A novela da privatização dos Correios ganhou mais um capítulo. O governo federal definiu o modelo de desestatização da empresa e quer se desfazer de 100% do capital da estatal, segundo o secretário especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados do Ministério da Economia, Diogo Mac Cord. Em entrevista ao jornal O Globo, Mac Cord afirmou que o plano é vender o controle integral da empresa, em um leilão tradicional, com abertura de envelopes. De acordo com o secretário, no modelo de leilão o comprador levará ativos e passivos da companhia. A iniciativa, no entanto, enfrenta resistências.
Ontem, a Procuradoria-Geral da República afirmou ser inconstitucional a privatização total dos serviços prestados pelos Correios. Em manifestação sobre a Ação Direta de Constitucionalidade apresentada no Supremo Tribunal Federal pela Associação dos Profissionais dos Correios (ADCAP), o procurador-geral da República, Augusto Aras, lembrou que a Constituição veda a transferência dos serviços postais e do correio áereo nacional para a iniciativa privada. “Conforme entendimento já manifestado nos autos por esta Procuradoria-Geral da República, o inciso X do art. 21 da Constituição Federal não possibilita a prestação indireta dos serviços postais e do correio aéreo nacional. A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT até poderia ser cindida, com a desestatização da parte da empresa que exerce atividade econômica”, escreveu o procurador-geral.
A privatização também enfrenta obstáculos no Congresso. Especialistas ouvidos pelo Correio consideram improvável que a proposta passe pelo Congresso como está. Sairá “desidratada” e provavelmente não representará a economia prevista para os cofres públicos como quer o governo. O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), pretende definir o assunto até dia 17, quando começa o recesso parlamentar. Mas a proposta do governo é alvo de fortes críticas.
Para a deputada Fernanda Melchionna (Psol-RS), a privatização é “escandalosa e inconstitucional”. “Até a Procuradoria-Geral da República (PGR), que sempre defende esse governo, já constatou isso. A quebra do monopólio vai encarecer o custo do serviço. E esse governo, rejeitado por mais de 63% da população, não tem moral para um projeto dessa dimensão. Sem falar que é preciso avaliar com calma o destino de cerca de 100 mil trabalhadores”, afirmou a deputada.
As estratégias para barrar o avanço do Projeto de Lei (PL 591/21) do governo já estão em curso. “Vamos brigar para que essa matéria não seja pautada”, reforçou Fernanda Melchionna. Pelas redes sociais, o deputado José Guimarães (PT-CE) também reagiu. “Governo Bolsonaro ao vender nossas empresas estratégicas, ataca nossa soberania nacional. O Brasil fica refém de empresas que não visam os interesses nacionais, mas, sim, seus interesses privados”, publicou, ao se referir ao PL 591/21.
Lira disse que pretende votar o PL 591 em breve. Na manhã de ontem, ele reforçou que o relatório do deputado federal Gil Cutrim (Republicanos-MA) já estava pronto para ser entregue e que o prazo para a votação vai até o final de agosto. Procurado pelo Correio, Gil Cutrim não retornou ao contato do jornal.
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Balão de ensaio
Analistas desconfiam das pretensões do governo com a privatização dos Correios. O economista Cesar Bergo, sócio-investidor da Corretora OpenInvest, avalia que o discurso governista “está parecendo um balão de ensaio”. “Objetivamente, foi um balão de ensaio para testar o mercado, não somente o financeiro, mas o político, o dos relacionamentos. Ainda há muito caminho a trilhar”, disse Bergo. “Sabemos da intenção do ministro da Economia, Paulo Guedes, e do governo, de privatizar os Correios. No entanto, trata-se de uma categoria bem articulada, corporativista. Não vai ser fácil passar no Congresso”, ponderou”.
Ele considera que, de fato, os Correios estão em uma encruzilhada. Até bem pouco tempo, havia um monopólio. Atualmente, várias empresas internacionais entraram com força no mercado brasileiro. E a pandemia, afirmou, mostrou que os Correios carece de competitividade.
Gás natural fica 7% mais caro
A Petrobras informou ontem que, a partir de 1º de agosto, ajustará em 7% os preços de venda de gás natural para as distribuidoras. Segundo a empresa, o aumento ocorre em razão da cotação do petróleo e da taxa de câmbio. O cálculo considerou como referência a cotação dos meses de abril, maio e junho. Durante esse período, o petróleo subiu 13% e o real valorizou aproximadamente 4% em relação ao dólar. O preço final do gás natural ao consumidor não é determinado apenas pelo preço de venda da companhia, observou a estatal, mas também pelas margens das distribuidoras (e, no caso do Gás Natural Veicular, dos postos de revenda) e pelos tributos federais e estaduais.
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Dívidas somam R$ 2 bilhões
O economista Gil Castello Branco, especialista em finanças públicas e secretário-geral da Associação Contas Abertas, concorda que haverá dificuldades no Congresso. A empresa está presente nos 5.570 municípios brasileiros, na maioria operando com prejuízo, mas cumprindo funções sociais importantes. Segundo o Panorama das Estatais lembrou, em março deste ano, os Correios tinham 93.050 empregados, muitos com receio de demissão após a venda.
Castello Branco reforçou que o endividamento da ECT é de aproximadamente R$ 2 bilhões. O fundo de pensão dos empregados, o Postalis, tem déficit de R$ 7 bilhões e está em Termo de Ajustamento de Conduta com a Previc, autarquia reguladora. “Os servidores, mensalmente, arcam com parte dos seus salários para cobrir o rombo causado por más gestões e por corrupção. Em um ano eleitoral, como será 2022, a privatização dos Correios será um tema controverso”, enfatizou Castello Branco.
A Associação dos Profissionais dos Correios (ADCAP) elencou 10 pontos contrários à narrativa do governo. A entidade afirma não haver razões de ordem técnica, econômica ou legal para prosseguir com a tentativa de privatização. Entre os motivos mais importantes, ressaltam que o investimento necessário na empresa é de R$ 2 bilhões por ano e que, atualmente, a estatal só investe R$ 300 milhões. Por isso há demora nas entregas e perda de participação no mercado.
De acordo com a ADCAP, ao longo de 358 anos de história, os Correios fizeram investimentos necessários para ter uma infraestrutura nacional em pleno funcionamento. “Agora é só mantê-la e modernizá-la. E os Correios, que lucraram mais de R$ 1,5 bilhão em 2020 e têm baixíssimo endividamento, podem tranquilamente realizar os investimentos necessários”, afirma o documento emitido pela associação.
Quanto às dívidas herdadas (R$ 2,5 bilhões de prejuízos acumulados e R$ 7,5 bilhões com fundos de pensão e plano de saúde), a associação garante que foram lançadas nos balanços por decisões, à época, dos Ministérios da Fazenda e do Planejamento, que retiraram dividendos em excesso dos Correios, congelaram tarifas por dois anos e nada fizeram por ocasião da implantação de uma nova norma contábil que impactou severamente os balanços de grandes empregadoras, como Correios e Caixa.
A ADCAP afirma ainda que o Ministério da Economia está ciente da situação positiva da empresa. “Os Correios realizaram recentemente uma avaliação dos riscos de continuidade operacional para os próximos 10 anos. O estudo, que deveria ser de conhecimento do Ministério da Economia, que tem assento no Conselho Fiscal da Empresa, apontou não haver riscos. Ou seja, a organização tende a manter positiva sua curva de resultados bilionários ao longo da década, não havendo, portanto, nenhum cabimento em se falar em risco de os Correios se tornarem dependentes do Tesouro Nacional”, reafirma a associação.