Impostos

Falhas e virtudes levam polêmica à reforma do Imposto de Renda

Parlamentares e especialistas veem avanços no relatório elaborado pelo deputado Celso Sabino (PSDB-PA), mas alertam para pontos específicos, como a medida que extingue o vale-refeição. E estão céticos sobre a redução de R$ 50 bilhões na carga tributária

Rosana Hessel
Israel Medeiros
postado em 15/07/2021 10:19 / atualizado em 15/07/2021 10:22
 (crédito: Najara Araújo/Câmara dos Deputados)
(crédito: Najara Araújo/Câmara dos Deputados)

A segunda etapa da reforma tributária do Executivo, que trata de mudanças no Imposto de Renda, continua colecionando polêmicas e não deverá ser votada antes de agosto, de acordo com líderes das bancadas da Câmara dos Deputados. “A votação só deverá ocorrer em agosto, pós-recesso”, afirmou líder do DEM na Câmara, Efraim Filho (PB). Parlamentares dizem que não há consenso para uma votação às pressas do PL 2337/2021, pois o recesso parlamentar começa a partir do próximo dia 18.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), vinha sinalizando que pretendia votar a matéria nesta semana, mas o relator do projeto, o deputado Celso Sabino (PSDB-PA), ficou de protocolar o relatório preliminar apenas na sexta-feira (16). Apesar de Sabino ter feito mudanças no texto que agradaram ao mercado financeiro — como a volta da isenção do Imposto de Renda sobre Fundos de Investimento Imobiliário (FII) —, analistas ainda apontam problemas na proposta e citam medidas impopulares. Um dos exemplos é o aumento de carga tributária para as empresas, que poderá variar de 27% a 98% (dependendo do regime), conforme os cálculos do tributarista Ilan Gorin. Ele não considerou, na conta, o impacto da primeira fase de reforma tributária sugerida pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Essa proposta trata da unificação das alíquotas de PIS-Cofins em 12%, criando a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que também vai pesar para as empresas.

Entre os pontos polêmicos para o trabalhador na proposta de reforma do IR, destacam-se a isenção dada às empresas para oferecer tíquete alimentação e a revogação da desoneração de PIS-Cofins sobre medicamentos de uso contínuo. Essa última medida poderia provocar um aumento de 10% no preço dos remédios, segundo ofício da Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma). A assessoria do relator informou que o deputado não recebeu o documento.

O PL 2337/2021 atualiza a tabela do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF), elevando de R$ 1,9 mil para R$ 2,5 mil o limite salarial mensal para a isenção da declaração anual. O relatório preliminar de Sabino ainda prevê a redução de 15% para 2,5% no Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e mantém a tributação de 20% sobre dividendos e o fim da dedução do Juro sobre Capital Próprio (JCP). De acordo com o relator, haverá uma redução de R$ 30 bilhões na carga tributária. Contudo, esse valor ainda não tem a sua compensação bem detalhada, de acordo com analistas.

Na apresentação de Sabino feita aos líderes, ele incluiu uma receita não recorrente, de R$ 14 bilhões, resultado da tributação dos estoques de fundos de investimento fechados. Essa receita só vai ocorrer em 2022, se o PL for aprovado. “Eles estão vendendo um pacote que parece melhor do que apresentado pelo Executivo, mas deixam a entender que o governo vai recuperar essa renúncia lá na frente com a CBS”, destacou a professora de direito tributário da Fundação Getulio Vargas no Rio de Janeiro (FGV-RIO) Bianca Xavier. A especialista lembrou que, no caso do fim da isenção das empresas que fornecem tíquetes-alimentação aos funcionários, esse benefício para o trabalhador existente desde 1976 poderá ser extinto.

Bianca Xavier também comentou outros pontos. “O relatório melhorou muito em relação à proposta original, que era muito ruim. Ninguém é contra a tributação de dividendos, desde que seja compensada pela redução da tributação equivalente sobre a pessoa jurídica. Mas a proposta continua com vários pontos negativos. Ainda há muito para ser aperfeiçoado”, explicou a professora da FGV. Um dos problemas da proposta, com risco de judicialização, é a tributação de lucros das coligadas no exterior, mantida pelo relator.

Ajustes

Parlamentares também veem que é preciso melhorar a proposta de reforma do IR. O deputado Alexis Fonteyne (Novo-SP) nota mudanças positivas no texto do relator. Segundo ele, uma série de problemas enfrentados por empresas com o sistema tributário atual podem ser superados. “O projeto avançou nos pontos que devia avançar. Agora há um maior equilíbrio para os donos de empresas na tributação dentro ou fora da empresa. O IRPJ diminuiu proporcionalmente com relação à tributação nos lucros e dividendos, e isso tem efeitos variados na sociedade e nas empresas. Com a proposta, aqueles que pagavam pouco imposto passam a pagar mais. Então, nesse sentido, o projeto está no caminho certo”, afirmou.

