CONJUNTURA

BC alerta para contas fiscais sem controle

Enquanto Bolsonaro culpa governadores pela elevação dos preços de produtos essenciais, como gás de cozinha, o presidente do Banco Central diz que medidas recentes que ampliam gastos do governo estão na raiz do aumento da inflação no país

Fernanda Fernandes Ingrid Soares
postado em 14/08/2021 00:44
 (crédito: Raphael Ribeiro/BCB - 24/9/20)
(crédito: Raphael Ribeiro/BCB - 24/9/20)

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, afirmou, ontem, que um dos maiores desafios da instituição será conseguir segurar as expectativas de inflação em um ambiente de contas públicas em risco, como aquele em que o Brasil se encontra. “É impossível para qualquer banco central do mundo segurar as expectativas com um ambiente fiscal descontrolado”, disse o presidente do BC, ao analisar os motivos que tiraram o Brasil de um cenário positivo para investimentos aos olhos do mercado financeiro.

“Algumas notícias como a questão dos precatórios, novo Bolsa Família, incentivo para setores específicos, e outras coisas, fizeram os agentes econômicos terem a percepção de que o ambiente fiscal agora não está melhorando tanto”, disse Campos Neto, durante o 4º Encontro Folha Business, se referindo ao aumento dos gastos do governo e às propostas encaminhadas ao Congresso recentemente.

A análise do presidente do BC contrasta com as declarações do presidente Jair Bolsonaro, que, ontem, durante cerimônia de entrega de residências, no Ceará, culpou governadores pela inflação, por terem adotados medidas restritivas na tentativa de controlar a pandemia de covid-19 e diminuir os casos da doença. O presidente chamou as decisões de lockdown de “ato criminoso” e atacou o governador local, Camilo Santana (PT). “Aquela política que governadores adotaram com esse ‘fique em casa que a economia a gente vê depois’, a conta está chegando”, disse.

Bolsonaro também cobrou dos governadores a redução do ICMS cobrado sobre o gás de cozinha. “Já estamos buscando uma maneira de suavizar o impacto danoso que vem da inflação. Dizer que sabemos muito bem que o gás de cozinha está caro, na ordem de R$ 130. Mas dizer a vocês que nós entregamos na origem um botijão de 13kg por R$ 45. E eu determinei que desde abril não existe mais imposto federal no gás de cozinha. O preço do gás sai de R$ 45 para R$ 130 baseado em três fatores: o frete, a margem de lucro de quem vende e o ICMS do governador do estado. Se pensassem em vocês e nos mais humildes, fariam o que eu fiz no imposto federal. É só zerar o ICMS do gás de cozinha. Seria um grande gesto, mas parece que, para muitos governadores, isso não interessa, interessa apenas a demagogia”, atacou.

Precatórios
A PEC dos precatórios, citada por Campos Neto, estende o pagamento de dívidas judiciais da União por até 10 anos e aumenta ainda mais as incertezas fiscais de investidores no mercado brasileiro, pois é considerada um calote disfarçado, e que muitos analistas consideram inconstitucional. A proposta foi enviada nesta semana ao Congresso pelo presidente Jair Bolsonaro, com o objetivo de abrir um espaço de R$ 33,5 bilhões no Orçamento de 2022 para financiar o programa Aliança Brasil — que deve substituir o Bolsa Família, a partir de novembro. O governo promete aumentar o valor dos benefícios e ampliar o número de pessoas atendidas, mas, até agora, não estão claras as fontes de recursos.

Segundo o economista Roberto de Góes Ellery Júnior, professor da Universidade de Brasília (UnB), com a expansão de gastos do governo, o índice de Preços ao consumidor Amplo (IPCA) deverá fechar o ano bem acima do teto da meta, que é de 5,25%, obrigando o governo a escolher entre retirar parte dos estímulos da economia ou arriscar perder o controle da inflação. “Uma escolha difícil que pode influenciar os rumos da economia no futuro próximo”, afirmou.

Além das propostas do governo, o BC deverá lidar com os ruídos no mercado financeiro causados pelas discussões sobre a reforma tributária, pelo alto endividamento do país e o cenário de instabilidade política nacional. Esse risco foi reconhecido na última reunião do Comitê de Política Econômica (Copom) do BC, quando o colegiado, para tentar segurar a inflação, aumentou a Selic (taxa básica de juros) de 4,25% para 5,25% ao ano.

