CONSUMIDOR

Pente fino nos contratos

Denúncias contra fornecedores e problemas contratuais tiveram aumento expressivo durante a pandemia. Representam a segunda maior causa de reclamações no Procon, atrás somente de divergências com cobranças

Fernanda Fernandes
postado em 09/08/2021 00:29
 (crédito: Arquivo Pessoal)
(crédito: Arquivo Pessoal)

Ao firmar um contrato, de serviços, bens ou consumo, o princípio de igualdade deve ser mantido entre as partes que entendem e concordam com o conteúdo e os valores propostos no acordo. Esse conceito, no entanto, é ignorado na prática, principalmente nas relações de bens e consumo. Atualmente, problemas com contratos ocupam a segunda posição no índice de reclamações do Instituto de Defesa do Consumidor (Procon), com 343.478 registros, o equivalente a 17% do total das queixas. Os problemas contratuais ficam atrás, apenas, dos problemas com cobranças, que possuem 765.473 reclamações registradas e representam 37,8%.

De acordo com a Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor (Senacon), ao aceitar termos contratuais, ainda que por meio de canais digitais e sem assinar, o contrato entre as partes é firmado. “Quando se aceita um termo de uso, estabelece-se lei entre as partes e cabe ao Estado o uso da força, se necessária, para assegurar a execução dos acordos”, explica o órgão.

A crise sanitária trouxe consigo o expressivo aumento de denúncias sobre supostos comportamentos oportunistas por parte de alguns fornecedores. Em razão disso, o Ministério da Justiça (MJ) divulgará, a partir de hoje, orientações ao consumidor, com foco na escolha dos melhores índices que acompanham a variação de preços no país.

“A discussão sobre preços abusivos apareceu muito durante a pandemia, devido ao choque de oferta e demanda. Nesse contexto, surgiu a discussão sobre os índices para mostrar que, muitas vezes, houve inflação no período”, conta Frederico Moesch, coordenador-geral de estudos e monitoramento de mercado do MJ. A definição correta, segundo Moesch, evita que o consumidor sofra com as variações de preços.

Segundo o coordenador, pela regra, as partes convencionam como vai se dar o reajuste nas relações de consumo. De todo modo, Moesch afirma que se criou uma cultura no estabelecimento de contratos de médio e longo prazo, com o índice de reajuste anual. “O aluguel é um exemplo que aumentou muito por causa da oscilação cambial com o Índice Geral de Preços-Mercado (IGP-M), que é um índice que não reflete o setor e gera capitalização indevida do locador em prejuízo do locatário. Na dúvida, escolha o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (IPCA), que costuma ser mais estável ao longo do tempo”, destaca.

Entre as propostas elaboradas por meio da Senacon, às quais o Correio Braziliense teve acesso, estão direcionamentos para que os consumidores fiquem atentos à escolha do melhor índice na hora de indexar contratos. “Nenhum índice está livre de passar por momentos de instabilidade ou forte alta, de todo modo, quanto maior o vínculo do que foi contratado com o índice utilizado, menores são as chances de uma das partes, especialmente o consumidor, se sentir prejudicada no futuro”, diz nota do órgão.

O documento da Justiça aponta que, além dos aluguéis, o IGP-M é muito utilizado em contratos de prestação de serviços e no reajuste de tarifas de energia, telefonia e de transporte público. O índice, influenciado pela variação do câmbio, que tem um regime flutuante no país, não é obrigatório. Em maio de 2021, o IPCA registrou a marca de 8,1% no acumulado de 12 meses, enquanto o IGP-M acumulava, no mesmo período, uma alta de 37%.

Ainda de acordo com Moesch, independentemente de qual índice tenha sido escolhido, é possível renegociar. “Nos tribunais já há decisões reconhecendo que a função do índice é justamente fazer a correção de valor do contrato, simplesmente atualizar o valor da moeda e não gerar ganhos para a outra parte”, conclui.

Formalização
Embora o contrato verbal ainda seja uma prática reconhecida pela Justiça (quando há testemunhas e meios de comprovação do acordo), a diretora do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, Lilian Brandão, explica que a prática pode ser perigosa.

“O consumidor tem direito de exigir ao fornecedor que a relação de consumo entre eles seja selada com um contrato, por escrito, em que conste, além da identificação das partes, tudo o que for combinado verbalmente”, explica. Dados como data de início e término, valor à vista e a prazo, taxas de juros, encargos e sanções por atraso no pagamento, período de validade, abrangência, condições para renovação, cancelamento, entre outros, sempre devem constar, segundo a diretora.

O erro de não documentar alguns acordos mais simples e deixar tudo no “contrato de boca”, pode ser cometido por qualquer pessoa, até mesmo por um profissional da lei. É o caso do advogado Adalto Mateus Vitória Junior, 33 anos, morador da Asa Norte. Em agosto do ano passado, quando as academias de ginástica voltaram a funcionar, entrou em contato para tentar receber os dias cobrados e sem uso.

“A atendente me disse que ao voltar a malhar eu poderia usar esse saldo. No entanto, eu peguei covid-19 e, após minha recuperação, voltei ao espaço para utilizar os serviços. Mas a atendente anterior não estava mais lá e ninguém sabia de nada", conta Mateus.

A diretora Lilian Brandão, explica os passos para solucionar o problema.“Recomenda-se ao consumidor que busque resolver o problema diretamente com o fornecedor ou procure atendimento no Procon ou no consumidor.gov.br”, recomenda. Caso não haja solução, o consumidor pode recorrer à Justiça. (Colaborou João Vitor Tavarez*)

*Estagiário sob a supervisão
de Michel Medeiros

Índice de reclamações no Procon

Posição Problema Quantidade%
1º Problemas com Cobrança 765.473 37,8%
2º Problemas com Contrato 343.478 17,0%
3º Vício ou Má Qualidade de Produto ou Serviço 235.018 11,6%
4º Problemas com SAC 222.665 11,0%
5º Problemas na Entrega de Produtos 188.047 9,3%
Demais Problemas 267.720 13,2%
Total 2.022.401 100,0%
Dados: Sindec/Procon/Ministério da Justiça

 

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