O deputado ponderou, no entanto, que o fim da dedução dos Juros Sobre Capital Próprio (JCP) das bases do IRPJ e da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) é um ponto a ser revisto. Ele notou que o projeto cria regras mais claras quanto à Distribuição Disfarçada de Lucros (DDL). O relator Celso Sabino incluiu uma exceção, permitindo que as empresas destinem recursos para a capacitação de sócios, administradores ou titulares em áreas afins com a da empresa.

Fonteyne disse que benefícios, como vale refeição ou plano de saúde, não devem ser encarados como DDL. “Plano de saúde para sócios, eu não vejo isso como distribuição de lucros, é um benefício. Mas casa na praia, jardineiro, empregada, isso é necessário investigar para evitar uma distribuição disfarçada. Agora vale refeição, por exemplo, não deveria ser considerado”, opinou.

Para o deputado federal Fábio Trad (PSD-MS), a reforma tributária que o governo propõe não é, de fato, uma reforma. Enquanto o país não fizer uma mudança ampla, argumenta, não será possível superar o status de um dos piores sistemas tributários do mundo. Porém, ele concorda com a essência do projeto e avalia que a reforma apresentada tem mais acertos do que erros. Trad considerou a desoneração de empresas positiva, mas entende que ela deve acontecer com cautela.

Também concordou com a tributação de dividendos, para que o Brasil se equipare aos países desenvolvidos. O parlamentar discordou da estimativa do relator de que as perdas de arrecadação resultantes do seu parecer, no valor de R$ 50 bilhões, podem ser cobertas apenas com o efeito indireto da reforma na economia. “É possível projetar? Sim, mas ele [o relator] não tem os dados concretos para isso. Essa previsão é incerta”, disse.

Trad também considerou positivas as revisões propostas em incentivos fiscais e renúncias da União. “Não temos hoje mecanismos que permitam fiscalizar esses setores isentos. Portanto, eu penso que o projeto vai na direção correta”, afirmou.

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Reforço ao Bolsa Família

A tributação de dividendos das empresas, que deverá ser implemetada a partir da reforma tributária, financiará o reajuste do Bolsa Família prometido pelo governo para novembro. Em live do jornal Valor Econômico, ontem, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que a aprovação da reforma com o texto atual permitirá a injeção de R$50 bilhões no programa social, com um reajuste de 20%, índice inferior ao prometido pelo presidente Jair Bolsonaro no mês passado.

“Por sermos um país carimbador, teremos que pegar os dividendos e falar que uma parte será permanente para o Bolsa Família. Dá tranquilamente para pagar os 20% adicionais que o programa precisa, podia ser até mais, mas não vamos aumentar tanto assim, vamos aumentar só um pedaço”, disse o ministro.

Eletrobras
O ministro também fez referência ao Bolsa Família ao comentar a privatização da Eletrobras. Segundo Guedes, a venda da maior empresa de energia elétrica da América Latina pode até render votos ao presidente Jair Bolsonaro e dar um novo gás à reeleição, em 2022. “Tem gente dentro do governo que acha que vender a Eletrobras tira voto. Eu acho que isso dá voto, em vez de tirar”, afirmou.

Guedes disse que o dinheiro arrecadadado com a estatização poderá servir para dar uma “chuveirada” de renda aos mais vulneráveis. “Que tal se desse dinheiro da venda, pelos menos uns 30% fossem para os cidadãos mais frágeis? Será que, em vez de fazer redistribuição de renda, será que não aprendemos algo com o efeito riqueza? Que tal para alguém que ganha R$ 250 do Bolsa Família todo mês, se de repente ganhasse R$ 3 mil? E se isso for fruto da desestatização, será que a opinião pública não muda?”, especulou o ministro. A ideia não é nova. Ele já havia citado a possibilidade, que acabou mencionada novamente diante do cenário de queda de popularidade de Bolsonaro.

Para João Vítor Stüssi Velloso de Andrade, especialista em macroeconomia e sócio do Chenut Oliveira Santiago Advogados, não é factível uma decisão sobre a Eletrobras este ano, em razão de procedimentos políticos e de definição da oferta. No entanto, para 2022, mesmo sendo ano eleitoral, ela pode se concretizar. O resultado da negociação, por outro lado, “é um bingo”, afirmou. Críticos da privatização afirmam que, finda a negociação, a conta de luz vai ficar mais cara para o consumidor. Segundo Velloso de Andrade, no entanto, “não dá para garantir se sobe ou não o custo da energia elétrica. Vai depender de como a nova empresa vai avaliar”, ponderou.