De acordo com Campos Neto, mesmo diante de tantos desafios, a instituição trabalhará para combater essa imagem de insegurança fiscal e controlar a inflação. “O ajuste para que essa inflação não contamine o ambiente inflacionário é nossa missão número um, para manter os preços sob controle. A coisa mais importante em um país é passar mensagem de credibilidade fiscal, que vai permitir ao BC fazer o trabalho com melhor nível de juros e com maior eficiência”, disse.

“É impossível para qualquer banco central do mundo segurar as expectativas com um ambiente fiscal descontrolado”

Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central do Brasil

 

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Open banking: segunda fase começa com falhas

 (crédito: RaphaelRibeiro/BCB - 29/1/21)
crédito: RaphaelRibeiro/BCB - 29/1/21

O início, ontem, da segunda fase do open banking, iniciativa do Banco Central para permitir o compartilhamento de dados financeiros de clientes — cadastros ou transações —, entre bancos ou fintechs foi marcada por muitas falhas. Os 100 bancos selecionados para participar do sistema ficaram sem comunicação. Conforme informou o Blog do Vicente, o Banco Central esqueceu de encaminhar aos participantes a chave para que pudessem ter acesso a mensagens compartilhadas entre eles.

As instituições conseguiam enviar mensagens sobre a clientela, mas ninguém conseguia lê-las. Analistas de mercado informaram que a maior falha da autoridade monetária foi não ter feito testes, antes, com os bancos. À noite, em nota enviada ao Blog, o BC informou que a as instituições participantes trabalharão ao longo do fim de semana para que os ajustes necessários estejam implantados até a próxima segunda-feira.

“Ajustes pontuais são naturais e esperados no início de funcionamento de qualquer solução complexa e inovadora, motivo pela qual optamos por uma estratégia de lançamento progressivo desta fase, com limites operacionais”, diz a nota. O BC afirmou, ainda, que, na arquitetura do open banking, as instituições se conectam baseadas em especificações técnicas definidas pelo mercado, sem dependência operacional do Banco Central.

Na prática, segundo especialistas, o open banking vai facilitar a vida do consumidor, que passa a ter acesso a uma gama maior de informações sobre produtos mais baratos de outros bancos além daquele no qual ele tem conta. O mecanismo também colabora com a educação financeira, já que incentiva a comparação de taxas e a busca de operações com menor custo.

A especialista em finanças Nathalia de Oliveira Rosa Arcuri, do canal Me Poupe!, deu um exemplo: “Caso você tenha uma conta no Banco X, e toda a sua vida bancária esteja lá, mas queira contratar um produto no qual o Banco X não dá muita vantagem, o open banking permite acesso a essa alternativa”, disse.

“Imagine que, por outro lado, o Banco Y, ou uma fintech, tem condições melhores exatamente para o que você deseja. Até agora, o Y não tinha acesso aos seus dados para oferecer essa solução melhor, mas o open banking permitirá que isso aconteça.”

Nathalia Arcuri ainda chama a atenção para uma questão importante. “Com o open banking, os dados são seus e você compartilha como quiser para incentivar a concorrência. Você controlará qual instituição receberá seus dados, onde estão sendo compartilhados, por quanto tempo e para uma finalidade específica, podendo cancelar a autorização a qualquer tempo”, reforçou.

Para o Banco Central, o reflexo imediato será a diminuição das taxas ao tomador de empréstimos e financiamentos. E o cliente não precisará ir pessoalmente ao banco. Tudo será feito on-line, pelo computador ou pelo celular.

De acordo com Otavio Ribeiro Damaso, diretor de Regulação do BC, o open banking é “completamente seguro”, já que apenas instituições reguladas, autorizadas e supervisionadas pelo BC participam. “Essas instituições são obrigadas a seguir todas as regras que regem o sistema financeiro nacional, inclusive a lei de sigilo bancário”, garantiu Damaso. Mas é nessa fase, quando começa o compartilhamento de dados, que o cidadão deve ficar alerta, porque o risco de tentativas de golpe cresce, alerta a Federação Brasileira de Bancos. (Colaborou Fernanda Fernandes)

“Com o open banking, os dados são seus e você compartilha como quiser para incentivar a concorrência. E pode cancelar a autorização a qualquer tempo”

Nathalia Arcuri, especialista em finanças


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