias não apenas neste ano, mas também nos próximos, porque a carestia afetando as expectativas para 2022 e 2023. Com isso, a autonomia, recém-conquistada no Congresso, será colocada à prova se os juros ficarem muito altos e atrapalharem a retomada da economia e os planos de reeleição do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Além de os preços das commodities continuarem elevados, a crise hídrica entrou no radar e fez a conta de luz ficar mais cara, ajudando a manter a inflação elevada por mais tempo, um dos fatores para o Copom abandonar o discurso de que ela é temporária. Para os analistas de mercado, o BC precisará continuar focado em sua missão principal, que é controlar a inflação, que neste ano já vai estourar o teto da meta, de 5,25% anuais, e garantir o poder de compra da moeda brasileira. Por conta disso, eles apostam que o ciclo de alta da Selic vai seguir forte até o fim do ano, ou seja, sem interromper o processo de normalização dos juros. As apostas para a Selic em dezembro estão em 6,5%, mas elas não descartam uma taxa acima de 7%, podendo chegar a 7,5% no ano que vem.

Especialistas reconhecem que os juros em escalada podem prejudicar o processo de retomada da atividade econômica, que está em curso após a recessão de 2020, quando o Produto Interno Bruto (PIB) encolheu 4,1%. Se a Selic ficar acima da taxa para os juros neutros, atualmente de 6,5% a 7% ao ano pelas estimativas dos especialistas, a política monetária deixará de ser estimulativa para ser contracionista, o que será ruim para um governo que tenta se reeleger em 2022 em um cenário em que o desemprego deverá continuar elevado.

Impacto
Enquanto as novas projeções do PIB deste ano giram em torno de 5% a 5,5%, para o ano que vem, as apostas convergem para 2% e 2,5%. Analistas lembram que, quando o BC eleva a Selic, o impacto na atividade é mais demorado, em torno de nove meses. Logo, os reflexos desse novo ciclo de aperto monetário iniciado em março terá impacto a partir de janeiro do ano que vem, que é um ano eleitoral e terá grande volatilidade nas expectativas.

Carlos Thadeu de Freitas Gomes, ex-diretor do BC e economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), alerta para o fato de a inflação atual não ser pressionada pela demanda, porque a atividade ainda está fraca. “O BC só conseguirá elevar a Selic até o patamar dos juros neutros”, aposta. A economista Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria, também reconhece que uma expansão mais robusta pode ser comprometida se as novas previsões para a Selic forem confirmadas. “Vai ser difícil um crescimento no PIB de 2% a 2,5% no ano que vem, com a inflação elevada e os juros em 7,5%”, afirma.

A economista Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), prevê expansão de 1,7% no PIB de 2022 e lembra, ainda, que o BC terá um grande desafio para cumprir as metas de inflação. A deste ano, cujo centro é de 3,75% anuais e teto de 5,25% já foi para o brejo. E, a do ano que vem, com centro de 3,50% e teto de 5% , começa a ficar sob ameaça. “A inflação está se espalhando no mundo e no mercado doméstico. E o Banco Central, ao sinalizar que vai manter o ajuste monetário ao longo do ano, mostra que está preocupado com a inflação. Mas o desafio será conseguir cumprir uma meta que é cadente”, avalia.

Pelos cálculos de Silvia Matos, como os serviços ainda não se recuperaram, os preços desse segmento ainda não sofreram repasses para os consumidores o que vai complicar o trabalho do BC. Segundo ela, os serviços, que representam 35% do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), contribuem negativamente para a inflação, pois, excluindo esse segmento, a alta do indicador fica perto de 12% no acumulado em 12 meses. Pelas estimativas do instituto, que estão mais conservadoras do que a de grandes bancos, o PIB brasileiro deverá crescer 4,8% neste ano e depois vai desacelerar para 1,7% no ano que vem.

Os riscos da alta de preços continuar persistente são elevados devido à indexação da economia, que vai criando alta inercial de preços, destaca o consultor e ex-diretor do BC Carlos Eduardo de Freitas. “Quando há mais inflação, pior para a economia, porque ela é muito indexada. E isso é o pior dos mundos para o brasileiro e para o governo, que vai ter que evitar gastar muito, senão o BC vai ter que continuar elevando os juros”, afirma.

Questão fiscal
Especialistas reconhecem que, em 2022, a questão fiscal precisará voltar ao radar do mercado, já que, neste ano, acabou sendo minimizada porque, com a inflação mais alta, haverá queda na dívida pública sem que haja cortes de despesas. O PIB nominal ficou maior com a ajuda do deflator, jogando as estimativas do governo para 85% do PIB, patamar ainda elevado se comparado com as demais economias emergentes. E uma preocupação crescente é como Bolsonaro vai se comportar em um ano eleitoral. Analistas reconhecem que os riscos fiscais podem ser maiores no ano que vem com a ameaça real de o teto de gastos — emenda constitucional que limita o aumento das despesas à inflação do ano anterior—, considerado a última âncora fiscal em vigor, pode ruir no ano que vem. A inflação mais alta na primeira metade do ano vai ajudar Bolsonaro a ter um espaço fiscal maior no ano que vem, já que o IPCA acumulado até junho, que corrige o teto, deverá ser maior do que o índice de correção das despesas obrigatórias, como aposentadorias.

Mas como Bolsonaro nunca foi um liberal, a expectativa é de que ele comece a aproveitar essa margem do teto para adotar medidas populistas para buscar se reeleger em 2022. Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da RPS Capital, faz alerta de que essa margem extra no teto para Bolsonaro gastar em 2022 está encolhendo, com a perspectiva de uma inflação cada vez mais elevada no fim do ano. Pelas contas dele, está entre R$ 25 bilhões a R$ 30 bilhões.

Segundo Barros, a promessa do presidente de elevar valor do benefício do novo Bolsa Família para R$ 300, “que pode estourar o teto de gastos”, sem contar que o mandatário também já sinalizou que pretende reajustar os salários de servidores em pleno ano eleitoral para evitar resistências e greves.

“O risco fiscal persiste e não diminuiu, mas ele ainda não está no preço das projeções atuais do mercado. A preocupação deu uma amenizada, mas voltará ao radar com a questão eleitoral e quando sentirem o cheiro do populismo econômico que o Bolsonaro vai utilizar para garantir a reeleição para 2022”, alerta Alessandra Ribeiro, da Tendências.

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